Correio da Cidadania

Se os EUA não existissem, Israel teria de inventar

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PM Netanyahu Meets with US President Joe Biden | Prime Minister's Office
A amizade especial EUA-Israel já dura décadas. Os governos de Washington têm apoiado Telavive, até com armas e munições, em todas as guerras que o Estado sionista se meteu.

Os frequentes desrespeitos dos israelenses ao direito humanitário e às leis internacionais os fizeram réus de mais de 40 condenações pelo Conselho de Segurança da ONU. Que não deram em nada, graças ao veto salvador da Casa Branca. Cujos moradores foram sempre sensíveis às necessidades do bom amigo, Israel, embora alguns deles fossem dadivosos demais.

Nenhum superou Joe Biden. Donald Trump foi igualmente benemérito, mas seu sucessor não vacilou em dizer “não” às posições do resto do mundo para arrancar um sorriso feliz do voraz premiê Netanyahu (também chamado de Bibi).

É verdade que Biden, para não ser renegado por suas ovelhas europeias, teve, às vezes, de propor coisas indigestas aos israelenses. Porém, no que realmente contava, o presidente democrata foi bem claro: sou Israel e não abro.

Os brutais erros de Biden

Nessa amizade declarada incondicional por Biden, Netanyahu não foi tão efusivo quanto o estadunidense. Na guerra de Gaza, o presidente dos EUA sacrificou seus interesses pelos do colega de Telavive.

Depois do atentado de 7 de outubro, todos os países, especialmente os europeus, solidarizaram-se com Israel, revoltados com os atos brutais dos milicianos do Hamas contra pacíficos cidadãos israelenses.

Mas, conforme o prometido por seus líderes, veio a vingança israelense. Monstruosa, massacrando vasto número de civis inocentes, especialmente crianças. Impedindo todos os habitantes de Gaza de se alimentar, beber água, receber socorros médicos adequados.
Passadas algumas semanas, diante dos devastadores ataques israelenses, que matavam até 200 civis palestinos por dia, e dos efeitos da proibição da entrada de água e alimentos em Gaza, os países europeus foram caindo em si. Manifestações de protestos com multidões, a maioria de jovens, pipocaram em toda a parte.

Biden continuou ao lado de seu colega israelense, proclamando o direito de Israel se defender, mesmo violando os direitos humanos. Causa que acabou chocando todo o mundo e poluindo a boa imagem dos EUA, que havia sido recuperada pela liderança de Washington nos países do Ocidente na Guerra da Ucrânia.

Já na guerra de Gaza, Biden excedeu-se. Enquanto em toda parte, pedia-se um corredor humanitário para permitir a entrada de alimentos, medicamentos, combustível e água, Biden assumiu um triste papel: garoto-propaganda do governo sionista, denunciando ações, em geral falsas, que teriam sido praticadas pelo Hamas.

Por onde quer que fosse, o morador da Casa Branca acusava os terroristas das mais horríveis ações, como “animais humanos” que seriam (conforme Herzog, o presidente de Israel), na prática de torturas, estupros sistemáticos, desmembramentos, bebês assados em fornos, corpos retalhados, assassinatos, bebês decapitados etc.

Suas fontes eram jornalistas e políticos ligados ao Likud (partido do governo), militares, assessores da propaganda sionista e o próprio Netanyahu.

Por certo, não eram fontes das mais confiáveis. Quando Bibi contou a Biden que 40 bebês teriam sido degolados pelo Hamas, o sucessor de Trump deveria sacar que se tratava de patranhas.

Primeiro, porque nem Gengis Khan, Hulagu, Atila, ou outro dos mais sanguinários degoladores históricos jamais praticaram esse ato tão horroroso.

Segundo, porque a origem da história estava eivada de parcialidades. Mas Biden, nem se incomodou em mandar a CIA verificar se fora verdade.

Terceiro porque os terroristas podiam ser violentos, mas não eram burros. Não é de se crer que sequer pensassem em fazer algo que os tornariam superexecrados urbi et orbi.

A obsessão em agradar o líder sionista levou o presidente dos EUA a proferir uma mentira que o cobriria de ridículo (ele ainda garantiu que vira a foto). O próprio serviço de informação da Casa Branca apressou-se e desmentiu, preocupado em evitar que Biden saísse por aí manchando a sua imagem inapelavelmente.

De todas estas barbaridades, apenas os sequestros e os assassinatos (infelizmente, comuns nas guerras) foram provados.

Mesmo assim, há depoimentos afirmando que muitos dos assassinatos devem ser creditados aos chefes do exército. No pânico gerado pelo ataque de 7 de outubro, eles teriam ordenado que os soldados israelenses priorizassem matar terroristas, mesmo arriscando a vida de civis.

Por isso, boa parte dos corpos considerados palestinos seriam, na verdade, de civis israelenses. Yasmin Porat, uma refém israelense libertada, declarou, em entrevista à Radio de Israel, que “indiscutivelmente ”as forças mataram todo mundo”, inclusive os reféns”.

Mais uma vez o presidente dos EUA voltou-se contra direitos humanos, ao vetar uma proposta do Conselho de Segurança da ONU, recomendando abrir um corredor humanitário em Gaza para levar alimentos, água e cuidados médicos ao povo, que lhes fora proibido por Israel.

Vários países da Europa, aliados fiéis dos EUA, ficaram chocados com a parcialidade do presidente Biden, que colocou seu país contra o direito à vida de milhões de palestinos, a maioria literalmente morrendo de fome, sede e doenças facilmente evitáveis.

Como desculpa, a representante do governo norte-americano alegou que vetou a proposta por não mencionar a “ação terrorista do Hamas”... Os outros integrantes dos países do Conselho, tiveram de passar dias seguidos buscando uma nova redação, sem palavras que desagradassem Israel. Na votação final, os EUA perderam por 15 x 1, mas ganharam graças ao poder de veto.

Por fim, aprovou-se mais uma nova versão totalmente inócua. E os aliados europeus perceberam que a amizade norte-americana era condicionada pelos interesses israelenses, ainda que injustos e ilegais.

As ruas deram o recado

Enquanto isso acontecia no majestoso prédio da ONU, nas ruas da Europa e dos EUA o povo protestava contra a o assassinato de todo um povo por Israel, secundado pelos EUA. Cada vez mais pessoas pressionavam seus governos a terem vergonha na cara e forçarem um cessar fogo.

E esses sapientes líderes começaram a abrir os olhos e a ver que tinham embarcado numa canoa furada.

Acabaram também A lamentar os injustos sacríficos impostos por Israel aos palestinos, exigindo que se levasse mais suprimentos a Gaza e se abrisse corredores humanitários mais demorados. E até mesmo alguns falaram na expressão proibida pelo país de Jefferson e Washington: o cessar-fogo.

Enquanto isso, Biden e seu escudeiro Blinken também caíram em si. Uma onda pró-palestinos se formara e malquistava seu governo com os progressistas do Partido Democrático.

Nos EUA, surgiam em todo o país cartas abertas, manifestos e protestos de personalidades ilustres, associações, sindicatos e uniões estudantis e acadêmicos, exigindo o cessar fogo e criticando a brutalidade da ofensiva de Israel.

Pesquisas da Morning Consult em dezembro de 2023 revelavam que 59% dos estadunidenses eram favoráveis ao cessar fogo. Em apenas um mês, esse número aumentou 8% em relação aos 51% de novembro.

Sentindo que a opinião pública estava se virando contra sua política na Palestina, Biden passou a condenar os bombardeios israelenses e chegou a taxa-los de “indiscriminados”.

Fez constar que ele e Blinken pediram muitas vezes a Bibi que fizesse de tudo para reduzir ao máximo as perdas humanas palestinas. Como não diminuiu significativamente o total das vítimas das bombas israelense-americanas, concluímos que Netanyahu não atendeu aos apelos do seu grande amigo.

Não teria lógica, o recente boicote total de Gaza foi lançado pelo regime sionista para massacrar os palestinos, não para salvar suas vidas. Como explicou Gallant, o ministro da Defesa de Israel: “estamos lutando contra animais humanos e os tratamos como tal”.

Por isso mesmo, as autoridades israelenses têm buscado atrasar e dificultar ao máximo a entrada em Gaza dos caminhões carregados de suprimentos. As bombas continuam a cair em massa até mesmo nos locais aonde Israel manda os palestinos se abrigarem por serem, no seu dizer, safe places (lugares seguros).

Enquanto isso, Biden, que agora deplora os sofrimentos palestinos, fornece diariamente bombas e outras munições a Israel e recentemente fez aprovar a remessa de US$ 14,6 bilhões em armas ao regime sionista que, aliás, recebe anualmente US$ 3,8 bilhões em equipamentos militares das mãos pródigas de Tio Sam.

É vergonhoso Biden defender os direitos humanos dos palestinos, enquanto envia bombas de 100 e 200 toneladas para Israel continuar matando em massa cidadãos de Gaza, dos quais raríssimos eram ligados ao Hamas.

Com o Hamas ainda lançando foguetes do norte da cidade de Gaza, apesar do exército israelense garantir que a região estava totalmente pacificada, iniciou-se uma discussão sobre o futuro de Gaza.

A princípio Bibi disse que seu governo não tinha nada em vista. Era mentira. De acordo com o projeto sionista de limpar Gaza de praticamente todos os seus habitantes palestinos, Israel já havia proposto ao Egito que fossem alocados no deserto do Sinai.

Mas o governo do general Sisi não quis conversa. O premiê já havia apresentado sua proposta na União Europeia. A recusa de Sisi a tornou nula.

Em 1 de janeiro, Netanyahu informou em reunião do Likud que já estava atuando para viabilizar a migração dos palestinos para outro país. Ele e seus acólitos buscavam encontrar um país que topasse aceitar essa entrada em massa de palestinos.

Blinken protestou: “Os EUA acreditam que os elementos-chave (da paz) não poderiam incluir o deslocamento forçado dos palestinos de Gaza”. Bem, Netanyahu não deve ter gostado desse arroubo, para ele, fora da casinha.

Danos políticos irreversíveis

A fim de superar essa diferença de posições, Biden e Bibi realizaram uma reunião secreta. Biden voltou animadíssimo, ressaltando a importância da tradicional solução dos dois estados independentes, sendo que Gaza seria parte do Estado palestino a ser criado em consequência.

Pelo jeito, parecia que os dois líderes tinham ajustado seus relógios. Engano. Mal se passou um dia e Bibi já estava proclamando que os palestinos não teriam seu Estado pois Gaza ficaria sob controle de segurança do exército de Israel, por prazo indefinido.
Biden ficou pasmo, claramente surpreendido pelo diktat do premiê israelense.

Terá de continuar a lutar pela solução dos dois Estados, que a Europa comprou e agora promete somar-se ao presidente norte-americano. Considerando que até hoje Biden não tomou uma única atitude em defesa da criação de um Estado palestino ao lado de Israel, não é de se crer que será agora que irá encarar a posição contrária de Bibi. Biden já se acostumou a fazer dos EUA os problemas de Israel.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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