Lula na Palestina: bolas na trave e uma dentro
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- Luiz Eça
- 26/03/2010
A recente viagem de Lula à Palestina foi fartamente divulgada pela imprensa, embora de maneira incompleta. Na TV, somente a Band News noticiou a condenação à asfixia de Gaza pelo bloqueio israelense. O Estadão e a Folha passaram por este fato como gato sobre brasas.
De resto, as visitas e comentários do presidente, de um modo geral, não passaram de um rotineiro programa social, ao qual não faltaram as platitudes de estilo. O que mais se comentou foi a pretensão de Lula ser a pomba da paz numa região onde ela inexiste há 62 anos.
Na verdade, Lula tem escassas credenciais para esse papel. Nem o Brasil é um país vizinho, portanto, parte interessada na paz da região, nem um dos países líderes mundiais, ipso facto, co-responsáveis pela solução dos principais conflitos internacionais.
Dizer que faltam idéias novas, como Lula garantiu, é brincadeira. Não é por falta de criatividade que o problema palestino segue insolúvel.
Posições francamente divergentes são os fatores da crise.
Os árabes querem um Estado palestino livre nos limites anteriores à guerra de 1967, de acordo, aliás, com a ONU, com a desocupação dos assentamentos judaicos na região e de Jerusalém Oriental. Mais: a volta dos palestinos e/ou seus descendentes expulsos pelo exército israelense, quando da fundação do Estado de Israel.
O governo de Telaviv aceitaria, no máximo, sair de alguns assentamentos mais ao norte; manter os principais, junto ao rio Jordão, oferecendo em troca terras no território de Israel; a volta de uma pequena parte dos exilados e a indenização (paga por outros países) dos demais. Jerusalém continuaria totalmente israelense.
Além de exigir (conforme Netanyahu já declarou) controle do espaço aéreo de toda a Palestina, que seria, ainda, um Estado sem exército.
Isso na melhor das hipóteses, caso o primeiro ministro repita condições de governos anteriores – algo bastante duvidoso – e consiga ainda convencer os partidos de ultra-direita, liderados pelo ministro Avigdor Lieberman.
Não é com idéias brilhantes de Lula que esse nó poderá ser desfeito. Mas em sua viagem ao Oriente Médio, Lula não se limitou à retórica inócua da pregação da paz ou à oferta pretensiosa de mediação. Ele tomou uma atitude firme e corajosa, à qual a grande imprensa deu pouca importância, ao recusar-se a visitar o túmulo de Theodore Hertzl.
Não importa as desculpas visivelmente arranjadas, foi uma atitude de alto conteúdo simbólico.
Hertzl foi o fundador do sionismo – doutrina pela qual os judeus do mundo inteiro deveriam constituir um Estado só seu. Foi inspirado nessa idéia que Israel foi fundado.
Isso ficou muito claro na Declaração de Independência do país, em 1948, e confirmado nas Leis Fundamentais, elaboradas pelo Knesset (parlamento israelense), em 1992, que definem Israel como um Estado judeu e democrático.
Seguindo esta lei, os árabes, cujos ancestrais habitavam o território de Israel há mais de 1.000 anos, foram em sua maioria expulsos de suas casas, propriedades rurais e negócios. Mais exatamente 600 mil deles.
Hoje, os árabes que ficaram representam 20% da população do país (eram mais de 90%) e lutam por uma Constituição que lhes garanta direitos iguais aos dos judeus, eliminando toda forma de discriminação.
É contra o sionismo, a base do regime judaico de Israel, que diversos países e movimentos islâmicos lutam, exigindo a volta dos árabes expulsos e a transformação de Israel em um Estado democrático em que todas as raças e confissões religiosas tenham direitos iguais. Essa é a posição de Ahmadinejad, que a apresenta de maneira desastrada, passando a idéia, a qual ele repetidamente negou, de que pretende atacar Israel.
Lula já deixou claro que sua defesa da criação de um Estado palestino livre e viável não supõe necessariamente a mudança do regime sionista de Israel, que é um fato consumado, com 62 anos de história e instituições sólidas. Mas se homenageasse Hertzl, ele estaria simbolicamente apoiando o sionismo e sua idéia de um Estado judeu, onde membros de outras origens seriam cidadãos de segunda classe.
Com sua recusa, Lula tomou partido e é isso mesmo que lhe cabe fazer. Se não está qualificado para mediar, está para ser ouvido pelo Ocidente - que o elegeu o homem do ano em Davos - e chamá-lo à razão.
Mostrar que no mundo moderno não é aceitável o direito de conquista, através do qual Israel assenhoreou-se da Cisjordânia, como é desumano o bloqueio de Gaza que a impede de voltar a viver.
E, sendo assim, um acordo terá de ser imposto ao Hamas e ao Hizbollah, para que reconheçam o direito de existência a Israel, mesmo que por razões pragmáticas. E a Israel para que aceite as decisões da ONU, retirando-se da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental e desbloqueando Gaza.
Os EUA teriam força para pôr Israel na linha. Basta deixarem de lhe fornecer os 3 bilhões de dólares anuais e as suas mais avançadas máquinas de matar. E se os EUA vacilarem, que a Europa aja, cesse todos os negócios com Israel, como fez com a União Sul-Africana.
Só assim, com pressão, e não retórica, poderá haver paz e justiça no Oriente Médio.
"He’s the guy", disse Obama. Pois que o "guy" vá adiante e continue dando mais bolas dentro no campo do Oriente Médio.
Luiz Eça é jornalista.
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Comentários
Senti falta de qualquer referência ao racha no PSOL por conta do candidato à Presidência. Será que neste espaço também tem censura aos escrevinhadores?
O fato de pertencer a um outro continente não isenta o Brasil de sua responsabilidade com a paz, com a ecologia e com outros assuntos de interesse mundial. Discordo do Obama em várias coisas mas quando ele diz que Lula é o cara, eu concordo.
Abraços
leila
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