Mossad tem licença de Israel para matar onde quiser
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- Luiz Eça
- 24/02/2010
"Quando o mundo vai concluir que Israel foi longe demais – e fazer algo a respeito?" (Justin Raymondo, "Anti War, 19-2-2010)
Parece não haver dúvidas quanto à autoria do Mossad no assassinato de Dubai. Além das declarações do general Khaifan, chefe de polícia local, de que há 99% de chances, senão 100%, de o serviço secreto de Israel ser culpado, outras evidências se acumulam.
Em Israel, o ministro de Relações Exteriores, Lieberman, negou-se a confirmar ou desmentir o fato, alegando que a política de Israel nessas questões seria "ambígua". O que indiretamente incrimina seu país, pois em caso de inocência ele evidentemente a proclamaria.
Respeitado especialista em segurança nacional, o israelense Yossi Melman, comentou no jornal Haaretz: "A Inteligência (no assassinato de Dubai) foi confiável e precisa".
O Times de Londres citou Ehud Olmert, antigo primeiro-ministro de Israel, como tendo dito que o Mossad estaria desenvolvendo uma "guerra secreta no Oriente Médio, assassinando chefes do Hamas e do Irã".
E autoridades na área de segurança de Israel informaram, sob condição de anonimato, que o crime fora de fato uma operação do Mossad secreta e precisa (Steven Gutkin, AP News).
Com o que o Jerusalem Post concordou ao considerá-la "mais um golpe no eixo do mal".
Na verdade, foram três os crimes. Primeiro crime: roubo dos passaportes de cidadãos ingleses, irlandeses, alemães e franceses, com dupla nacionalidade. Segundo: falsificação, consistente na troca das fotos originais pelas dos agentes. Terceiro: tortura e estrangulamento do representante do Hamas na Síria.
A responsabilização do Mossad não é surpresa. Ele tem uma longa folha corrida de operações no estrangeiro que seguem o padrão do caso de Dubai.
Em 1987, agentes do Mossad foram presos na Inglaterra com passaportes do país falsificados. Israel prometeu que isso jamais se repetiria. Mas, 10 anos depois, seus agentes entraram na Jordânia com passaportes canadenses falsos e lá envenenaram Khaled Menshal, líder do Hamas. Foram presos em seguida e o rei Hussein exigiu que o governo de Telaviv enviasse o antídoto adequado, sob pena de rompimento das relações diplomáticas. Israel só conseguiu que os homens do Mossad fossem soltos mediante a libertação do xeique Ahmed Yassim, guia espiritual do Hamas, há 8 anos no cárcere. E, para acalmar o Canadá, jurou jamais voltar a falsificar passaportes.
Pela segunda vez descumpriram seu juramento, em 2004, na Nova Zelândia, quando dois agentes israelenses foram presos com passaportes neozelandeses falsos.
Em 1991, quatro agentes do Mossad foram pegos em flagrante ao tentar plantar microfones na embaixada do Irã, em Nicósia, Chipre. Israel pagou multa para eles serem libertados.
A polícia da Suíça, em 1998, prendeu cinco homens do Mossad quando instalavam um equipamento de escuta no porão da casa de um libanês. Quatro conseguiram fugir, o quinto foi encarcerado e condenado a 12 meses de prisão, pena suspensa antes do seu prazo final.
Novamente em Chipre, agora em 1998: dois agentes foram presos na região costeira de Zigi ao espionarem manobras das forças armadas cipriotas gregas. A polícia encontrou equipamentos de espionagem no apartamento deles. Libertados no ano seguinte.
Imad Mughniyeh, um alto comandante do Hezbollah, foi assassinado em 2008 por uma bomba que explodiu o carro em que viajava, em Damasco, Síria. Mais um crime atribuído ao Mossad. Israel negou sua culpa.
Outros assassinatos atribuídos ao Mossad, não confirmados por Telaviv:
- Wadie Hadad, chefe do braço armado da Frente Popular pela Libertação da Palestina, na Alemanha Oriental , em 1978;
- Fathi Shkaki, lider do grupo Jihad Islâmico, em Malta, em 1995;
- Abbas Mussawi, líder do Hezbollah, em Beirute, em 1992;
- Khalil al-Wazir, líder e fundador do Fatah, também conhecido pelo apelido de Abu Jihad, na Tunísia, em 1988.
Em todos esses casos, foram cometidos delitos capitulados no Direito Internacional, pois a país algum é dado assassinar adversários no território de outros países. Por sua vez, a falsificação de passaportes é muito grave, pois compromete a confiabilidade de todo um sistema, fundamental para garantir segurança nessa época de terrorismo.
Estranhamente, os países onde esses crimes foram cometidos, com exceção da Nova Zelândia, foram lenientes, aplicando penas leves, logo suspensas, ou multas, sem chamar o governo de Israel à responsabilidade.
Desta vez, pode ser diferente
O crime não feriu apenas os direitos dos Emirados Árabes (Dubai é lá). Israel não vacilou em violar a soberania de países aliados (Alemanha, Reino Unido, França e Irlanda), ao falsificar passaportes emitidos por eles. "Um ultraje", no dizer de David Miliband, ministro de Relações Exteriores do Reino Unido. Ele e os ministros desta pasta dos outros quatro países desrespeitados requereram explicações ao governo de Telaviv.
Miliband chegou a recusar que o assunto fosse tratado sigilosamente como o embaixador israelense solicitou. E ainda ordenou que o SOCA (Agência de Investigações do Crime Organizado) procedesse a uma rigorosa investigação. Por enquanto, Israel limitou-se a dizer que não há provas.
É o que a polícia de Dubai acha que já encontrou. Segundo seu chefe, o general Khalfan: "Temos mais evidências, além dos vídeos e fotos já revelados. Os próximos dias trarão surpresas que não deixarão mais espaço para dúvidas".
Quando isso acontecer, Khalfan garante que pedirá à Interpol a prisão do chefe do Mossad.
Poderia incluir também o primeiro-ministro Netanyahu. Afinal, "Bibi" tem antecedentes que o incriminam. Sabe-se que, na primeira vez em que foi primeiro-ministro, autorizou uma ação análoga do Mossad: o envenenamento de Khaleed Menshal, na Jordânia. O que torna crível a informação do Sunday Times de Londres, em sua edição de 21 de fevereiro último: o primeiro-ministro teria desejado "boa sorte" aos membros do esquadrão da morte nas vésperas de sua partida para Dubai.
Como autêntico 007, o Mossad tem licença dos escalões superiores de Israel para matar onde quiser. Não é um procedimento aceitável num mundo civilizado.
Mesmo assim autoridades israelenses têm demonstrado confiança em que o crime de Dubai ficará por isso mesmo. Afinal, os países do Ocidente não iriam brigar com Israel só por causa da morte de um chefe do Hamas...
É bem capaz de terem razão.
Certo, o crime de Dubai envolve lesões graves às leis internacionais, aos direitos humanos, à soberania...
Mas, a verdade é que o Ocidente só costuma dar valor a esses princípios quando é para atacar seus adversários.
Luiz Eça é jornalista
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