Correio da Cidadania

Haiti sem rumo

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Para entender o atual momento da crise no Haiti | Internacional
O Haiti foi a primeira nação independente do Caribe, a primeira república negra do mundo e o primeiro país do hemisfério ocidental a abolir a escravidão. São glórias passadas.

Hoje, a segurança do Haiti acha-se numa situação tão crítica que ameaça suas chances de alcançar um dia a estabilidade e o desenvolvimento vitais para um Estado moderno.

Esse futuro para lá de sombrio está sendo construído pela ação devastadora das 300 gangues do país, a metade na capital, Porto Príncipe, e que controlam ou influenciam 80% da cidade (Escritório para a Coordenação dos Assuntos Humanitários, abril, 2023).

Atualmente, elas mantêm presas 300 pessoas, sequestradas nos últimos 6 meses, número quase igual ao de todo o ano de 2022 e o triplo de 2021 (UNICEF).
Entre janeiro e março, mais de 1600 haitianos foram assassinados, sequestrados ou feridos, 652 mulheres foram estupradas, 30% mais do que nos últimos 3 meses de 2022 (relatório da ONU).

O poder e a audácia dessas gangues parecem não ter limites. No mês de setembro de 2022, o bando G9 bloqueou o principal porto e terminal de petróleo, logo depois do governo Ariel Henry ter dobrado o preço dos combustíveis – o que fez os preços dos alimentos alcançarem um patamar nunca atingido - com 4,7 milhões de haitianos (quase a metade da população) enfrentando fome aguda (The Guardian, 7/8/2023).

A polícia não tem como enfrentar os bandidos, que possuem melhores armas e mataram 29 policiais na primeira metade de 2023, sendo que, desde junho de 2022, 58 policiais morreram do mesmo modo (Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos).

Oficiais que deveriam fornecer os armamentos necessários às forças da lei preferem vendê-los aos gângsters.

A Justiça não colabora: presos perigosos em flagrante muitas vezes são soltos no dia seguinte.

No mês de janeiro, o Conselho Superior do judiciário anunciou a remoção de 30 juízes por falta de integridade moral e de 17 por fornecer certificações fraudulentas, além de falta de integridade moral.

A terrível insegurança com que vivem os haitianos, fortalecida pela ineficiência policial e a, desonestidade de chefes e juízes, vem sendo uma constante há muito tempo. Piorou ainda mais a partir de 2021, depois do assassinato do presidente Jovenel Moise, executado por um comando de mercenários colombianos. Até hoje, passados dois anos, os mandantes prosseguem desconhecidos.

Esse crime provocou uma instabilidade política tão grande que deixou o Estado sem forças para controlar a luta entre grupos poderosos e seus agentes políticos, a envolver atentados, tiroteios, assassinatos e a participação crescente das gangues.

A grande vítima desse estado de coisas é o povo que, além de sujeito às violências e ameaças das gangues, ainda tem de subsistir, submetido às piores condições de vida de todo o Ocidente; 90% dos haitianos vivem abaixo da linha da pobreza, sendo que 1/3 sobrevive em pobreza extrema. Metade da população sofre de severa insegurança alimentar – não sabem se poderão se alimentar no dia seguinte (Escritório para Coordenação de Questões Humanitária).

O Haiti é o país mais pobre da América Latina e dos Estados Caribenhos e um dos mais pobres do mundo. No ranking do desenvolvimento Humano da ONU, em 2021, colocou-se em 163º lugar, entre 191 nações.

Milhares de homens, mulheres, crianças e velhos não têm onde dormir hoje. A economia do Haiti apresentou crescimento negativo nos últimos quatro anos: -1,7%, em 2019; -3,3% em 2020; -1,8%, em 2021; 1,7%, em 2022.

A revolução nunca aceita pelo colonialismo

No entanto, em 1789, o país era outro.

O Haiti, então chamado Saint-Domingue, era colônia francesa, habitada por 500 mil escravos negros e 40 mil franceses. Produzindo 40% do açúcar do mundo, era a mais rica da constelação de colônias do governo de Paris. Estava também entre os maiores produtores de cacau, café e coco.

Em 1789, a revolução francesa, com sua Declaração dos Direitos do Homem, trouxe esperança para os escravos do Haiti.

Cedo viu-se que Liberté, Egalité e Fratenité” era apenas para os colonizadores brancos, os haitianos negros continuavam escravos, sem direitos mínimos e sujeitos ao mais brutal tratamento.

Alguns anos antes já existiam grupos de escravos fugitivos que lançavam ataques contra fazendas e autoridades. Eles foram unificados sob Toussaint Loverture, um ex-escravo carismático e de visão aberta, que unificou os rebeldes num movimento pela independência do Haiti.

Toussaint obteve vários triunfos. Ele anunciou a abolição da escravatura, quando suas tropas tomaram conta da ilha, expulsando os franceses de suas propriedades agrícolas.

Foi então que caiu a ficha do imperador Napoleão Bonaparte, que tratou de enviar um exército, comandado pelo general Leclerc, com a missão de acabar com o levante.

Toussaint derrotou os invasores, levando-os a propor negociações, acenando com uma possível aceitação da libertação haitiana. Não passava de uma cilada.

O líder dos rebeldes concordou em viajar à França para iniciar as tratativas e lá foi traiçoeiramente preso e encerrado numa prisão. Mas a revolução dos ex-escravos não acabou. O general Dessalines assumiu o comando e foi bem-sucedido. Tendo decidido concentrar seus recursos na guerra contra a Inglaterra e aliados, Bonaparte, retirou suas tropas e deu por encerrado o conflito com os haitianos.

O Haiti proclamou sua independência em 1804, sendo Dessalines seu primeiro presidente. No entanto, a França, não reconheceu o novo Estado, decisão imitada pelos outros países do Velho Mundo.

Os EUA fizeram o mesmo, atendendo às pressões dos poderosos latifundiários do Sul, temerosos de que o exemplo haitiano influenciasse seus escravos a seguirem o mesmo caminho. Além disso, era aberrante e inaceitável para a elite sulista uma raça por eles reputada de inferior e bárbara se atrever a governar uma possessão da civilizada França.

A rejeição das grandes potências isolou o Haiti e tornou-o um Estado pária, sem relações internacionais relevantes, especialmente num momento em que agricultura, da qual o país vivia, se achava devastada pelas sangrentas guerras de independência.

O governo norte-americano só reconheceu o Haiti em 1862, durante a guerra da Secessão, quando não havia por que se preocupar com os temores dos sulistas, tornados inimigos por defenderem sua separação da União americana.

Bem antes disso, o rei da França, Carlos X, dera sua contribuição para travar a recuperação da dizimada economia haitiana. Sua Majestade ordenara que 12 navios de guerra se dirigissem ao Haiti, com péssimas intenções.

Eles fundearam em frente a Porto Príncipe e exigiram 150 milhões de francos como indenização pela perda das terras, fazendas, benfeitorias e propriedades, inclusive os próprios escravos. Em troca, o governo de Paris reconheceria o Haiti. O governo real tinha um argumento de peso em favor de suas propostas: os canhões dos 12 vasos de guerra apontados diretamente para o casario de Ponto Principe.

Diante desta lógica irrespondível, o governo do Haiti teve de aceitar uma chantagem que praticamente arruinou o país e colocou em seríssimo risco o seu futuro. Concordou em pagar uma quantia que equivalia a 10 vezes o orçamento total dos haitianos, correspondendo em dinheiro de hoje a 30 bilhões de dólares. Mesmo limpando seus cofres, o governo de Porto Príncipe precisava ainda de uma quantia apocalíptica, totalmente fora de suas possibilidades, para cumprir sua parte.

O jeito foi recorrer a empréstimos. Bancos franceses e o City Bank acorreram pressurosos a ajudar esse pobre país. Com juros extorsivos, é claro. Para não falir, o governo de Porto Principe topou fazer pagamentos anuais, que exigiam economias orçamentárias em valores que exauriam as possibilidades dos governos haitianos de construir escolas, hospitais, estradas, ruas; financiar projetos de interesse público e de empresas privadas; subsidiar setores essenciais ao país e outras ações normais num governo razoavelmente estável.

O pagamento dessa dívida levou 7 dezenas de anos e foi possivelmente um dos principais responsáveis pela extrema pobreza do Haiti, ao lado da devastação causada pelas guerras de libertação, conflitos internos e as turbulências das gangues na antes próspera economia nacional.

Com a intransigência das elites econômicas em disputar o poder entre si, sem fazer concessões ás classes pobres, o país conheceu uma série de presidentes autonomeados ou escolhidos através de golpes de Estado e eleições em geral fraudulentas, juntas militares e até três breves imperadores (Jacques I, Henrique I e Faustino I).

EUA recoloniza o país

O caos que parecia crônico no Haiti foi a alegação usada pelos EUA para invadir e ocupar o Haiti por 19 anos (1915-1934), propondo-se a estabilizar o país.
Teoricamente deveriam cuidar apenas de reorganizar a administração, por ordem nas finanças públicas e garantir a segurança nacional. Foram muito além, tomaram de fato o governo do país.

Durante a ocupação, introduziram o sistema de trabalho forçado ou corvée, onde os camponeses eram recrutados pelos soldados sob ameaças para atuar em obras públicas e em grandes fazendas particulares. Também revisaram a constituição para permitir que o capital estrangeiro adquirisse propriedades agrícolas e facilitar o acesso à terra pelas empresas norte-americanas, expulsando os camponeses que não pudessem provar o pagamento dos novos impostos criados pela ocupação do país (boa parte deles não tinha ideia do que se tratava).

O povo haitiano reagiu através de guerrilhas, nas quais foram mortos 50 mil rebeldes, e de intensa migração, que diminuiu significativamente a força de trabalho local. Foi bem-sucedido, em parte, pois o governo vassalo dos EUA não conseguiu criar o ambiente adequado para o ingresso do capital norte-americano.

Com a saída das forças dos EUA em 1934, que, no entanto, continuaram controlando as finanças públicas até 1947, houve tentativas de democratizar o regime. Sempre mal sucedidas, e a anarquia, mais uma vez tomou conta das instituições políticas. Seu clímax chegou no período 1956/1957. Nesse ano, nada menos de três presidentes foram soi disant eleitos ou nomeados pelos militares.
Em 1857, o médico François Duvalier venceu a eleição presidencial, com apoio do exército.

Logo tornou-se um déspota e assumiu o poder total. Foi estabelecido o regime mais corrupto e violador dos direitos humanos do Haiti. Estima-se que ele tenha se apropriado de mais de centenas de milhões de dólares. Grande parte desses recursos vinha da ajuda internacional ao país. Identificou-se, por exemplo, 15 milhões de dólares, doados anualmente pelos EUA às administrações locais, mas transferidos para a conta pessoal de Duvalier.

O ditador não era o único a se beneficiar com o dinheiro alheio. Somente 15% das verbas orçamentarias iam de fato para despesas governamentais, os 85% restantes eram distribuídos generosamente aos vassalos mais próximos do carinhosamente chamado Papa Doc.

Usando recursos públicos, Duvalier formou uma milícia paramilitar privada, duas vezes maior do que o exército nacional: os Tonton Macoute.

Treinados por fuzileiros navais estadunidenses, esse grupo tinha entre suas funções aterrorizar o povo com assassinatos, sequestros e brutalidades feitos às claras e com frequência. Sua principal missão era promover a perseguição, exílio, desaparecimentos, torturas e massacre dos dissidentes. Todas estas ações, praticadas em larga escala, violavam sem pudor a maioria dos direitos humanos dos haitianos.

Graças a esta prolífica atuação, o regime Duvalier faz jus ao título de um dos mais brutais e repressivos do século 20. Talvez igualado apenas pelo governo do sádico Trujillo, na República Dominicana. Os dois foram apoiados pelos EUA durante muitos anos até que Washington achou mais eficiente controlar os países do seu quintal com políticos hábeis do que com ditadores brutais.

Em 1964, Duvalier promoveu um referendo constitucional, onde tornou-se “Presidente para toda a vida”, consagrado por 99,9% dos votos, em cujas cédulas já vinha escrito “sim”, possivelmente para ajudar os eleitores de poucas letras a escrever essa palavra, sem erros gramaticais.

Assim como seu vizinho Trujillo, o Papa Doc foi assassinado, deixando o poder a seu filho, Jean Claude Duvalier, o “Baby Doc,” de apenas 19 anos. O precoce presidente continuou a violar direitos humanos, prestigiando os ferozes Tonton Macoutes. Também na corrupção seguiu os passos paternos.

Os números da dinastia Duvalier nesse quesito são expressivos: de 300 a 600 milhões de dólares subtraídos do tesouro do Haiti e dos cofres de empresas privadas e 60 mil assassinatos de opositores e indivíduos incômodos para o regime.

Em 1986, apesar da retirada do segundo Duvalier para uma saudável estada na Suíça, o Haiti não gozou de paz.

Os Tonton Macoute continuaram vivos e fortes. Alguns foram contratados para a segurança de empresas e de políticos, outros para se tornarem o pesadelo de grupos rivais. A maioria seguiu operando sob a marca Tonton Macoute, protagonizando as inúmeras ações infames e brutais, nas quais se especializaram.

Os amigos diletos do regime Duvalier acabaram perdendo força, caindo sob o impacto de uma corajosa oposição, na qual cedo se destacou o ex-padre católico Jean-Claude Aristide.

O fracasso da “soberania” consentida

Em 1991, Aristide elegeu-se presidente num pleito honesto, amealhando 67% dos votos. No entanto, sendo seguidor da Teologia da Libertação, focado nos interesses da população pobre, era visto como um elemento perigoso, uma ameaça ao poder e privilégios das elites econômica e militar do país.

Sete meses depois de tornar posse, Aristide foi derrubado por um golpe de força. Para variar, assumiu uma junta de governo, onde brilhavam os antigos craques da tradicional e corrupta política militar.

Indignados, os setores mais carentes da população invadiram as ruas em protestos contra a queda do seu líder, O regime não hesitou em adotar métodos “duvalieranos” de repressão, inclusive contando com a inestimável colaboração de cascudos elementos sobreviventes dos Tonton Macoute.

Instaurou-se um reino de terror que, conforme o presidente Bill Clinton, vinha promovendo grande variedade de crimes, assassinando entre outros cerca de 5 mil adeptos de Aristide.

Depois do golpe, membros da Junta Militar foram acusados de tráfico de drogas. Em 1993, um memorando do Congresso Americano afirmou que “todos aqueles que foram encarcerados por tráfico de drogas acabaram sendo liberados (pelo governo anti-Aristide) e Michel François (ex-chefe de polícia), supervisionou pessoalmente a aterrissagem de aviões transportando drogas e armas”.

Diante do clamor da comunidade ocidental, militares dos EUA ocuparam o Haiti, entre 1994 e 1997, com o objetivo declarado de “estabelecer a paz” e “restaurar a democracia”.

As tropas de Tio Sam foram recebidas com grande alegria pois a maioria da população esperava que elas reconduzem seu líder ao poder. O que foi feito e Aristide pode completar seu mandato e eleger seu sucessor.

Em 2000, nova eleição deu-lhe a vitória com 92% dos votos. Número incrível devido, em parte, à recusa dos pequenos partidos de concorrer.

Os EUA só toparam reconduzir Aristide sob a condição de que ele assinasse um acordo com o FMI que garantisse a importação de quase todos os produtos consumidos no país. O que levou o Haiti a uma desconfortável dependência em relação a países do Ocidente (Democracy Now, 30/9/2021).

No segundo governo de Aristide, as coisas começaram a dar errado. Os preços dos alimentos continuaram a crescer inexoravelmente e as promessas de soluções rápidas para problemas do cotidiano, irrealizáveis a curto prazo em um país ainda forcejando sob o peso de crises históricas, corroeram o prestígio de Aristide e deram fôlego a um levante iniciado por militares hostis.

Desta vez, os EUA estavam contra Aristide. Em 2004, os rebeldes avançaram contra Porto Principe, tomando algumas cidades no seu caminho. A ameaça iminente levou o presidente a recorrer à ajuda dos oficiais norte-americanos, que ele acreditava ainda serem seus aliados.

Forçado por eles a renunciar, Aristide negou-se, e foi então sequestrado e enviado à força à República Centro-Africana, onde obteve asilo.

Em 2010, seis anos depois da queda de Aristide, o Haiti foi sacudido por um terrível terremoto de magnitude 7, que matou mais de 300 mil pessoas. Um grande número de infraestruturas foi destruído ou danificado seriamente. Cinco milhões de pessoas ficaram sem teto, vendo suas casas desmoronarem; 2 milhões foram forçadas a viver em acampamentos improvisados. Centenas de milhares morreram de fome.

Com infraestruturas frágeis, redes de assistência despreparadas e parte do povo ainda imerso em combates suscitados pela deposição de Aristide, o Haiti teve sua reconstrução seriamente abalada.

Atendendo a apelo da ONU, muitos países-membros dispuseram-se a ajudar
Do total dos 5,3 bilhões de dólares prometidos, boa parte ficou na promessa.

Ainda no ano de 2010, o país foi fortemente atingido por epidemia de cólera, que resultou na morte de mais de 7 mil pessoas, incluindo bebês e crianças.
A propagação da epidemia foi acentuada pela ausência quase total de sistemas de esgoto encanado e por apenas 2% da população ter acesso à água potável.

Favorecidas pela crise humanitária, que atraiu muitos novos recrutas, as gangues tornaram-se maiores e mais fortes, especialmente na capital, Porto Príncipe. Cedo começaram a ser confrontadas por uma nova força.

Último período

Em 2017, entrou em ação a Missão Militar de Paz da ONU, com a participação de tropas de diversos países e liderada pelo Brasil.

Nesse mesmo ano, apesar instituições de segurança ainda estivessem fracas, o sistema político pode promover eleições razoavelmente limpas, vencidas pelo empresário Jovenel Moise num pleito que a oposição considerou “um golpe de estado eleitoral”.

Desde sua posse, a oposição o acusou de corrupção e promoveu sucessivas manifestações populares pela sua renúncia.

A imprensa informava que autoridades pagavam as gangues para forçar as pessoas a não participarem dos protestos anti-Moise, enquanto os bandidos as obrigavam a participar das manifestações contra o governo, ao serem pagos pela oposição...

A impunidade era de regra como aconteceu no massacre das vizinhanças de La Salie. Lá se reuniam habitualmente grupos de adversários de Moise. Uma grande gangue atacou e matou 26 pessoas, durante dois dias de fuzilarias.

De acordo com relatório da ONU, a polícia fez de conta que não era com ela.
No meio da tropa dos bandidos foi identificado um alto funcionário governamental. O que explicou a inércia policial.

As gangues lutavam entre si pelo controle de territórios onde cobravam “proteção” das pessoas e lojas e efetuavam tráfico de drogas e compras de armas.
Apesar de tudo, as ações criminosas estavam sendo reduzidas.

Por méritos da iniciativa da ONU, acreditava-se que o governo havia recuperado uma certa estabilidade social, que trouxe o nível de violência para uma situação menos agressiva (apesar das gangues continuarem ativas).

Em 2021, a Missão de Paz da ONU declarou ter cumprido seus objetivos e se retirou do país. O grande problema era: o governo conseguiria sustentar essa situação no longo prazo?

A resposta veio num prazo bem anterior ao “longo prazo”. Em julho de 2021, o presidente Moise foi assassinado em sua própria casa por um comando de 6 ex-paramilitares colombianos, coadjuvados por haitianos.

Com o assassinato de Moise, a falta de segurança do país se acentuou. Ariel Henry, seu sucessor legal, assumiu o governo, desacreditado por boa parte dos políticos, que o consideravam suspeito de cumplicidade no crime.

As disputas políticas que se seguiram causaram um certo descontrole, que foi aproveitado pelas gangues para ampliar o espaço de suas ações criminosas.
Chegaram a cercar Porto Príncipe, com bandos armados que bloquearam as estradas e assim controlavam o acesso a alimentos e medicamentos.

Ulrika Rassmussem, coordenadora da assistência humanitária da ONU, declarou: “no clima de medo que se criou, os haitianos arriscam suas vidas ao simplesmente tentar ir para o trabalho, alimentar suas famílias ou levar as crianças para a escola”.

Sendo a polícia impotente para debelar o crime, o presidente Henry apelou sucessivamente para a ONU enviar uma nova força de paz. Guterres, o secretário-geral, endossou suas palavras e, por sua vez, insistiu que as potências atendessem ao pedido haitiano.

EUA e França concordaram que, de fato, o Haiti precisava de forças militares externas, mas não contem conosco. Ninguém se interessou em ajudar o angustiado presidente do Haiti, exceto o Quênia, que prometeu enviar 1.000 policiais, e as Bahamas, que não mencionaram números.

Enquanto não aparecem mais nações solidárias, que enviem juntas um número próximo aos 30 ou 40 mil, os haitianos discutem a proposta queniana.

Não havia simpatia por tropas estrangeiras, assumindo plenos poderes, haja vista a atuação dos soldados da última missão da ONU. A solução proposta foi colocar os soldados do exterior sob comando de oficiais haitianos.

Não se sabe em que pé está esta questão, mas o presidente Biden poderia ajudar o Haiti de outra forma: parar de expulsar os haitianos que vierem para os EUA como refugiados.

Embora a situação trágica dos haitianos, ameaçados constantemente pelas gangues, lhes dê motivos legais para se refugiar nos EUA, o morador da Casa Branca já expulsou mais de 27 mil cidadãos que buscavam algo que não vinham desfrutando: o direito de viver em paz, sob a proteção de leis democráticas.

Certamente, o Haiti agradeceria, ainda mais porque, segundo o World Bank, em 2018 por exemplo, haitianos residentes nos EUA remeteram para casa 3 bilhões de dólares.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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