Correio da Cidadania

O Iraque começa a se libertar

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Ainda no ano passado, Tony Snow, porta-voz do governo Bush, anunciou que o exército americano poderia permanecer no Iraque mais algumas décadas, talvez uns 50 anos. Certamente, ecoaram Robert Gates, secretário da Defesa, e diversos comandantes das forças armadas. Este prazo acaba de ser consideravelmente reduzido para no máximo três anos, provavelmente 16 meses ou até menos.

 

O recém-aprovado tratado que regula a permanência das tropas americanas no Iraque fala em três anos mas não podemos esquecer as promessas de Barack Obama de retirar-se em 16 meses. Recentemente no programa "60 minutos", da CBS, ele reiterou que cumpriria esse prazo. O qual, aliás, pode ser reduzido para um ano, como previsto no tratado, por iniciativa unilateral de algum dos dois governos. Considerando a postura francamente nacionalista do até então dócil primeiro-ministro Maliki, isso é bem possível que aconteça.

 

Além de fixar data para a retirada das forças americanas, ao que Bush sempre se opôs, o tratado contém artigos que representam grandes avanços em direção à independência plena.

 

Talvez o mais importante seja a determinação claramente expressa de que, com a retirada, não deverá ficar um único soldado americano no país. Ora, tanto Bush quanto Obama defendiam a permanência ad aeternum de uma força menor, de uns 30 a 40 mil homens, para "defender a democracia iraquiana". E, incidentalmente, impedir a aliança do governo com seus aliados xiitas do Irã, além de garantir a execução da nova lei do petróleo, ainda em discussão no parlamento. Essa lei cria condições altamente favoráveis às petrolíferas, o que segundo o pesquisador Greg Muttit, da ONG inglesa PLATFORM, traria ao Estado iraquiano prejuízos que ficariam entre 74 e 194 bilhões de dólares (calculando 40 dólares o barril).

 

Uma vez livre dos militares americanos, o governo terá liberdade para gerir suas reservas de petróleo, as segundas maiores do mundo, em benefício do seu povo e adotar uma política externa independente. Comparando com a situação atual, o exército americano perde sua autonomia e sua ação fica seriamente restringida e submetida ao comando iraquiano.

 

Enquanto até agora os americanos realizavam operações militares, invadiam casas e prendiam quem quisessem, terão de obter permissão das autoridades locais. Terão também de entregar seus prisioneiros aos iraquianos, quando requerido por eles, ou libertá-los de uma vez. Fazer novos prisioneiros só com ordens da justiça do país ou, se isso acontecer durante operações bélicas, só poderão conservá-los durante 24 horas.

 

As forças americanas ficarão ainda proibidas de, partindo do Iraque, atacar alvos em outros países, como fizeram recentemente ao bombardear uma localidade da Síria. Crimes praticados por soldados fora das bases e fora de serviço passam a ser julgados por magistrados iraquianos, de acordo com as leis nacionais. Os seguranças estrangeiros, responsáveis por tantas mortes de civis, perdem a impunidade de que gozavam, sendo também submetidos à justiça do Iraque.

 

Finalmente, todas as tropas americanas hoje sediadas em cidades ou aldeias terão de se retirar para as suas bases até 29 de junho de 2009.

 

Em suma: em vez de exército de ocupação, os americanos passarão a funcionar como exército auxiliar do governo local, perdendo os poderes absolutos de que tem usufruído desde a invasão.

Nada disso foi concedido de mão beijada pelo governo Bush. Sua proposta era simplesmente manter o presente status quo até quando a Casa Branca achasse conveniente, quando então o grosso das tropas voltaria para os Estados Unidos deixando uma força para "proteção". No máximo, concediam a mudança das tropas das cidades para 58 bases espalhadas pelo país.

 

Todas as disposições do tratado (citadas acima) que afirmam a soberania do Iraque foram impostas pelos representantes do governo de Bagdá. Normalmente submisso à Casa Branca, ele foi por sua vez pressionado pela onda nacionalista que, por fim, está prevalecendo na população do país. Foram 9 meses de discussões.

 

Diante da firme resistência dos iraquianos, os representantes da Casa Branca tiveram de ceder. Ou isso, ou não haveria tratado. E o exército americano teria de voltar para casa, logo após 31 de dezembro, quando expirasse o mandato da ONU. Seria uma grave derrota para George Bush. Ele ficaria diante da opção de aceitá-la ou decidir unilateralmente permanecer no país ocupado. Mais uma vez se indispondo com a opinião pública internacional.

 

Bush preferiu engolir as exigências nacionalistas do governo do Iraque. E roubar do seu sucessor democrata a glória de ter dado início ao processo de paz no Iraque.

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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