Correio da Cidadania

O massacre continua

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Israel detém seis palestinos em operação na Cisjordânia – Monitor do Oriente
No dia 22 de abril deste ano, agricultores palestinos de Deir Dobwan estavam pastoreando suas ovelhas quando notaram um colono do assentamento judaico próximo. Ele tentava misturar uma ovelha própria no meio do rebanho dos palestinos, os irmãos Suleiman e Amiad Sheikha. Para evitar problemas, os irmãos levaram suas ovelhas para pastar em uma colina próxima.

Cerca de dois minutos depois chegaram de carro mais três colonos e, a seguir, outros bandos deles, estes portando armas de fogo e bastões.

Todos puseram-se a lançar pedras contra os pastores palestinos e suas ovelhas.
Essa benemérita ação causou ferimentos em três dos palestinos, dois na cabeça. Um deles recebeu uma pedrada no crânio, tombando desacordado.

Nenhum dos agressores foi preso. Violências desse tipo vem se repetindo por toda a Cisjordânia, desde a ocupação da região pelo exército de Israel. De acordo com estimativa da ONU, os ataques lançados por colonos dos assentamentos chegaram a pelo menos 849 em 2022, sendo que 228 palestinos foram feridos com maior ou menor gravidade.

A ONU também informa que as violências dos colonos, além de atingirem muitas centenas de palestinos, também destruíram plantações e mataram animais deles. Houve um substancial aumento nessas malignas ocorrências a partir da ascensão ao poder da coligação formada por radicais de direita, fascistas e fanáticos religiosos.

De fato, somente em 29 março de 2023, centenas de colonos judaicos saíram dos 144 assentamentos para danificar fazendas e sítios na Cisjordânia e agredir seus proprietários palestinos (The Craddle, 29/1/2023). E, apenas no primeiro trimestre deste ano, os ataques se repetiram 479 vezes.

A organização de direitos humanos israelense Yesh Din descobriu que, em 2011, 91% das queixas palestinas de ataques dos colonos foram encerradas por “falta de evidências” ou “desconhecimento dos agressores”.

Ficaram impunes sucessivos apedrejamentos, queima de veículos, destruição de oliveiras, ferimentos (até mortíferos) em ovelhas, violências físicas, residências danificadas, arrasadas ou queimadas, principalmente nas regiões ao sul de Ramala e ao norte de Nablus (NSBC News (1/3/2023).

Não se pretende que a maioria dos 500 mil colonos judaicos dos assentamentos integrem ou apoiem essas autênticas milícias de ferozes racistas, dedicados a tornar um inferno a vida dos agricultores palestinos. Porém, se não houvesse nos assentamentos um clima favorável aos milicianos, ou mesmo uma certa boa vontade em relação a suas ações brutais contra “esses palestinos selvagens e inimigos de Israel”, os grupos de agressores não teriam condições de existir e crescer tanto.

Entre os fatores que explicam esta expansão está também a atitude das forças de segurança de Israel. Os soldados, normalmente, apenas contemplam as barbaridades praticadas por seus conterrâneos dos assentamentos.

Quando agem é para prender ou atacar os palestinos, que ousarem lutar contra os seus agressores.

Há casos quando, embora alertados por prováveis ações, suscetíveis de causarem danos físicos e materiais a palestinos, os militares simplesmente ignoram o que está para vir.

Um caso emblemático foi o pogrom de Huwara. Pogroms são ataques brutais contra minorias, em geral judaicas, promovido por turbas enfurecidas, com tolerância das autoridades do país.

A maioria aconteceu no século 19 e início do século 20, especialmente no império czarista russo e também na Alemanha, Romênia e demais países do leste europeu. Os pogroms tinham tal gravidade que, no período acima, estiveram entre as causas da imigração em massa de judeus europeus para a América.

Espancamentos, assassinatos, incêndios de casas e às vezes de aldeias inteiras, mortes de animais eram as marcas destas barbaridades, que praticamente cessaram diante da repulsa da parte da humanidade civilizada.

Ninguém esperava que algo assim pudesse acontecer em pleno século 21. Mas aconteceu, com uma única diferença: judeus que eram as vítimas, passaram a ser os executores no pogrom de Huwara, uma pequena cidade da Cisjordânia, habitada por palestinos.

O pretexto foi o assassinato à bala de dois irmãos, moradores de um assentamento judaico, por um palestino, quando eles passavam pela cidade, de carro.

O crime agiu como um tsunami emocional, catalisando sentimentos de profundo ódio racial que se espalharam por dois assentamentos nas vizinhanças. Vingança brutal e implacável passou a ser exigida, não visando os autores e cúmplices eventuais, mas todos os residentes de Huwara, culpados de serem palestinos.

Assim, uma horda enlouquecida de centenas de vingadores, com armas de fogo, bastões, pedras e tochas invadiu a cidade palestina, atacando o que encontravam e levando o terror às famílias locais.

Havia, soldados, sim, mas, embora o povo apelasse pela sua intervenção para impedir a vandalização de Huwara, eles se limitaram a observar.

Somente depois de tudo acabar os soldados prenderam 8 dos agressores, dois não chegaram a dormir na cadeira e depois de mais alguns dias os demais foram também liberados por falta de provas...

Ficou um saldo de mais de 100 palestinos feridos, 36 casas incendiadas, 15 carros destruídos e um morto por tiros.

Mais uma vez a impunidade dos colonos agressores foi mantida. O pogrom de Huwara repercutiu em todo o mundo, causando horror e condenações por personalidades das mais diversas posições políticas, inclusive de Israel e até de alguns generais.

A reação dos chefões fascistas não foi exatamente a mesma. Benzalel Smotrich, um dos seus principais líderes, ministro das Finanças de Israel e chefe da Administração Civil da Cisjordânia, afirmou que Huwara precisava ser varrida do mapa e que caberia ao exército de Israel realizar esse nobre feito.

“Huwara deve ser deletada hoje”, proclamou David Ben Zion, uma das mais estridentes vozes dos colonos.

Por sua vez o primeiro-ministro, Netanyahu, ao invés de condenar o terrível massacre, preferiu paternalmente aconselhar os colonos a “não quererem fazer justiça com suas mãos. Deixem que as forças israelenses realizem seu trabalho”.

Eles podem, sim, confiar na eficiência do exército de Israel (autoconsiderado um dos mais humanos do mundo): até 22 de maio de 2023, os militares judaicos já haviam matado 156 palestinos, dos quais 26 eram crianças.

Não é só por xenofobia que o Estado sionista apoia de forma total e irrestrita as malazartes dos colonos judeus.
Eles cumprem uma importante função para o regime sionista: colaboram para tornar insuportável a vida dos palestinos na Cisjordânia. O objetivo da maioria dos governos que se sucederam em Telavive vem sendo livrar-se desses indesejáveis gentios.

Mesmo partidos liberais e direitistas civilizados querem reduzir ao máximo a população árabe-palestina para impedir que cresça o suficiente para fazer sombra ao poder judaico, o que poria em risco o projeto sionista.

A maioria dos políticos desses grupos considera que a Cisjordânia deve ser parte de Israel, conforme os preceitos bíblicos. Sucede que isso poderia causar um sério problema: a população palestina da Cisjordânia somada à de Israel resultaria num total próximo ao dos judeus do país. Com o maior crescimento da natalidade palestina, esse povo acabaria sendo a maioria e iria exigir igualdade de direitos e disputar a supremacia no Estado de israel.

Evidentemente isso seria inaceitável para os atuais senhores da Terra Prometida. A solução aplicada pelo regime sionista foi executar um plano de limpeza étnica para varrer os palestinos de Israel, até que reste uma minoria insignificante, incapaz de ameaçar o status quo sionista.

Começaram de forma violenta, tomando as terras palestinas e expulsando seus proprietários em massa, durante a formação do Estado de Israel, na chamado Nakba (catástrofe). Na guerra de 1967, tomaram a Cisjordânia, então mandato da Transjordânia (hoje, Jordânia). E mais uma leva dos primitivos habitantes palestinos foi constrangida a se mudar para o exterior.

Com a ocupação militar da região, a limpeza étnica passou a se desenvolver de forma menos direta. É que se tornou conveniente mitigar a brutalidade do regime. Para não perder o apoio da Europa e dos Estados Unidos que começavam a se preocupar com as políticas israelenses, foi preciso pinceladas de justiça.

Convinha adotar políticas capazes de apaziguar a consciência do Ocidente, com explicações e argumentos pseudo-jurídicos, em geral contestados pela comunidade internacional, que parece contentar-se com esse simulacro de justiça, pois na prática nada faz para por Israel na linha.

Pelo contrário, tanto a Europa quanto os EUA tratam Israel de forma privilegiada, como se fosse um deles.

Embora condenados na ONU e na maioria dos países, medidas voltadas para a concretização da limpeza étnica continuam a prevalecer, tais como:

- a expansão dos assentamentos, ilegais pela 4º Convenção de Genebra (art. 49);

– a ocupação israelense da Palestina, que já completou 56 anos, um crime de guerra, segundo o Estatuto de Roma (Corte Criminal Internacional);

– a demolição de casas de palestinos que não tem licença de construção, algo que raramente lhes é concedido;

– a desapropriação de áreas de propriedade palestina para serem usadas pelo exército israelense ou para a formação de novos assentamentos;

– a transformação dos postos avançados, ilegais até pelas leis de Israel, em assentamentos continuam em terras roubadas aos palestinos assentamentos.

Com a chegada dos fascistas ao governo, novas leis e medidas administrativas acentuam a discriminação dos palestinos no trabalho, na educação, na saúde, nas relações pessoais, na política, na sociedade de um modo geral.

O ministro e líder fascista Bezalel Smotrich colocou de forma desabusada a posição central de sua grei: quando deputado federal, em 2018, ao se dirigir a colegas parlamentares árabes, uivou: “vocês estão por aqui por um erro: Ben-Gurion (primeiro governante de Israel) não terminou o trabalho, não os jogou para fora, em 1948”.

Ao contrário dos outros partidos, eles não se preocupam em aplacar os melindres humanísticos e legalistas dos estadistas ocidentais.

Com os fascistas dando as cartas no governo, espera-se que a discriminação se desenvolva de forma cada vez mais intensa e violenta.

Nesse contexto se insere o papel dos colonos agressores dos assentamentos: tornar insuportável a vida na Cisjordânia para os palestinos.

Não se sabe até onde irão os desmandos dessa gente e a passividade dos palestinos.
Os tambores da 3º Intifada soam cada vez mais perto.

E o B’Tselem, ONG israelense, avisa: “estamos em uma encruzilhada. Ou a comunidade internacional assume suas responsabilidades de forma a obrigar o governo de Israel a parar sua agressão e a parar os crimes dos colonos imediatamente ou veremos crescer um ciclo de violência”.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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