Correio da Cidadania

Sucessão de lances decisivos na Guerra da Ucrânia

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Volodymyr Zelensky's biography — Official web site of the President of  Ukraine
A violação da soberania da Ucrânia foi o principal motivo da condenação da Rússia pelos EUA. Trata-se, sem dúvida, de um princípio fundamental para nossa sociedade, é inaceitável um país invadir outro, sem motivo justo, e ainda tomar partes do território alheio. Aceitando esse crime de guerra, estaríamos sob a lei das selvas, onde um leão pode almoçar uma ovelha, sem problemas jurídicos ou morais.

Mas Biden não é devotado à causa da soberania. Se fosse, ele teria, pelo menos, denunciado o roubo por Israel do território sírio do Golã, usando a força das armas, e o transformado numa região integrante da nação sionista.

Sem falar no caso da Cisjordânia, que foi invadida há 56 anos e vem sendo ocupada militarmente e colonizada pelo governo de Telavive, cujos líderes juram que jamais permitirão um Estado dos palestinos na Cisjordânia, tomada ao povo árabe que as habitava.

Existem algumas outras teorias que indicam porque os norte-americanos vêm dando o apoio militar e político que garante a luta dos ucranianos contra os invasores russos.

Talvez, o objetivo estadunidense na guerra da Ucrânia é eliminar a qualificação da Rússia como grande potência, e Putin, como grande inimigo. Não que Biden não tenha se indignado contra a criminosa ação da Putin. No entanto, ele e seus seguidores europeus formaram uma formidável força militar com as mais poderosas e modernas armas do Ocidente, acrescentando tremendas sanções (jamais vistas, conforme Biden), com o fim de destruir a Rússia de Putin e tornar o urso das estepes um dócil e fofo gatinho, incapaz até de morder os países vizinhos.

O próprio Biden deixou isso claro em Varsóvia, quando bradou de forma retumbante: “pelo amor de Deus, esse homem (Putin) não pode permanecer no poder (Washington Post, 7/4/2022)”.

Algumas semanas depois, o general Austin, secretário da Defesa dos EUA, anunciou que o novo objetivo do governo Biden na guerra da Ucrânia era enfraquecer a Rússia (The Ron Paul Institute for Peace and Prosperity, 23/5/2022).
Algum tempo depois de os russos invadirem a Ucrânia, já se desenhava uma guerra extremamente mortífera.

Era preciso impedir esta provável catástrofe. Em vários círculos, começou-se a falar em paz. Os EUA, também se pronunciavam no mesmo sentido, mas com pouca insistência.

O que mais se ouvia deles era Biden a anunciar o envio de novas e aterradoras armas à Ucrânia, como mísseis de última geração, que só faltavam falar, ameaçar Putin, denunciar barbaridades russas... Nada que cheirasse à conciliação.

No sibilar dos mísseis e espoucar dos tiros de canhões, o número de vítimas e veículos de guerra destruídos (incluindo tanques) já era assustador nos primeiros meses do conflito.

A euforia do início

Autoridades da Ucrânia e da Rússia entraram em contato para discutir um possível cessar-fogo. Em 9 de abril, em visita inesperada a Kiev, Boris Johnson, primeiro-ministro do Reino Unido e fiel liderado de Biden informou a Zelensky que o Reino Unido estava numa guerra de longa duração e não participaria de qualquer acordo com o Kremlin pois o “Ocidente coletivamente” via chances de forçar a Rússia a ceder, estando determinado a fazer o máximo por isso” (Ukraine Pravda, 6/5/2022)”.

O site norte-americano Politico informou, (em 24/4/2022), que o acordo que se esboçava falhara devido à pressão exercida pelo Ocidente, através de Boris na sua viagem a Kiev.

A Ucrânia saiu perdendo pois, diante do fracasso do diálogo, os russos passaram a exigir o reconhecimento das áreas anexadas do Donbass e dos oblats de Kherson e Zaporizhia como território russo. Fatos que não constavam das primeiras condições de Moscou.

Enquanto isso a guerra continuou com os russos tomando boa parte do norte e do leste da Ucrânia. No centro, tropas de Moscou também progrediram conquistando os oblats (estados) de Zaporizhia e de Kherson, inclusive a capital deste último. Putin, que já ocupava partes do norte e leste do país, não conseguiu tomar Kiev e resolveu recuar, derrotado.

Empolgados, os ucranianos, constantemente turbinados por armas ocidentais, passaram para a ofensiva, recuperaram as partes do nordeste e do leste que haviam perdido e a cidade de Kherson.

Euforia geral nos EUA e na Europa. Sem perder a oportunidade, Zelensky anunciou para breve uma contraofensiva que jogaria os russos para o outro lado da fronteira.

Seria necessário, porém, que os aliados suprissem as carências do exército ucraniano. E que mandassem o que tinham de melhor, especialmente em sistemas antimísseis, munições, aviões, tanques de guerra e lançadores de mísseis, pois recuperar toda a Ucrânia ocupada por Moscou (cerca de 20% do território) seria um avanço extraordinário.

Animados, os norte-americanos e europeus dispuseram-se a atendê-lo. Somente a voz autorizada do general Milley, comandante das forças armadas de Washington, ponderou que a luta ainda não fora vencida, pois o inimigo continuava poderoso. Como os ucranianos haviam conquistado uma posição vantajosa, haveria chances de conseguir que os russos, abatidos pelas derrotas, aceitassem um cessar-fogo do agrado de Kiev e seus aliados.

Não foi ouvido. Biden achava que, pelo contrário, era o momentum de Kiev. “Vamos aproveitar o recuo russo para seguir atacando e dizimando suas forças até obrigar as que sobrarem a sair da Ucrânia e Putin ter de aceitar um acordo de paz, ditado por Kiev e Washington”. Previa-se ainda pesadas indenizações de guerra, que deixariam a Rússia à beira da miséria.

O fracasso da contraofensiva

Decepção, a contraofensiva começou muito mal. Progredia numa exasperante lentidão. Em quatro meses de ataques, os ucranianos avançaram muito pouco, conquistaram áreas insignificantes, no centro e no sudeste, enquanto os russos lançavam ataques pontuais, contra alvos também limitados.

Depois de nove meses de duros combates, a Ucrânia ganhou apenas 230 km² e os russos, um pouco mais, 340 km². Na conquista dessas áreas, cada exército sacrificou dezenas de milhares de militares, sendo que os feridos passaram de 200 mil.

Calcula-se que, nos nove primeiros meses da guerra, havia em média 20 mil soldados mortos ou feridos e nos três primeiros meses da contraofensiva já eram 33 mil.

Segundo o Times, a Ucrânia perdeu 20% de todos os armamentos usados nas primeiras duas semanas da contraofensiva. Apesar dos altos custos humanos e materiais, a Ucrânia em fins de setembro achava-se muito longe de alcançar seus objetivos.

Logo, os aliados culparam-se mutuamente pelos maus resultados. Para os oficiais norte-americanos, o controle operacional das tropas locais fora deficiente. Já o comandante em chefe do exército ucraniano, Valeriy Zaluzhny, culpou as nações aliadas, pois a ajuda militar internacional, além de insuficiente, chegara tarde.

De fato, os avançados caças F-16 só estão entrando em ação agora (setembro); 31 tanques pesados Abraham, os mais possantes do mundo, acabaram de ser desembarcados em Kiev. Zelensky reclamou que eram muito poucos, seu exército precisaria de um número bem maior.

Começa o outono, a estação de chuvas no país. Chuvas que continuam no inverno e esses pesadíssimos tanques terão dificuldades em se movimentar nos terrenos lamacentos do país.

Biden anunciou a Zelensky que os esperados mísseis ATACMS breve estarão a caminho de Kiev. Com 300km de alcance, são capazes de atingir regiões no interior da Rússia. O presidente norte-americano garantiu que só poderão ser usados no território da Ucrânia, para não provocar o governo de Moscou. Zelensky confirmou, mas, em caso de necessidade...

Oficiais russos negam que os celebrados ATACMS, embora de eficiência superior, sejam decisivos na guerra. Antes da contraofensiva, o exército de Kiev já contava com alguns dos mais modernos blindados - de diferentes tipos e capacidades - com avançados mísseis de curto, médio e longo alcance, sistemas de defesa antimísseis, poderosos tanques de guerra e uma verdadeira frota de drones armados.

Além de contar com os serviços prestados pelas inteligências dos EUA e do Reino Unido, pelas informações dos satélites norte-americanos e pelo treinamento de dezenas de milhares de soldados, inclusive no manejo das armas mais sofisticadas de Tio Sam.

Com a adição das novas estrelas dos armamentos, o exército de Zelensky elevará seu nível de potência. Os EUA já enviaram mais de 100 bilhões para o exército de Kiev sendo que Biden reafirmou várias vezes que continuaria rearmando a Ucrania até o fim da guerra.

Entre seus aliados, quase todos os países da Europa, que se esforçaram ao máximo para também enviar armamentos, pelo menos alguns continuarão fazendo o possível. Os ataques das forças ocidentais contra as linhas de defesa russa têm transformado em sucata um número imenso de tanques de guerra, blindados diversos, carros armados e sistemas de defesa antimísseis das duas partes. Com imensas perdas humanas e materiais, torna-se urgente repor o perdido.

Para Putin, o problema é menos grave. A indústria de armas russas continua trabalhando 24 horas por dia, o que lhe permite manter a máquina de guerra de Moscou sempre na melhor forma.

Putin prepara-se para uma nova etapa em 2024, com um considerável aumento no orçamento de defesa. Prevê gastar 111,15 bilhões de dólares (The Libertarian, 28/9/2023), 68% mais do que em 2023.

A reposição de homens é garantida pelo contingente de 200 mil soldados treinados, estacionados no Donbass e nas regiões russas vizinhas. Recentemente, Putin disse que não fará mais convocações para a guerra, pois os soldados existentes já são suficientes.

Na Ucrânia a situação é oposta, o exército precisa de mais soldados. Essa diferença é normal. Afinal, a Rússia tem um número de habitantes três vezes maior; existem 140 milhões de russos, contra 40 milhões de ucranianos. Os russos aptos para lutar na guerra sempre serão muito mais numerosos do que os ucranianos.

O recrutamento de cidadãos desse país não está indo nada bem. Em 23 de setembro, a mídia ucraniana citou fatos alarmantes relatados pelo Tenente-coronel Vitaly Berezhny, chefe do recrutamento na regão de Poltava.

Disse ele que, entre os 100 indivíduos alistados no exército no último outono, apenas de 10 a 20 deles continua servindo, os demais morreram, foram feridos ou tornaram-se incapacitados.

As autoridades locais estão enfrentando significativas dificuldades nos seus esforços, tendo apenas conseguido recrutar 13% do estimado no seu plano de mobilização.

A corrupção corre solta entre as autoridades da Defesa, o ministro Oleg Resnikov, foi despedido pelo presidente ucraniano, por má condução de contratos militares.
Três semanas depois, mais seis vice-ministros da Defesa foram atingidos pela mesma punição.

Em agosto, por atividades ilegais e enriquecimento ilegal, o presidente pôs na rua todos os 24 chefes regionais de recrutamento militar.

O refluxo

Estas más notícias foram publicadas em setembro, justamente quando Zelensky chegara aos EUA para fazer lobby pela aprovação de 24 bilhões de dólares fora do orçamento, apresentados por Biden para complementação do financiamento da guerra.

O líder ucraniano encontrara nos EUA um clima muito diferente do existente há um ano, quando fizera sua anterior visita a Washigton, quando fora recebido triunfalmente, com aplauso de todos, desde os políticos e veículos de imprensa até o povo. Discursara no Congresso e na ONU, sob entusiasmados aplausos, fora objeto de entrevistas na TV, assistidas por milhões de expectadores emocionados, tudo foram flores e manifestações vibrantes.

Agora, a recepção a Zelensky foi seca e pouco amigável. Mesmo indignado pelo surto de aumentos de preços, pela decepção da contraofensiva fracassada, perpetuando a sangria de dólares para fornecer mais armas a Kiev, às custas de cortes nas verbas da Saúde e da Educação, a América continuava a favor da Ucrânia.

Mas este apoio já se desvanece: em pesquisa da CNN, em agosto, a maioria do povo , 55%, achava que o esforço militar norte-americano já era suficiente para a Ucrânia. Os dólares deveriam parar de fluir para interesses estrangeiros e concentrar-se no enfrentamento dos problemas do país de Marilyn Monroe.

No Congresso, antes 99% fechado com Zelensky, crescia uma oposição ao envio de armas e o líder ucraniano não teve a tribuna oficial para apelar aos deputados por mais dinheiro e armas.

Só lhe foi permitido confabular privadamente com líderes das correntes amigas.
No Senado, o influente republicano Randy Paul prometeu “fazer de tudo em seu poder para bloquear qualquer lei que inclua financiamentos para a Ucrânia (Responsible Statecraft , 28/9/2023)”.

Na Casa dos Representantes, o deputado republicano Eli Crane postou um vídeo dizendo que a nação estava “cansada de financiar guerras que nunca acabavam”. Mas o pior aconteceu.

O Congresso tinha até 30 de setembro para aprovar o novo orçamento, pré-aceito pelos líderes dos dois grandes partidos (ambos favoráveis a mais gastos na guerra da Ucrânia), que continha o acréscimo de 6 bilhões de dólares. Havia também a ser votado 24 bilhões solicitados por Biden para suplementar os gastos necessários a Kiev.

Em caso de derrota, a União não teria licença de pagar os salários dos seus 3 milhões e quinhentos mil funcionários civis e militares. Serviços essenciais seriam interrompidos.

A América ficaria paralisada até que um novo orçamento fosse aprovado. No dia da votação, intensos protestos ressoaram pelo plenário. Receosos de perder, os dois grupos concordaram no último dia em aprovar um orçamento temporário, vigente até 17 de novembro, sem os 6 bilhões previstos atualmente, nem os 24 bilhões que Biden pedira.

Até esse prazo, o país poderia continuar funcionando normalmente. A aposta é que a nova proposta comtemplaria os interesses dos ucranianos, talvez com alguns cortes, pois quase todos democratas e a maioria dos republicanos, ou estavam com o governo ou temiam perder a votação e lançar o país no caos.

Aliados voltam a cuidar da própria vida

Seja como for, a unidade monolítica em prol de armar a Ucrânia enquanto necessária começou a exibir fraturas.

Acompanhando com preocupação os eventos nos EUA, A União Europeia fez questão de afirmar claramente que seu compromisso com a defesa da Ucrânia mantinha-se de pé.

Mas os fatos começam a pintar de modo nada animador. A Polônia, embora mantenha seu apoio à Ucrânia, informou que não enviará mais armas a Kiev, além de taxar a importação de cereais ucranianos que, por serem mais baratos, estavam prejudicando os fazendeiros locais.

A partir de agora, o governo de Varsóvia promete investir na Defesa do país a quantia que vinha investindo na guerra da Ucrânia.

A Eslováquia deve parar de enviar armas e dinheiro à Ucrânia pois o partido contrário aos EUA e aliados acaba de vencer as eleições parlamentares e seu líder, Robert Fico, deve formar o novo governo.

Na campanha eleitoral, Fico defendeu o afastamento do Ocidente a aproximação à Rússia, ele é admirador de Putin.

Polônia, Eslováquia e Hungria de Orban, a qual sempre contestou o armamento ocidental da Ucrânia e as sanções contra a Rússia, não pesam muito no apoio europeu a Zelensky.

Mas podem inspirar outros países da região, que vêm sofrendo principalmente com a perda da importação do gás e do petróleo russos, cujos preços eram muito inferiores aos atuais.

Dependente desses produtos, a indústria alemã, por exemplo - a mais poderosa da Europa -, acha-se em decadência.

Tudo indica que está se formando uma corrente que poderá arrastar consigo o governo Zelensky e obrigá-lo a aceitar um cessar-fogo ou um tratado de paz, mesmo que desvantajoso.

Sua esperança é a promessa de Biden de defender a Ucrânia até o fim da guerra. Resta saber se esta perspectiva será bem-vista pela maioria dos eleitores dos EUA, daqui há 13 meses, no pleito presidencial.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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