Uma defesa com muitos furos aproxima Netanyahu da cadeia
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- Luiz Eça
- 07/06/2024
Biden celebrou entusiasmado a ordem de prisão de Vladimir Putin, decretada pelo TPI (Tribunal Penal Internacional). Como o autoproclamado defensor dos direitos humanos e das leis de guerra, o presidente dos EUA afirmou que, não importa a alta posição do indiciado, numa democracia, todos são iguais perante a lei.
Menos para Israel, esqueceu de dizer. Agora ele se lembrou, quando clamou como ”ultrajante” a ordem de prisão de Netanyahu e seu ministro da Defesa, solicitada pelo procurador-chefe do TPI, Karim Khan, aos juízes dessa corte.
Por sua vez, Bibi subiu nas tamancas: para ele, a ordem de prisão seria “um ultraje moral de proporções históricas”. E o procurador Khan estaria colocando-se “entre os maiores antissemitas dos tempos modernos”.
Afinal, depois de Israel passar tantos anos pintando e bordando, violando direitos humanos e leis de guerra, com a tolerância dos excelsos países europeus e a proteção dos EUA, alguém qualificado ouse propor sua prisão à suprema corte judiciária mundial.
Todos os países amigos, sempre compreensivos com certas estripulias que as circunstâncias obrigam Israel a cometer, deveriam correr em apoio ao chefe sionista.
Decepção, apenas os EUA e seu fiel acólito, o Reino Unido, mais a Alemanha, a Tchéquia, além de uns poucos outros países puseram-se contra o ataque a Bibi e seu ring brother.
Já a União Europeia disse que cumprirá a decisão dos juízes do ICC. O Japão ficou em cima do muro. Na França, Macron considerou que era preciso respeitar as regras democráticas. A Austrália, a Itália, o Brasil, a Espanha, a Irlanda, a Noruega, a Colômbia... Todos estes estados e mais alguns, cujos nomes me fogem, ponderaram que, sendo a ordem de prisão decretada pela corte do ICC, eles teriam de obedecê-la.
Biden continuou fiel a Bibi e a Israel. Preocupado com as repercussões eleitorais da sua posição pró-Israel, Biden procurou justificar sua condenação da petição do dr. Khan, sibilando: “Não há nenhuma equivalência entre Israel e o Hamas”.
Será? O que me dizem do costume de matar civis do outro time, como aconteceu no atentado do Hamas em 7 de outubro e vem acontecendo nos bombardeios de Israel sobre Gaza?
Mesmo que o procurador-geral do ICC colocasse os líderes rivais em petições diferentes, eles continuariam acusados da prática de violações semelhantes dos direitos humanos e das leis de guerra, que constam do pedido de prisão.
Outro ponto básico das críticas à peça acusatória é de sustentar uma equivalência moral entre Israel – que seria um país democrático, com eleições livres – e o Hamas – um bando de terroristas brutais e sem leis.
Com esta comparação ficaria inegável a suposta parcialidade do procurador do ICC.
Mas parcial é esse raciocínio. Um país com apartheid, que expulsa palestinos de suas terras e casas, cujo exército (autoproclamado o mais moral do mundo) bombardeia hospitais, escolas, universidades, templos religiosos e quarteirões residenciais, matando até agora 40 mil civis inocentes e transformando cidades inteiras em montes de escombros não é propriamente um exemplo de moralidade.
Além dessas bizarras maquinações, o discurso israelense também inclui refutações jurídicas. A primeira nega ao TPI o direito de julgar israelenses – pois Israel não é membro do TPI e a Palestina não é uma nação.
Depois de aprovar a ordem de prisão de Putin, num caso igual ao presente, Biden não tem direito de fazer essa alegação. Mas Bibi tem, pois não se manifestou sobre a legalidade da desdita de Putin.
Não quer dizer que esteja certo. O TPI foi fundado por cerca de 130 nações para julgar crimes contra as leis humanitárias internacionais. Seus juízes já decidiram anteriormente que: a) a Palestina é um país, pois assim foi qualificada pela ONU; b) a alçada do TPI inclui julgar fatos acontecidos também em países não-membros, como Israel.
Finalmente, garantem os juristas israelenses que a Justiça de Israel está totalmente apta a julgar seus cidadãos violadores dos direitos humanos. Os fatos comprovam o contrário.
Um estudo da B’Tselem, respeitada ONG de Israel, mostra que no período 2000/2015 essa organização pediu a investigação de 731 casos em que soldados mataram, espancaram ou feriram palestinos, usaram-nos como escudos humanos ou danificaram suas propriedades.
Em um quarto desses casos (180) sequer foram investigados, em quase metade (343) a investigação foi encerrada sem que qualquer iniciativa fosse tomada e em apenas 25 casos houve um procedimento legal. Cerca de 12 casos relacionavam-se a questões disciplinares, enquanto muitas investigações ainda estavam em curso em 2016, quando da publicação do relatório do B’Tselem.
As chances de queixas contra violências de soldados israelenses levarem a um indiciamento são de apenas 3%.
Em uma pesquisa relativa a fatos sucedidos em 2018 verificou-se que223 palestinos foram mortos pelas forças de segurança, 46 eram menores de idade e 8 mil sofreram ferimentos. Até agora, nenhuma investigação séria foi realizada pelas autoridades israelenses.
Diante de resultados assim, entende-se por que o TPI considerou necessário assumir o julgamento dos cidadãos incursos em crimes contra os direitos humanos e as leis de guerra.
Era de se esperar que Bibi, o fiel Biden e os parças da dupla tentassem contestar as acusações citadas na petição de Khan. Mas eles não o fazem, talvez porque fosse difícil contestar o óbvio.
Para o famoso jornalista israelense Gideon Levy, a massa dos seus concidadãos se expressa de forma bastante concreta. Diz ele que “o único argumento que se ouve atualmente em Israel é que o juiz é um filho da puta”.
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Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.