Licença para matar crianças
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- Luiz Eça
- 16/08/2024
Estima-se que até 6/8/2024 quase 40 mil palestinos foram assassinados pelas forças de Israel na Guerra de Gaza, em apenas 10 meses. É um dado terrível.
Mais grave ainda é o número de crianças vitimizadas: 16 mil, ou seja, cerca de 40% de todas as perdas humanas, sendo que 34 mil crianças foram feridas e 21 mil estão desaparecidas, um certo número provavelmente soterradas sob os escombros dos edifícios destruídos pelas bombas, misseis e drones israelenses (Save The Children, em +972, revista israelense).
O total de crianças palestinas assassinadas por forças de Israel nos últimos 10 meses (cerca de 16 mil) supera o total de crianças assassinadas em todo o mundo, em todas as guerras entre 2019 e 2022, que é 12.193, segundo estatística da ONU.
Boa parte das vítimas infantis foram atingidas por balas de fuzil, disparadas por snipers (atiradores de elite) do exército de Telavive.
O que é estranho, várias vezes o IDF (Forças de Defesa de Israel) assegurou que só alveja combatentes e na Palestina não existe meninos soldados como em certas regiões da África.
As crianças palestinas não têm armas, a não ser de brinquedo. Nem atiram bombas. Não há registros de militares sionistas abatidos por elas.
Numa guerra, o único papel dos pequenos palestinos é procurar alimentos e água, raros em Gaza, para conseguir que eles e suas famílias não morram de sede ou fome.
Não representam qualquer perigo para o “o mais moral exército do mundo”, slogan publicitário autodefinido pela IDF (Forças de Defesa de Israel), repetido frequentemente por Netanyahu, Blinken, Biden e outros expoentes do pensamento humanístico ocidental. Parece provável a elevada participação dos snipers na autoria do assassinato de civis palestinos em Gaza.
Em inúmeras ocasiões esses atiradores de elite não vacilaram em matar crianças. Testemunhos de médicos e enfermeiros revelam que muitas crianças chegam mortas aos hospitais com um orifício na testa mostrando que foram alvo de tiros, disparados por alguém de invulgar rescisão que, normalmente, só existe entre os snipers.
Recentemente, um cirurgião norte-americano, que, voluntariamente prestou serviços médicos em Gaza, respondeu a essa pergunta em entrevista ao programa “CBS Sunday Morning”.
Lembrando as cenas terríveis que vivenciou, ele denunciou que os snipers israelenses atiram de propósito nas crianças de Gaza, inclusive nas que mal sabem andar (The Cradle, 22/7/2024).
Outro médico, o dr. Mark Perlutter, cirurgião judeu-americano, com experiência em diversas guerras, atuou em Gaza, também voluntariamente, no período abril/maio.
Perguntado se havia muitas crianças entre os palestinos que atendeu, ele respondeu: “Quase que exclusivamente crianças. Eu nunca vi isso antes. Eu vi mais crianças queimadas do que eu jamais vi em toda a minha vida”.
E continuou: ”Eu vi crianças que foram alvejadas duas vezes”. Quando alguém observou que a segunda vez fora talvez por acidente, Perlutter contestou: “Nenhuma criancinha pode ser alvejada duas vezes por acidente, pelos ‘melhores snipers do mundo’”.
A médica canadense, dra. Fawsi Alvi, também mencionou a ação dos atiradores de elite de Israel: “eu vi crianças pequenas com tiros de snipers diretamente na cabeça, assim como no peito. Elas não eram combatentes, eram crianças (The Guardian, 2/4/2024)”; 45 médicos e profissionais de saúde estadunidenses, que trabalharam em Gaza, enviaram carta a Biden e Harris, pedindo cessar fogo imediato e se refere ao comportamento dos soldados de Israel (não apenas snipers) em relação às crianças palestinas.
Dizem os médicos: “cada signatário desta carta tratou crianças em Gaza que sofreram violências que devem ter sido diretamente dirigidos a elas. Especificamente, cada um de nós tratou diariamente pré-adolescentes que foram alvejados na cabeça (The Guardian, 4/4/2024)”.
Não somente os snipers, mas todo militar de Israel sente-se autorizado a matar qualquer palestino, não importa a idade do alvejado. Repetidos testemunhos de soldados do IDF provam que partem de muitos comandantes as ordens de matar palestinos, sejam ou não suspeitos.
Nesse sentido, veja, a seguir, a informação prestada ao Haaretz por um soldado de Israel anônimo: “nossos chefes, quando identificávamos alguém em nossa zona de operações que não fazia parte das nossas forças, pediam que atirássemos para matar (Instituto Humanitas Unisinos)”. Os chefes dão essas ordens sem se preocupar por estarem provavelmente condenando à morte civis inocentes que ficassem ao alcance das balas israelenses.
Em depoimento à revista +972, diversos soldados falaram a respeito da licença para matar, inclusive crianças, que recebiam dos seus chefes. Na verdade, era mais do que isso, tratava-se de ordens que legitimavam o assassinato de civis palestinos, fossem ou não suspeitos, maiores ou menores de idade.
Todos os soldados inquiridos informaram que matavam regularmente civis apenas por terem entrado numa área definida pelos militares como zona proibida (no-go zone).
Um deles disse que tinha total liberdade de ação em Gaza. Se existisse uma mera sensação de perigo, não havia necessidade de explicação, “você simplesmente atirava”.
Não há nenhuma informação de que as crianças costumavam ser poupadas. Pelos depoimentos de muito médicos (a maioria estrangeiros) eram assassinadas do mesmo jeito.
No entanto, acredita-se que a maioria das vítimas infantis de Gaza foram sacrificadas quando suas casas foram explodidas pelas bombas de Israel, fornecidas pelas EUA.
A inteligência artificial foi usada com esse fim pelo exército israelense. Para matar membros do Hamas, com maior rapidez e eficiência, Israel aciona dois programas de inteligência artificial: o Lavender e o Cadê o Papai?
O objetivo do Lavender é identificar e localizar membros da ala militar do Hamas e da Jihad Islâmico. O programa cumpre essa função com base em um gigantesco acervo de informações colhidas por agentes e funcionários israelenses, nos 57 anos de ocupação da Palestina
Nas primeiras semanas da guerra, o Lavender tinha registado 37 mil suspeitos e suas respectivas casas como possíveis alvos a serem bombardeados.
A participação humana é mínima: apenas 20 segundos para verificar se o alvo é um homem (não há mulheres no Hamas). Se for, aborta-se o ataque.
O sistema não é perfeito. Os técnicos de Israel calculam erros em 10% dos casos. Além disso, eventualmente o Lavender marca indivíduos que tem apenas remotas ligações com grupos terroristas ou que são absolutamente inocentes.
Portanto, em cada 10 lançamentos de mísseis, um deles fatalmente matará gente que nada teve a ver com a guerra.
Normalmente, os oficiais israelenses preferem atacar os suspeitos em suas casas, à noite – quando eles estão reunidos com as famílias (no Oriente Médio muitas delas costumam ser integradas por várias crianças, devido à alta natalidade dos muçulmanos).
É um alvo mais fácil de ser atingido porque ali os homens permanecem fixos, enquanto que na rua se movem, dificultando o sucesso da operação.
Depois do alvo ser assinalado pelo “Lavender”, entra em ação um outro programa de Inteligência Artificial, o “Cadê o Papai?”. Ele segue o miliciano, focando-o no seu caminho até chegar em casa, quando então a bomba é lançada.
Para eliminar militantes importantes, os senior, emprega-se as chamadas bombas espertas (smart bombs), mísseis de alta precisão. Já quando se trata de elementos que exercem funções de pouco ou nenhum valor militar, os junior, opta-se pelas chamadas bombas burras (dumb bombs), mísseis que não são guiados, mas tem enorme potência. Destroem edifícios inteiros e todas as pessoas que vivem neles.
Segundo informantes engajados nesta operação de matança, Israel não usa bombas espertas para matar inimigos sem valor porque são caras e há uma carência desse tipo de arma.
Em casos assim, a preferência é pelas bombas burras, que são muito mais baratas e causam danos colaterais de extrema violência. Por não serem guiadas podem não atingir os objetivos visados.
No começo da Guerra de Gaza, os operadores israelenses tinham à sua disposição 37 mil alvos, providenciados pelo “Lavender”, suspeitos de serem militantes do Hamas.
A maioria deles era sem grande valor. Havia uma certa preocupação em não matar civis inocente em excesso. Por isso, só eram lançadas bombas com efeito colateral de até 20 inocentes assassinados.
Muitos desses palestinos eram crianças (a maioria, segundo Wael Al-Sir, que acompanhou o bombardeio e aniquilação de um campo de refugiados). Havia mesmo alguns meninos pequenos, que o Lavender selecionou para a morte.
Mais recentemente, tendo Israel considerado o Hamas liquidado, seus chefes foram surpreendidos por repetidos ataques dos terroristas.
Mudaram, então os protocolos de uso do “Lavender” e do “Cadê o Papai?”. Os comandantes do exército de Israel passaram a autorizar bombas que, calculavam, iriam matar até centenas de civis palestinos, inclusive muitas crianças.
Nos bombardeios do batalhão Shujaíya, mais de 100 inocentes morreram junto com o alvo visado, o comandante Wisam Farhat.
Segundo o Direito Internacional Humanitário (DIH), as crianças afetadas por conflitos armados têm direito a respeito e proteção especiais.
Os juristas israelenses concordam, exceto, é claro, quando as crianças são palestinas, as quais devem sofrer a sorte comum a todos os habitantes de Gaza.
Isso explica as autênticas caçadas de crianças palestinas, empreendidas pelos snipers em Gaza; as mortes de palestinos autorizadas pelos comandantes israelenses; o uso dos programas de inteligência artificial para alvejar suspeitos em locais onde há sabidamente crianças, em número muitas vezes maior do que os alvos visados.
Os militares israelenses estão agindo conforme a palavra de ordem do seu chefe, o ministro da Defesa Gallant: “estamos lutando contra animais humanos e os estamos tratando como tal”.
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Luiz Eça
Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.