Correio da Cidadania

É genocídio

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Em agosto de 1982, Ronald Reagan, presidente dos EUA, ficou horrorizado com os bombardeios israelenses da cidade de Beirute, na Guerra do Líbano. Mais de 100 civis foram mortos num carpet bombing que durou 11 horas seguidas.

Falando ao telefone com Menachem Begin, primeiro-ministro de Israel, Reagan exigiu que o bombardeio cessasse pois, “isto é um holocausto, Menachen!”. Com esta frase, teria desrespeitado o Holocausto, banalizando-o, exatamente como Lula fez e recebeu furiosas exprobrações do governo de Israel.

Quanto a Reagan, ninguém tugiu, nem mugiu. Begin não declarou Reagan persona non grata em Israel. Nem clamou que o presidente dos EUA estava a banalizar o holocausto, ou exigiu que ele se retratasse. Nem mesmo declarou que milhões de judeus espalhados pelo mundo sentiam-se gravemente ofendidos.

Depois de rosnar alguns sarcasmos negativos, afinal Begin era linha dura, ele desligou o telefone e deu algumas ordens. E em apenas 20 minutos, ligou de volta a Reagan, dizendo que os aviões já estavam em terra.

Na verdade, tanto Reagan quanto Lula compararam o Holocausto com matanças efetuadas por Israel que vitimizaram inocentes civis.

No entanto, enquanto Reagan defendia e subsidiava as aventuras bélicas do Estado de Israel (não incondicionalmente, isso só Biden faz), o brasileiro sempre foi solidário ao povo palestino, sofrendo sob os auspícios do “grande, grande amigo” dos EUA.

Como se viu, a população mundial judaica não ligara para as comparações de Reagan, porém, conforme a dupla Netanyahu-Katz (ora, ministro do Exterior), ficou profundamente magoada quando Lula fez o mesmo.

Bom, ao que consta, os dois sionistas não se basearam em nenhum estudo ou pesquisa. Para que? A palavra de Israel vale por mil provas... E os vetos norte-americanos estão aí para garantir.

Profanação da memória

Não é de se crer que Netanyahu e Katz tenham credenciais para falar em nome dos milhões de judeus da Terra. Netanyahu lidera o governo mais direitista da história de Israel, com dois ministérios importantes nas mãos dos notórios fascistas Ben Gvir e Bezalu Smotrich. Há já alguns anos, está sendo julgado por quebra de confiança, suborno e fraude, com boas chances de vir a ter de usar uma roupa listrada. É autor da frase muito pouco amável: “vamos transformar Gaza numa ilha deserta”.

Katz já ocupou 5 ministérios diferentes. Como Netanyahu, ele defende a anexação da Cisjordânia e não aceita um Estado Palestino. Esse inóspito ministro costuma ofender nações que desagradam Israel. Chamou os belgas de comedores de chocolate, acusando-os de não saberem combater terroristas. E fez pior: zurrou que ”os poloneses sugam antissemitismo dos seios de suas mães”.

Na verdade, Netanyahu e seu acólito estão pouco se lixando que Lula compare sua “operação militar” com o Holocausto. O que o alarido da dupla sionista visa é tirar o foco da incômoda questão do genocídio palestino, que ganha mais adeptos depois da decisão do Tribunal Penal Internacional, e passam a insistir na comparação com o Holocausto para por Lula e companheiros na defensiva.

Aqui no Brasil, até que muitos foram na lábia sionista. Comentaristas negaram sem mais palavras que Israel esteja cometendo genocídio. Preferiram se estender sobre “mais uma fala absurda de Lula”. Possivelmente não entenderam o conceito de genocídio.

Vamos tentar esclarecê-los:

Artigo 2 da Convenção de Genocídio. Genocídio significa qualquer um dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, em todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso: matando membros do grupo: causando-lhes graves danos físicos ou mentais; infringindo deliberadamente condições de vida visando provocar a destruição do grupo; impondo medidas com o objetivo de evitar nascimentos; ou transferindo à força crianças para outro grupo.

A aplicação deste conceito à realidade de Gaza vai definir se estamos ou não diante de um genocídio promovido por Israel. Ninguém pode negar que, graças aos sucessivos e brutais bombardeios israelenses Gaza deixou de existir como comunidade organizada.

Mais de 85% dos habitantes tiveram suas casas destruídas, transformadas em ruínas ou montes de escombros. Toda a infraestrutura urbana de Gaza teve o mesmo destino.
Até 2 de março, morreram mais de 30 mil palestinos, sendo que 70% eram mulheres e crianças. Lloyd Austin, o próprio secretário de Defesa dos EUA, revelou recentemente que o total de mulheres e crianças, assassinadas pelas bombas e pelo corte de alimentos, atendimento médico e água limpa, chegou a 25 mil pessoas. Embora o Pentágono tenha desmentido Austin, alegando que não há como calcular esse apavorante número, a dúvida persiste.

Dados que falam por si

Atacados por mísseis e bombas, e invadidos por soldados israelenses, praticamente todos os hospitais e centros de saúde foram devastados sistematicamente, liquidando o sistema de saúde de Gaza. Dos seus 35 hospitais, 23 não funcionam, 12 estão parcialmente fechados e apenas 1 atende, porém precariamente (BBC,18/2/2024).

A saúde da população, gravemente afetada pelo corte de alimentos, água e cuidados médicos, foi duramente ameaçada. Teme-se que, daqui há poucas semanas, a fome generalizada aumente pavorosamente a soma de mortos, em especial de crianças, mais sensíveis aos efeitos da falta de comida.

Pelo menos 90% das crianças com menos de cinco anos sofrem uma ou mais doenças infecciosas. Em cada 6 crianças, uma está à beira de morrer de fome. Nos últimos meses, Israel concedeu a entrada de caminhões com suprimentos essenciais à vida. Mas somente entre 50 e 98 deles efetivamente chegam ao interior de Gaza, quando 500 seriam necessários.

E ainda assim, Israel cria toda a sorte de proibições e exigências burocráticas para retardar as entregas aos cidadãos, enlouquecidos pela angustiante espera. E ainda há casos de forças israelenses atirarem contra os caminhões, inutilizando os alimentos transportados e mesmo ferindo os trabalhadores encarregados da distribuição dos suprimentos.

Esses números fatos expressam com fidelidade uma catástrofe humana, a pior deste e dos últimos séculos. Israel não contesta essa barbárie para negar que esteja praticando genocídio contra os palestinos. Seu principal argumento para desacreditar a tese da acusação é construído a partir da análise de um trecho da definição estabelecida pelo art.2, da Convenção do Genocídio, que o considera existente... Nos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, em todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso: matando membros do grupo: causando-lhes graves danos físicos ou mentais; infringindo deliberadamente condições de vida, visando provocar a destruição do grupo.

Ora, mesmo cometendo todas as barbaridades aqui listadas, Israel afirma que não cometeu genocídio pois não teria tido intenção de atingir os palestinos, mas sim os grupos terroristas do Hamas, que, escondidos em prédios públicos ou privados, atacariam as forças do regime sionista usando os civis como escudos.
Muita gente fecha com essa defesa, mas deveria abrir os olhos para as considerações que se seguem.

Em primeiro lugar, não foi para atacar o Hamas que o regime sionista proibiu a entrada em Gaza de alimentos, água, combustíveis e medicamentos. Os milicianos do Hamas dispõem de alimentação, embora escassa no interior dos 70km de túneis que cavaram na região. Numa cidade sitiada, os guerreiros sempre têm precedência, desde a Antiguidade Clássica. Claro, se os deixassem passando fome não iriam ter forças para defender a região dos inimigos.

Portanto, é óbvio que o boicote israelense tem por alvo os civis palestinos. E foi bem sucedido, destruindo boa parte do grupo nacional, étnico e racial palestino (30 mil mortos até 2 de março, além de mais de 7 mil desaparecidos, provavelmente soterrados) deixando-os sem teto, alvos dos bombardeios, tangenciando a fome mais cruel, enquanto perambulam pelas ruas coalhadas de destroços de Gaza, na busca incessante de água, alimentos e remédios para si e sua família.

Em segundo lugar, temos o atraso deliberado e até ataques mortais contra os caminhões que trazem uma pequena parte dos suprimentos necessitados pelo povo (chegam no máximo 98 caminhões por dia, quando eram precisos 500 para matar a fome da população).

O Massacre da Farinha

Ainda há poucos dias, diante de uma multidão faminta que, desesperada, lutava para conseguir alimentos dos caminhões recém-chegados, o exército israelense atirou, matando mais de 100 palestinos, sob alegações de que os soldados sentiram medo da multidão, que, por sinal não os atacava, sequer os ameaçava.

A reação inicial dos comandos militares não foi punir ou investigar as ações mortíferas dos soldados. Optaram por mentir, afirmando que não houve disparos e que a maioria dos palestinos mortos o foram pela multidão ensandecida.

Mentira comprovada quando prestadores de assistência verificaram nos hospitais grande número de palestinos com marcas evidentes de balas nos seus corpos.
Por certo, aqui a intenção de Israel era de alvejar palestinos, pelo crime de serem palestinos.

Em terceiro lugar, na prática de um crime, se alguém atingir inocentes, sabendo de antemão que isso seria possível, será considerado culpado de assassinato. Foi o que aconteceu e continua acontecendo nas matanças de palestinos por Israel no estreito de Gaza.

Os chefes sionistas sabem que bombardeando Gaza com o fim de matar terroristas irão fatalmente matar civis palestinos (em número imensamente maior). Mesmo assim não hesitam em prosseguir com a carnificina.

Confissões

Em quarto lugar, existem inúmeras declarações de indivíduos altamente colocadas na política e no exército de Israel, demonstrando seu ódio aos palestinos, os quais são considerados animais iguais aos terroristas, que Israel vem atacando com intenção de matar.

Reproduzo a seguir algumas frases esclarecedoras: Maya Golan, ministra do Progresso Feminino, declarou no Knesset: “Eu me sinto orgulhosa das ruínas de Gaza”. Em entrevista a repórteres, o presidente de Israel, Isaac Herzog, foi definitivo: “Não há inocentes na Palestina. Toda a nação é responsável pelos ataques do Hamas”. Mais adiante, Herzog prosseguiu vituperando: “Não é verdade essa retórica de que os civis não estavam por dentro, não estavam envolvidos... Não é absolutamente verdade e nós lutaremos até quebrar sua espinha dorsal”.

“Estamos impondo um cerco total à Gaza. Nem eletricidade, nem comida, nem água, nem gás, nem tudo, informou o ministro da Defesa, Yoval Golant, em um vídeo. E deu sua explicação: “Estamos lutando contra animais humanos e os tratamos como tal”. Zormer, embaixador de Israel a ONU, clamou que os palestinos são animais desumanos.

Por sua vez Netanyahu apelou para a Bíblia, citando um conteúdo: “Lembre-se do que Amalek tem feito para vocês”. Essa tribo acabou massacrada pelos israelitas de então. Amalek é interpretado como equivalente aos palestinos.

Estas frases são particularmente elucidativas do ódio aos palestinos, e delas se pode inferir que as ações hediondas do exército de Israel foram aplicadas contra os palestinos, sejam civis ou terroristas, cuja razão para serem dizimados é sua raça.

Em quinto lugar, lembro o martírio anunciado dos palestinos em Rafah.

Desde o norte de Gaza, 85% dos palestinos desalojados pelas forças israelenses, vieram vagando, em busca de lugares seguros. Como isso não existe no estreito, continuaram sua marcha, ceifados pelos mísseis, snipers e tanques de guerra, até o fim da linha: Rafah, uma cidade pequena com pouco espaço para seus 200 mil habitantes, que se tornou mínimo com a adição de 1,2 milhão de refugiados da cidade de Gaza.

Hoje, Rafah tem 1,5 milhão, superlotada por refugiados e moradores, apertados em ruas estreitas e verdadeiras cidades de tendas precárias, erguidas pelos próprios refugiados.

Netanyahu garantiu que irá atacar por terra, com apoio de helicópteros e caças, que disporão de alvos privilegiados: massas de cidadãos com raros lugares para se esconderem.

Prevê-se uma catástrofe de dimensões inigualáveis, a morte de dezenas de milhares de civis. Prensados entre o mar e o exército de Israel, os palestinos não têm para onde sair.

Quando o mundo vai dizer basta?

Horrorizados, líderes do mundo inteiro, lembram o desastre iminente e apelam a Netanyahu para que deixe Rafah continuar vivendo. O premiê sionista ignora esses apelos e diariamente confirma que Rafah está por pouco. O genocídio palestino se tornará ainda mais mortífero.

Somente verificando a aplicabilidade do conceito de genocídio aos atos de Israel, dá para ver que o genocídio palestino é real.

Desde 1948, Israel violou muitas leis internacionais e decisões da ONU, sem sofrer penalidades ou sequer mudar seu comportamento para se integrar na ordem jurídica mundial.

Goza de imunidade total, protegida pelo veto dos EUA na ONU e pela força econômica e militar deste país.

Agora, com o genocídio pintando como uma real possibilidade na futura sentença do Tribunal Penal Internacional, o regime sionista pode, pela primeira vez, ser chamado à responsabilidade.

Se isso de fato acontecer, o governo norte-americano e seus principais parças, os governos inglês, francês e alemão, terão dificuldades para enfrentar a inevitável oposição das ruas, grandes massas que hoje protestam em dezenas de cidades desses países em defesa da Palestina.

Que serão maiores e mais ruidosas se os grandes estadistas nada fizerem para colocar Israel na linha.

Leia também:

O encontro do "jornacídio" da Palestina com o apartheid midiático

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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