Correio da Cidadania

Desilusões aguardam palestinos na normalização das relações Israel-sauditas

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Saudita liga negociações com Israel à questão palestina
Enquanto os olhos da opinião pública mundial concentram-se na guerra da Ucrânia, discute-se, desapercebido, um grande acordo entre EUA, Israel e Arábia Saudita, no qual a cereja do bolo seria a normalização das relações entre israelenses e sauditas, com benefícios para os signatários e ilusões para o povo palestino.

Há cerca de um mês, a imprensa internacional começou a afirmar que tudo já estava resolvido, só faltando que Israel atendesse a algumas exigências dos palestinos para se marcar a festa onde o grande plano seria assinado pelas partes.

Nos termos do acordo, além do estabelecimento das relações diplomáticas Israel-Arábia Saudita, os EUA garantiriam a segurança do país do rei Salman, o fornecimento dos mais avançados armamentos e principalmente o desenvolvimento de um programa nuclear pacífico.

E Biden teria recuperado a amizade privilegiada com a monarquia, que andava estremecida com a recusa de Riad em apoiar a Ucrânia contra a Rússia e aumentar a produção de petróleo para barateá-lo e assim reduzir a inflação dos EUA, somado aos ataques de Biden na campanha eleitoral ao governo saudita e seu príncipe, mandante do escandaloso assassinato na Turquia de um jornalista adversário.

Tudo sendo aprovado, Biden teria marcado um gol de placa: a volta integral das estreitas relações com a Arábia Saudita seria uma reação ao sucesso da incursão chinesa que promoveu as pazes entre sauditas e iranianos.

A recuperação da hegemonia estadunidense no Oriente Médio, ora enfraquecida, parecia estar a caminho. Vários países árabes que têm na poderosa Arábia Saudita seu farol, tenderiam a segui-la, acertando-se também com Israel, unificando-se a maior parte da região sob o comando dos EUA.

Não podemos esquecer também que trazer os sauditas para fumar o cachimbo de paz com Israel deixaria o país sionista mais tranquilo, cercado pelo afeto dos vizinhos árabes, não mais pela raiva desses países.

Claro, Biden sabe que é necessário dar ao menos alguma coisa para os palestinos, do contrário o rei Salman daria um stop nas gestões.

Com a devida cobertura pela imprensa, ele insistiu para que o premiê sionista fizesse algumas concessões. Boas ofertas, nada de pão duro sem manteiga.

Para Netanyahu, tudo bem. Seria uma grande vitória para ele conseguir as boas graças da Arábia Saudita, há tantos anos pedidas e recusadas. Ganharia muito apoio no parlamento e no público por essa conquista.

O mercado consumidor saudita não é de se desprezar, por seu alto poder de consumo. O crescimento industrial dos sauditas seria fortalecido pela aproximação com Israel, sobretudo nos setores de tecnologia e inovação, onde Telavive dá as cartas.

Mas o que os palestinos sairiam ganhando com o acordo ora proposto? Mahmoud Abbas, desde 2005, presidente da Autoridade Palestina não foi nada exigente.

Como líder dos palestinos deveria protestar pois o aceite saudita ao estabelecimento das relações completas com Israel seria ruim para os palestinos. Eles perderiam um importante trunfo na sua disputa pelo direito de vir a ser um país livre, que lhes foi negado pela ocupação ilegal da Cisjordânia pelas tropas de Israel e à expansão dos assentamentos judaicos, que hoje chegam a 500 mil, aproximadamente.

Nenhuma gestão foi feita por Abbas junto ao rei Salman, apelando para que ele resistisse à influência pró-sionistas do filho assassino e dos EUA, e continuasse a condicionar seu “sim” à criação de um Estado Palestino independente.

Em vez de pensar no seu subjugado povo, Abbas preferiu deixá-lo na mão. Como disse um assessor próximo ao presidente da Autoridade Palestina: “Eles (Abbas e seus parças) pensam que a normalização irá acontecer com ou sem nós, portanto eles podem muito bem se beneficiar disto, pelo menos politicamente ou financeiramente (Middle East Eye, 4/9/2023)”.

E foi o que eles fizeram. Na verdade, não se esperava muito de Abbas. Ele é erroneamente considerado representante legal dos palestinos. Afinal, seu mandato de presidente da Autoridade Palestina expirou há muito tempo, desde 2009.Ele vem adiando sistematicamente novas eleições.

Há três anos anunciou que desta vez era pra valer. Não foi. Pesquisa mostrou que 80% dos palestinos queriam defenestrá-lo, não aguentavam mais ter um líder submisso a Israel, que só contestava o governo sionista vez por outra. Decepcionado, Abbas cancelou o pleito, para não ser ele o cancelado.

Agora, mais uma vez, mostrou quem era, apresentando como primeira exigência palestina para aceitar as relações Israel-Arábia Saudita uma concessão que só interessava a ele, pois aumentaria seu poder: que parte da área C da Cisjordânia (60% de toda a região), que Israel governa, passasse para a área B, onde Abbas controla a administração civil e Israel a segurança.

Os palestinos não ganhariam nada pois seu pseudo-líder preocupa-se em defender prioritariamente a segurança de Israel, perseguindo os movimentos e grupos que lutam pela independência da Palestina.

A segurança é tão importante para Abbas que ele gasta 30% do seu orçamento com esse setor (mais do que em Agricultura e Educação somados); 44% dos funcionários públicos ali atuam, consumindo 30% de toda a ajuda internacional à Palestina.

Outras concessões sugeridas pela Autoridade Palestina (à escolha de Netanyahu) foram algumas medidas como:

– a reabertura do consulado dos EUA em Jerusalém, prometida por Biden e ainda limitada ao papel, por pressão israelense;

– novas negociações de paz, encerradas desde o governo Obama com prazos determinados, para se tentar evitar constantes adiamentos das conclusões nos 15 anos que duraram os anteriores mandatos do presidente sionista.

– a retomada pela Arábia Saudita do financiamento da Autoridade Palestina, interrompida há 7 anos. Segundo o Wall Street Journal os sauditas já deram seu OK.

O grupo de Abbas esqueceu de pedir o fim dos assentamentos judaicos, mas deve ter sido um lapso. É incrível demais acreditar que Abbas levasse sua sujeição a deixar de lado as principais reivindicações palestinas: o fim da ocupação militar e a política de assentamentos em terras palestinas tomadas pelo exército e da colonização da Cisjordânia, polvilhada com assentamentos toda a região (considerados grave infração do Direito Internacional).

Por ele, Netanyahu aceitaria todas estas concessões para agradar ao rei Salman e, especialmente, seu príncipe demoníaco, que tem um projeto de até 2030 modernizar a Arábia Saudita, transformando-a de um mero exportador do petróleo (combustível, que tem seus dias contados) numa poderosa potência de economia diversificada, um destacado player na política mundial.

Relacionando-se com Israel, o reino poderia se beneficiar na tecnologia e nas inovações, onde Israel brilha. Ao mesmo tempo, faria Biden feliz, pois esse presidente tem na volta da amizade Israel-Arábia Saudita seu principal objetivo no Oriente Médio. E conquistaria poder de barganha na operação para levar os EUA a criarem na monarquia um programa nuclear pacífico, com urgência.

Quanto às demais sugestões de Abbas, Netanyahu não teria por que rejeitá-las. O premiê sionista várias vezes já se declarou favorável à fundação da Palestina, através da ”solução dos dois estados independentes” (a preferida pelo Ocidente). Assim como também várias vezes se opôs terminantemente a essa mesma ideia...

Durante o governo Obama, em 2012, Bibi chegou a sentar-se à mesa das negociações com os palestinos para resolver a crise no Oriente Médio. Não era para valer, o próprio Obama, em entrevista à TV de Israel, concluiu que as propostas de paz de Netanyahu incluíam “tantas advertências, tantas condições que não é realista pensar que essas condições poderiam ser atendidas em qualquer momento num futuro próximo. No momento, a comunidade internacional não acredita que Israel é sério sobre a solução dos dois Estados”.

Não há por que acreditar que o líder sionista não adotaria essa mesma tática agora. Caso, como se espera, Abbas pedisse, ao menos, o fim dos assentamentos, Netanyahu não teria nada a contraditar, pois não precisaria descumprir essa promessa. A realidade provaria a impossibilidade de retirar os habitantes dos 500 mil assentamentos espalhados por toda a Cisjordânia.

A realidade também mostrou que não seria tão cedo que Israel e Arábia Saudita iriam estabelecer relações completas. O governo de Netanyahu é garantido pelo apoio de uma coalizão majoritária integrada também por dois partidos de ultradireita, o Poder Judaico (fascistas) e o Religião Sionista (fanáticos religiosos).

Eles são representados no gabinete pelos seus líderes Ben Gvir, ministro da Segurança Nacional, e Benzalel Smotrich, ministro das Finanças e chefe da Administração Civil da Cisjordânia.

Ambos são inimigos jurados dos palestinos, defendendo medidas extremas contra esse povo, que eles vêm como um estorvo aos desígnios de Deus, de dar toda Palestina ao povo judeu.

Os dois já se declararam totalmente contra concessões à Palestina. Para eles é algo totalmente inaceitável. Em vez de conceder terras aos palestinos, o objetivo desses chefões é anexar toda a Cisjordânia ou, ao menos, sua área C, de onde os habitantes palestinos seriam convenientemente expurgados.

Netanyahu não pode fazer nada. Se os parlamentares dos dois partidos extremistas se retirarem da coalizão, seu governo perde a maioria e cai. A solução que está sendo visualizada consiste em esperar. O tempo resolveria a questão.

Como a maioria de Netanyahu é mínima, seu governo pode cair a qualquer momento. O provável é que Yair Lapid, líder centrista, assumisse em seu lugar. Considerando que as relações diplomáticas com os sauditas serão vantajosas ao país, ele poderá buscar consegui-las.

Caso a monarquia continue exigindo um Estado Palestino antes de acertar com Israel, Lapid poderia fazer concessões sérias aos palestinos, contando com a confiabilidade da qual os governos de Netanyahu sempre foram carentes.

É de se duvidar que aceitasse a criação de uma Palestina totalmente independente. Seu povo e ele próprio temem a possível falta de controle de um futuro governo palestino sobre os grupos terroristas. A opinião geral é que seria necessária uma vigilância estreita em certas regiões onde se estabeleceria o exército de Israel.
Nem isso o premiê e seus seguidores desejam.

O projeto deles aproxima-se muito do defendido pelos extremistas. No entanto, enquanto o líder sionista quer a judaização da Cisjordânia de forma aceita pela comunidade internacional, os ultradireitistas visam o mesmo fim, sem, porém, dar a mínima a condenações do exterior a seus métodos normalmente brutais.

Seja o que acontecer, os palestinos “não vão aproveitar” a normalização entre as duas potências como algo mais do que desilusões.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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