Correio da Cidadania

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"Quando um país chega ao topo, chuta a escada para impedir o acesso dos outros". 

Ha-Joon Chang, professor de Estudos do Desenvolvimento na Universidade de Cambridge)

 

 

Nos últimos dias, Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa brigaram de morte com o Banco Mundial. Quem já está os chamando de populistas e irresponsáveis talvez mudasse de idéia se conhecesse a folha corrida da instituição.

 

Fundado em 1944, o Banco Mundial é um tipo de cooperativa cujos donos são 185 países. Como é lógico, quanto maior número de quotas o país subscreve, maior seu poder. Por isso, os países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos, mandam e desmandam. Claro, o presidente atual, o notório Paul Wolfowitz, é americano, como o foram todos os presidentes anteriores.

 

Em seu site na internet, o Banco Mundial proclama-se “uma fonte vital de assistência técnica e financeira para desenvolver países em todo o mundo”, com a missão de “reduzir a pobreza global e elevar os níveis de vida das populações”. Em suma, uma instituição a serviço dos países empenhados em crescer e melhorar a vida dos seus povos.

 

Nobres propósitos, sem dúvidas. Para que eles possam ser concretizados, o banco condiciona seus empréstimos à adoção por parte dos países beneficiários de uma série de medidas neoliberais: liberdade comercial, privatização geral e irrestrita, eliminação de tarifas de importação e subsídios de toda ordem, Estado fora da economia, etc.

 

E quais forem os resultados desta política?

 

O Grupo de Avaliação Independente, criado pelo próprio banco, concluiu que, entre 1995 e 2005, apenas um entre cada dez países tomadores de empréstimos apresentaram crescimento contínuo. Os outros nove ou estagnaram ou mergulharam numa pobreza ainda maior - o que levou o ex economista-chefe do próprio banco, Joseph Stiglitz (laureado com o Prêmio Nobel), a declarar que “isso (as exigências do banco) condenou pessoas à morte... Eles (o banco) não se preocupam se as pessoas vivem ou morrem”.

 

E muitas, de fato, morrem. Veja como.

 

Quando o Banco Mundial ameaçou negar empréstimos a Gana caso o país não cortasse os subsídios aos preços de água e eletricidade, o governo obedeceu. E a imensa população pobre do país teve liberdade de escolha entre morrer de sede ou beber água suja e contaminada. Foi o que aconteceu também na Bolívia, em 1997. Aí o banco exigiu a privatização dos serviços de água (e de eletricidade), causando aumentos de preços que chegaram a 100%. Em Tanganica, repetiu-se essa experiência com resultados idênticos. E a infeliz população do Iraque, além de sofrer as brutalidades da guerra, ainda teve de suportar,em 2003, a eliminação dos subsídios aos alimentos e a conseqüente alta e escassez, forçada pelo banco em prol da “estabilização das finanças públicas”.

 

Esses são alguns exemplos da forma pelo menos curiosa como o Banco Mundial cumpre sua missão de “reduzir a pobreza mundial”.

 

Vale lembrar também os resultados de suas ações para estimular o desenvolvimento de alguns países. Em 1995, o Banco Mundial e o FMI pressionaram o presidente Jean-Bertrand Aristide, do Haiti, a privatizar a exploração de cimento, arroz e açúcar e derrubar todas as tarifas de importação, o que integraria o país na economia global. Assolado pelo desemprego e pela fome, o país precisava desesperadamente dos empréstimos das duas instituições. Aristide aceitou e o chamado “Plano da Morte” destruiu a produção local daqueles produtos, tornou o Haiti ainda mais pobre, mais dependente das importações e mais carente de empregos do que nunca.

 

Ainda em Gana, o Banco Mundial forçou seu governo a fechar uma fábrica estatal de conservas de tomate e a abrir o mercado do país à concorrência internacional. Nenhum produtor local teve condições para enfrentar os produtos europeus, largamente subsidiados. E assim fechou-se tanto a indústria ganense de conservas quanto as centenas de plantações de tomates que a forneciam e os milhares de postos de trabalho que eram gerados.

 

Mas há interessantes “cases” a relatar sobre a ação do Banco Mundial também nos países em desenvolvimento. O mais emblemático é talvez o da aplicação da “terapia de choque” na Rússia.

 

Assumindo o poder nesse país, Boris Yeltsin recebeu empréstimos e a “assistência técnica” do Banco Mundial para realizar uma reforma radical da economia, passando do comunismo ao capitalismo num abrir e fechar de olhos. Foi a chamada “terapia de choque”. As principais empresas estatais russas foram vendidas a preços de liquidação a um grupo proveniente da burocracia do ex-Partido Comunista da União Soviética - os chamados “oligarcas”. Tudo foi feito a toque de caixa num processo marcado por uma corrupção sem precedentes, no qual o novo Estado russo foi pesadamente lesado. Todos os analistas são unânimes em considerar que o elevado índice a que chegou a corrupção da parte de todos os agentes desta “terapia” foi a principal causa da bancarrota a que foi levada a Rússia.

 

O Banco Mundial esteve presente nesse episódio, auxiliando pressurosamente os arquitetos desta nova ordem estabelecida de acordo com os postulados neoliberais. Estranhamente, porém, fechou os olhos à violenta corrupção que destruiu a antes poderosa economia russa. Muito pelo contrário: para o banco tudo transcorreu no melhor dos mundos, conforme se depreende das declarações do seu economista-chefe na Rússia, Charles Witzler, ao The Wall Street Journal: “eu nunca me diverti tanto na vida”.

 

Ha-Joon Chang, professor de Estudos de Desenvolvimento da Universidade de Cambridge, tem uma teoria a respeito do Banco Mundial, o FMI, a OMC e congêneres. Em seu livro, “Chutando a Escada”, Chang afirma que os países desenvolvidos não têm nenhum interesse em que outros países se desenvolvam. Eles não querem concorrentes, que cresçam e venham a produzir em condições de ameaçar suas posições nos mercados. Usam instituições internacionais por eles controladas, como o Banco Mundial, para impor regras neoliberais aos países tomadores dos seus empréstimos, como receitas salvadoras, que os farão crescer e resolver seus problemas, regras que, em geral, trazem resultados opostos aos prometidos.

 

Talvez se inspirem numa história muito, muito antiga, quando o povo de uma cidade recebeu com a maior alegria um cavalo gigantesco.

 

E todos sabem que deu no que deu.

 

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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