Correio da Cidadania

Guerra de mentiras

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Israel diz que moradores do norte de Gaza devem deixar região imediatamente  - Rede Brasil Atual
Como em todas as guerras, na guerra Israel-palestinos as duas partes lutam para conquistar as opiniões, com mensagens que colocam o adversário no inferno, enquanto a outra parte mora no céu, zelando pelo bem-estar dos homens de boa vontade.

Nesta batalha para ganhar os corações e mentes dos povos vale tudo. Se as acusações são reais, ótimo, se forem mentirosas, tanto melhor, porque a mente das pessoas não tem limites e os criadores das mensagens de propaganda podem inventar as mais tenebrosas e inauditas imputações, que tem grandes chances de serem acreditadas.

Por isso, no século 6 AC, o dramaturgo grego Ésquilo doutrinou: “Numa guerra, a primeira vítima é a verdade”. Coisa que ele constatou, ao participar da guerra entre os Estados gregos e o Império Persa.

E você concordará com ele, observando o conflito Israel versus palestinos, onde o objetivo do governo sionista é convencer seu povo e o resto do mundo que o Hamas e os palestinos são uma espécie selvagem, capaz de atos atrozes e insanos. Em suma, animais ferozes em forma de seres humanos. Enquanto isso, os líderes do grupo afirmam que selvagem é Israel, eles respeitam os direitos humanos e as leis da guerra sempre.

A demonização de todo um povo

Embora oficialmente o inimigo de Israel seja o Hamas, o modo com que os civis palestinos são tratados pelo exército e pelos comentários de líderes e cidadãos comuns não deixa dúvidas de que estão longe de serem vistos com simpatia.

O atentado de 7 de outubro deixou a população israelense furiosa, não só contra os terroristas, mas também contra o primeiro-ministro Netanyahu, responsabilizado pelo fracasso do sistema de segurança de Israel.

Era preciso uma vingança de violência absolutamente fora do comum, que não se contentaria com menos do que destruir o Hamas totalmente e arrasar Gaza, não deixando pedra sobre pedra.

Foi o que o primeiro-ministro prometeu. Bombardeios avassaladores estão reduzindo Gaza a escombros e dizimando o povo palestino.

A princípio a opinião pública internacional condenou maciçamente a ação do Hamas, solidarizando-se com Israel e seu governo.

Mas com as tempestades de mísseis devastando Gaza diariamente e a morte em massa de palestinos inocentes, especialmente de crianças, em número nunca visto em qualquer outra conflagração internacional, a opinião pública mundial mudou.

Manifestações pró-palestinos e anti-Israel se espalharam pela Europa e os EUA, em número cada vez maior. Mesmo governos amigos do regime sionista condenaram o massacre.

A ideia de um cessar-fogo imediato passou a ser a exigência adotada pela maioria das nações. No Conselho de Segurança da ONU, uma recomendação nesse sentido obteve 15 votos contra 1, tendo sido rejeitada pelo veto dos EUA. Depois de semanas de discussões, o conselho aprovou um texto aguado para poder receber o nihil obstat norte-americano.

Biden continua defendendo Israel, fazendo juras de amizade eterna e negando-se a aceitar qualquer posição rejeitada pelo muito, muito amigo Netanyahu.

Mas a oposição cresce no país, inclusive entre os congressistas progressistas do Partido Democrático, o partido de Biden.

Sob essa pressão, ele muda parcialmente seu discurso. Agora também lança apelos humanitários, pede que Israel suavize sua agressão, tome medidas para acabar com o morticínio de civis palestinos. Faz até uma crítica dos bombardeios indiscriminados israelenses.

Por enquanto, a mudança permanece nas palavras. Na prática ele nada faz para pressionar Netanyahu a moderar sua brutalidade contra os palestinos. Até quando essa duplicidade será mantida?

Desde o atentado, a propaganda israelense está em ação, tentando convencer os públicos interno e externo de que o Hamas e os palestinos de um modo geral são verdadeiros animais humanos – como disse o presidente Herzog – bárbaros, de uma crueldade inimaginável. Perto deles, os fanáticos do Estado Islâmico não passariam de trombadinhas. Em suma, representam uma terrível ameaça, não só a Israel, mas a toda a humanidade.

Seria necessário e justo que Israel adotasse meios violentos para esmagar esta raça demoníaca. Tanto para reduzir a ira do seu povo contra sua ineficiência quanto para defender-se da inevitável indignação da comunidade internacional ante os avassaladores bombardeios de Gaza, o governo Netanyahu montou uma enorme e sofisticada máquina de propaganda.

Ela é realizada por profissionais experientes e divulgada por todos os veículos de comunicação de Israel, com exceção do Haaretz que, salvo umas poucas derrapadas, é um jornal independente e corajoso.

As mensagens da propaganda de Israel são também verbalizadas por políticos e personalidades favoráveis, sendo convertidas em notícias pela imprensa complacente.

Mídia corporativa vira sucursal de departamento de Estado

No Brasil, onde ainda é aceita a provecta ideia de que tudo que sai na imprensa é verdade, Israel conta com a boa vontade de toda a grande mídia, quando não seu apoio irrestrito.

Evidentemente, quando uma informação é incômoda para Israel a grande mídia pode noticiá-la caso interesse a um número substancial de leitores. Ficando omissa, se arriscaria a ver um concorrente menos escrupuloso ganhar pontos nas pesquisas de imagem.

Um fato que exaltava a selvageria do Hamas foi publicado com destaque por vários jornais ingleses e estadunidenses, como The Times, Daily Express, CNN News, The New York Post e boa parte da imprensa brasileira: 40 bebês israelenses teriam sido degolados pelo Hamas. A notícia viera do site i24, de Israel. E foi repetida por muitos órgãos jornalísticos de Telaviv.

Com a voz embargada de emoção, Joe Biden também a divulgou numa reunião pública. Para reforçar a credibilidade, o presidente afirmou que ele próprio tinha visto uma foto deste horror perpetrado pelo Hamas.

Pena que era mentira.

Envergonhado, o serviço de comunicação da Casa Branca admitiu o erro, esclarecendo que Biden fora mal compreendido, dissera apenas que a fake news lhe fora contada por alguém não identificado. E assim acrescentaram outra mentira à mentira presidencial. Não ficou bem para a suprema autoridade do maior país do mundo querer enganar a opinião pública de forma tão descarada.

Por falar em mentiras, saiu na mídia social a foto de um avô enlutado carregando um bebê palestino morto. O objetivo era provocar benévola piedade em relação aos palestinos e colocar Israel no desconfortável papel de algoz.

Pressurosa, a Fox News clamou que se tratava de um embuste pois o “bebê” não passaria de uma simples boneca. The Jerusalém Post e todos os posts de mídia social associados acompanharam a denúncia.

Só que era verdade.

O fotógrafo Ali Jadallah postou no Instagram a foto original com o seguinte texto: “Eu sei o nome deste bebê, ainda assim Israel está clamando que ele é uma boneca. Não, ele não é uma boneca. Ele é um ser humano que foi morto por um ataque israelense”.

O The Jerusalém Post deletou a matéria falsa. Os outros jornais partidários de Israel imitaram esta atitude. Nem todos, porém, explicaram sua gafe, que continuou pesando contra o Hamas na mente de quem leu a notícia, mas não soube que se tratava de uma balela.

O inventor da história foi Yossi Landau, da organização Zaka, que se dedica à busca e identificação de cadáveres e, principalmente, à criação de acusações falsas ao Hamas e aos palestinos.

É desse cidadão também a autoria do seguinte conto da carochinha: imagine uma família israelense no kibutz de Be’eri, em volta da mesa do almoço, antes da passagem por lá do mortífero Hamas. O movimento terrorista chegou e olha o que eles fizeram: os olhos do pai foram arrancados diante dos seus filhos. Os seios da mãe foram cortados, os pés da filha, amputados e os dedos do filho, de 7 anos de idade, foram cortados antes dele ser executado.

Não surgiu qualquer testemunha dessa situação insólita. Nem podia haver, porque não foi encontrado no kibutz o corpo de qualquer criança entre 6 e 8 anos de idade.
Landau espalhou esta impostura largamente. E nada menos do que Blinken, o secretário de Estado de Biden, a usou para convencer o comitê do Senado de que não era possível negociar com monstros do nível do Hamas.

Não se sabe se ele acredita em Papai Noel ou considera os senadores burros, que engoliriam facilmente esta farsesca burla. A propaganda de Israel posiciona o Hamas num patamar superior ao dos rapazes da SS, em matéria de crueldade e malignidade. Juntamente com o setor de propaganda do governo, eles atribuem ao Hamas torturas, desmembramentos, decapitações, queima de pessoas, assassinatos de inocentes e estupros sistemáticos.

Por sua vez, o Hamas nega, assegurando que tais qualidades distinguem seus inimigos, os israelenses. Na verdade, entre todas as acusações ao Hamas, o que está provado é somente a ocorrência de assassinatos e estupros.

Ainda assim, os reféns militares feitos pelos terroristas, ao que se sabe, continuam vivos nas mãos dos seus captores, provando que nem todos os israelenses presos são mortos, embora muitos o sejam.

Quanto aos estupros, há testemunhas que garantem terem sido vítimas desse gravíssimo crime. No entanto, não existem provas de que se trata de uma arma de guerra empregada pelo Hamas, conforme o serviço de propaganda israelense apregoa. Várias mulheres israelenses, libertadas das mãos dos terroristas, informaram à imprensa de Israel que foram bem tratadas durante seu sequestro.

Médicos israelenses examinaram 1.100 mulheres do país que morreram no ataque de 7 de outubro e no sequestro subsequente. Segundo informou-se, 10% delas sofreram abusos sexuais; 10% seriam 110, um número chocantemente elevado, mas longe da “totalidade” denunciada pelas fontes oficiais do governo de Telavive. Não se sabe se os médicos estão falando a verdade ou exagerando, mas esse tipo de profissionais costuma ser confiável.

Os 40 bebês decapitados, os bebês encontrados em fornos, os civis israelenses torturados, mutilados, desmembrados, cortados em pedaços etc... Difícil crer que tenham existido, a não ser no cérebro virulento do pessoal do Zaka e conexos. Não há nenhuma testemunha independente ou prova concreta que sustente tais denúncias. As acusações reiteradas por Netanyahu e seus vassalos qualificados não têm credibilidade por serem eles partes no conflito. Espantosamente muitas pessoas acreditam em absurdos tão óbvios.

Ainda sobre 7 de outubro

O Haaretz, jornal liberal de Israel, e o The Grayzone, site de jornalismo investigativo, realizaram cada qual sua pesquisa de ações praticadas pelos militares envolvidos nos combates de 7 de outubro.

O relatório do Haaretz informa que, na confusão que se estabeleceu no comando militar israelense, diante do ataque absolutamente inesperado, ordens foram dadas aos soldados para priorizar a morte de palestinos, mesmo sendo obrigados a matar companheiros e civis israelenses para poder atingir terroristas localizados próximo a eles.

Obedecendo, um número aparentemente significativo de militares foi forçado a atacar domicílios e outras áreas em alguns kibutzim, ao custo de muitas vidas israelenses.

O exército só conseguiu restaurar o controle do kibutz Be’eri depois de bombardear moradias de israelenses. O preço teria sido terrível: 112 moradores do Be’eri acabaram assassinados.

Toval Escapa, membro da equipe de segurança do kibutz, contou ao Haaretz que “os comandantes no campo de batalha tiveram de tomar difíceis decisões- incluindo bombardear casas e seus moradores a fim de eliminar os terroristas que estavam junto com eles”.

Investigação do The Grayzone apurou que grande parte do bombardeio do kibutz Be’eri foi realizado pelos tripulantes de tanques de guerra. Como um repórter no site da emissora i124 observou em visita ao Be’eri, “pequenas casas foram bombardeadas e destruídas e rastros de um veículo armado, talvez um tanque, eram visíveis” (só Israel tem tanques).

Os helicópteros Apache foram fundamentais na resposta israelense. Pilotos informaram à mídia que ergueram voo sem qualquer informação da inteligência, sentiam-se incapazes de diferenciar guerreiros do Hamas de civis israelenses não combatentes. Tendo em mente as ordens superiores, na dúvida, abriam fogo contra quem viam, arriscando-se a matar compatriotas.

Yasmin Porat, uma refém israelense libertada, declarou, em entrevista à Radio de Israel, que “indiscutivelmente ”as forças especiais israelenses mataram numerosos israelenses civis. “Eles eliminaram todo mundo”, ela afirmou, “inclusive os reféns”.

The Grayzone cita depoimentos de muitos outros concidadãos de Netanyahu, revelando que os militares de Israel mataram ou feriram por engano grande número de civis israelenses e palestinos.

Há até quem assegure que a maioria das vítimas do atentado de 7 de outubro perderam a vida por obra de militares de Israel, seguindo as ordens do seu alto comando. Há wishful thinking na afirmação.

Por outro lado, é provável que a autoria dessa decisão funesta tenha sido mesmo
emanada dos principais líderes militares do regime sionista, conforme diversos testemunhos de cidadãos israelenses.

Essa ideia de matar civis inocentes, até mesmo compatriotas, para assim se liquidar inimigos de Israel parece ser uma estratégia praticada deliberadamente pelo regime sionista. Além dos fatos aqui narrados lembramos o massacre de dezenas de milhares de civis palestinos, com o objetivo de matar uns poucos membros do Hamas, situados entre eles.

Será que isso é moralmente aceito do ponto de vista dos valores da civilização norte-americana?

Biden esquece dessas coisas ao se declarar incondicionalmente ligado a Israel e enviar diariamente às forças israelenses bombas de 1 e até de 2 toneladas para transformar Gaza e seu povo em poeira.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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