Correio da Cidadania

A paz nos interesses pessoais de Biden e Bibi

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Irã ameaça novos ataques em caso de retaliação; Israel | Internacional
AFPTV

O Irã achava que, como Israel tem o direito de se defender, ele também teria. Estava enganado. Conforme os sapientes e ínclitos estadistas dos EUA, Reino Unido e França, ninguém tem direito de se defender de Israel.

Em primeiro de abril, 35 jatos israelenses bombardearam o consulado iraniano em Damasco, Síria, matando dois importantes generais, mais cinco oficiais da Guarda Republicana Islâmica, além de sete cidadãos sírios anônimos.

Tomado de santa indignação, o governo de Teerã solicitou ao Conselho de Segurança da ONU a condenação do regime sionista, afinal bombardear consulados alheios é um crime grave, proscrito pelo Direito Internacional.

A maioria absoluta dos membros do conselho concordaram que se tratava de uma prática inaceitável na civilização moderna.

Apenas três países ficaram do lado de Israel e da injustiça. Estranho, pois essas nações – EUA, Reino Unido e França, são quem mais proclama o respeito às normas internacionais. Apesar desse comportamento - digamos, hipócrita - elas dispõem do direito de vetar qualquer decisão do Conselho de Segurança e o usaram para bloquear a justa solicitação iraniana.

De acordo com o site das Nações Unidas: “O Reino Unido e os EUA quase acusaram diretamente a Síria e o Irã pelo ataque de Israel ao Consulado”. Este original raciocínio, que culpa a vítima pela autoria do crime, é mais uma contribuição angloamericana para desmoralizar as Nações Unidas, tornando-a cúmplice dos absurdos retóricos desses soi disant baluartes da ordem mundial.

O teatro da guerra brinca com fogo

O Irã vendo que era inútil buscar a justiça por meios legais, anunciou que se sentia com direito a revidar a ação ilegal de Israel. E foi o que fez, duas semanas depois da destruição do consulado em Damasco.

Previamente, avisou seus vizinhos do ataque que iria desferir contra Israel.
Seu ministro do Exterior informou que também os EUA foram postos a par da iniciativa iraniana (Biden nega).

Seja como for, quando os 300 e tantos drones, mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos, vindos do território do Irã, aproximaram-se da fronteira de Israel, foram adequadamente recebidos pelos caças norte-americanos, ingleses, franceses, israelenses e até jordanianos, prontos para abatê-los.

Quase todo os artefatos iranianos foram derrubados, entre 90 e 99% segundo fontes de Israel, sendo que apenas 5 ou 6 mísseis balísticos atingiram seus alvos, as regiões das bases aéreas no deserto de Negev e nas colinas de Golã. Porém, caíram em áreas vazias, apenas ferindo uma criança beduína.

Segundo Israel, os danos sofridos foram mínimos, consideráveis para os serviços informativos de Teerã. O país dos aiatolás garante que a operação foi um grande sucesso.

Massas de iranianos saíram às ruas eufóricos, comemorando a primeira vez que o pais atingia o território de Israel, num revide ao bombardeio do consulado em Damasco e à morte do general e de um punhado de guardas republicanos.

Mas na realidade o estrago causado aos israelenses não foi dos maiores. Nem era para ser, do contrário Teerã manteria a data da operação em segredo, para poder pegar Israel de surpresa e assim conseguir vibrar um golpe realmente significativo.

Os aiatolás temiam que, nesse caso, os riscos de guerra seriam grandes, com a provável participação dos EUA, algo que não lhes interessava, por razões óbvias.
Por outro lado, a incursão iraniana teria de ser espampanante, não só para emocionar o público interno, como também demonstrar ao mundo o poder militar do país.

“Eles (os iranianos) queriam claramente algo espetacular, mas não fatal”, afirmou Ali Vaez, expert do International Crisis Group (Politico News, 14/4/1024)”.

Netanyahu capitaliza

Como resultado dessa circunspecção dos xiitas, o premiê Bibi saiu bem. Ganhou muitos pontos junto a seu povo, silenciando a resposta iraniana sem perder praticamente nada, conforme seus serviços de informação (The Guardian, 19/4/2024).

Bem que ele estava precisando. Antes desses eventos, as pesquisas mostravam que o mal humor da população israelense atingira picos altos, clamava por sua demissão, assim que a Guerra de Gaza terminasse.

Nesse conflito, enquanto os costumeiramente aliados do Ocidente exigiam cada vez mais concessões humanitárias e os EUA do parceiro Biden chegavam a ameaçar retirar o apoio norte-americano, caso o premiê se recusasse a permitir (e mesmo facilitar) o acesso dos caminhões com víveres aos palestinos e limitar ao máximo as vítimas fatais dos bombardeios. Até um cessar fogo estava sendo requerido.

Logo agora que o líder sionista se preparava para devastar Rafah e “liquidar o Hamas”, mesmo tendo de massacrar milhares dos civis palestinos que atualmente atulham a cidade.

Se Bibi não cumprisse as exigências humanitárias e/ou negasse o cessar fogo, Biden se veria obrigado a parar de enviar as munições necessárias à guerra, a fim de não sujar sua imagem popular, a poucos meses da eleição presidencial. E o premiê sionista teria de interromper as operações militares de Israel.

Sem guerra, não haveria mais motivos para ele continuar liderando um povo estridentemente hostil ao chefão sionista. O que, inevitavelmente, causaria a queda do seu governo e levaria a novas eleições, num momento em que Netanyahu estava mal nas pesquisas. Ele se veria removido das macias almofadas do poder para o duro banco dos réus, onde o esperaria um julgamento criminal, com boas chances de condenação.

Para evitar essa incômoda perspectiva, o governo sionista precisaria adiar ao máximo o fim da conflagração de Gaza.

E Bibi lançou uma nova cartada: o ataque ao consulado iraniano em Damasco, com o assassinato do general iraniano, apostando que Teerã revidaria. Foi o que aconteceu.

A derrota total da blitz aérea iraniana, só beneficiou Israel. Em sua consequência, os estadistas ocidentais, Biden à frente, mudaram o foco da sua atenção, trocaram as críticas a Bibi na guerra de Gaza, para as críticas ao Irã, pela blitz aérea contra o território israelense.

Aparentemente, Netanyahu ganhou a aposta: nas chancelarias dos EUA e das potências do Velho Mundo não se fala mais em ações desumanas de Israel, nem na fome que já assola Gaza-norte, nos obstáculos ao suprimento de alimentos aos palestinos, no massacre de crianças que já atinge a mais de 14 mil... O Ocidente deixou de lado esses terríveis fatos para concentrar seus ataques na agressiva revoada de mísseis e drones iranianos tentando alvejar Israel.

Os EUA, o Reino Unido, seu fiel vassalo, mais a França e os demais satélites europeus, isolaram o bombardeio iraniano, passando uma borracha no que o detonou: o ataque ao consulado do Irã em Damasco, ação flagrantemente ilegal.
Indo além, Biden e os parceiros europeus impuseram novas sanções contra o já super-sancionado Irã, obrigando o Supremo Líder Khamenei a arrancar suas barbas de ira.

Para o Ocidente, surgiu um novo problema (até esperado): Israel lançar um bombardeio no Irã, detonando uma guerra entre os dois rivais.

Biden e os chanceleres europeus prostraram-se diante de Netanyahu, suplicando que ele contivesse seu natural desejo de vingança para evitar um revide iraniano ao revide israelense, que desencadearia uma indesejada guerra em todo o Oriente Médio.

O futuro é imprevisível

Apesar de Biden garantir que não participaria de um eventual conflito de Israel versus Irã, todo mundo sabe que, nesse caso, Tio Sam não ficaria em cima do muro.

Algo que os EUA não queriam de jeito algum. Lutar contra o Irã não seria agradável quanto fora lutar contra o Iraque de Saddam Hussein. Os aiatolás dispõem de milhares de mísseis, inclusive um hipersônico, capaz de, em questão de minutos, atingir as 35 bases norte-americanas no Oriente Médio, onde tropas dos Our Boys estão instaladas.

Nesse choque, Trump iria culpar seu inimigo pelo sangue estadunidense fatalmente derramado. O que poderia mexer fundo com a sensibilidade do povo. E tenderiam a influenciar a votação, com a possível derrota de Joe Biden na eleição presidencial.

Mas Israel agiu de modo a dissipar as sombras da guerra. Com sua ofensiva de mini-drones, Netanyahu provou que Israel pode chegar até o centro do Irã e, melhor ainda, as ridículas proporções do seu ataque não mereciam uma resposta de peso, livrando Teerã da obrigação de reagir e provocar um incêndio em todo o Oriente Médio.

A gratidão ocidental motivou uma série de elogios a Bibi, saudado como um grande estadista, um homem da paz.

Mas o tempo voa. O episódio da troca de ataques é apenas um fato, com condições finitas de impressionar as pessoas. Não demorará muito a perder força e, afinal, assumir um lugar no arquivo da história.

O genocídio continua

Enquanto isso, as barbaridades israelenses em Gaza continuam e voltarão a ser focadas por multidões em todo mundo, a clamar em protestos anti-Israel e pelo cessar fogo permanente.

Biden e os grandes da Europa- Sunak, Macron e Scholtz - bem que gostariam de apoiar sempre Israel contra esses famintos e mal-vestidos palestinos, mas a opinião pública de seus países é forte, e decide eleições.

A onda a favor de Gaza tem tudo a rugir como antes. Os ocidentais insistirão que Israel respeite os direitos humanos dos palestinos, não use a fome como arma e outras exigências inaceitáveis por Bibi.

Afinal, como ficaria sua ideia fixa de tornar a vida tão insuportável para os seguidores do Islã, que eles topariam mudar de país, sem precisar de ameaças?

No entanto, embora Israel acabe cedendo às pressões externas, dificilmente seus militares cumprirão condições humanitárias, estimulados a ver os palestinos como bárbaros inimigos, animais humanos no dizer do presidente Herzog e do ministro da Defesa, o general Gallant.

Apesar de custar a admitir essas transgressões, Biden possivelmente acabaria cedendo às pressões dos congressistas progressistas, dos negros, dos jovens e dos árabe-americanos (influentes em dois estados decisivos) e cortaria o envio de munições a Israel.

Sem munições, os mísseis e aviões de Israel teriam de ficar parados e a guerra teria de acabar, apesar de Bibi. É possível também (embora totalmente duvidoso) que Bibi, em obediência a Biden, virasse um respeitador das leis humanitárias.

Bem, aí os ultradireitistas de Israel não iriam se conformar. Como já anunciaram, sairiam do governo, que perderia, assim, a maioria no parlamento e consequentemente cairia, seguindo-se novas eleições onde se espera que a coalizão centrista vença.

E os intrometidos ocidentais poderiam impor a reconstrução de Gaza e seu repovoamento pelos palestinos, frustrando um dos mais caros objetivos sionistas, o de expulsá-los, ficando o estreito de Gaza sob o domínio de Israel.

De qualquer modo, o jogo está longe de acabar. O certo é que, a vitória de algum depende da derrota do outro.

Bibi vai sentir muito pelo fraternal Biden, mas não pode aceitar a paz, pois seu mandato e sua liberdade iriam para o espaço. Já para Biden, interessa o fim dos horrores da Guerra de Gaza, não importa quem vença. Serve até uma solução a favor dos palestinos, desde que patrocinada por ele.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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