Trabalhismo inglês volta a ser trabalhista
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- Luiz Eça
- 05/10/2010
Em 1900, o movimento sindical inglês e os partidos socialistas do país fundaram o Partido Trabalhista, lançando a candidatura para o parlamento de representantes da classe operária.
Em sua cláusula 4, o manifesto original do partido defendia a socialização das indústrias básicas, a intervenção do governo na economia, a redistribuição da riqueza, a ampliação dos direitos dos operários e educação e saúde públicas estatais.
O partido cresceu, participou de coligações e, no fim da 2ª. Grande Guerra, chegou ao poder com força suficiente para realizar seus ideais socialistas.
Assim, entre 1945 e1950, no governo trabalhista de Clement Attlee, foram estatizados o Banco da Inglaterra, as minas de carvão, a siderurgia, as indústrias elétricas, de gás e os transportes. Implantou-se o estado de "bem estar social" (welfare state) com a criação do Sistema Nacional de Saúde e a expansão da escola pública. No plano externo, o governo Attlee iniciou o desmantelamento do império britânico, dando independência à Índia, ao Paquistão, à Birmânia e ao Ceilão.
Posteriormente, no governo conservador de Margareth Thatcher, a maioria das nacionalizações foi revogada e os sistemas de educação e de saúde pública, bastante enfraquecidos por pesados cortes orçamentários.
Em fins dos anos 80, com o argumento de que o partido estava perdendo a classe média devido a suas posições radicais, uma ala passou a defender políticas de livre mercado.
Surgiu, então, o projeto do "Novo Trabalhismo" (New Labour), que acabou triunfando internamente sobre a esquerda do partido. E, na convenção nacional de 1992, a cláusula 4 (que pregava o socialismo) acabou sendo retirada.
Com essa nova face, os trabalhistas, liderados por Tony Blair, ganharam as eleições de 1997.
No governo Blair, com o "Novo Trabalhismo", reduziu-se ao máximo a intervenção estatal na economia e o partido alinhou-se à política externa dos EUA. Com isso, pouco se diferenciou dos conservadores. Talvez apenas nas áreas da educação e da saúde públicas, que foram recuperadas com pesados investimentos.
Depois de sucessivas vitórias eleitorais, Blair teve seu prestígio abalado pela participação inglesa na guerra do Iraque, rejeitada pela maioria da população. Seu sucessor, Gordon Brown, não resistiu à crise econômica de 2008/2009; sob sua liderança, o Partido Trabalhista, depois de 13 anos no poder, perdeu as eleições para o Partido Conservador.
Em fins de setembro, na convenção trabalhista de Manchester, as coisas mudaram. Ed Miliband foi eleito líder do partido, o que o tornará primeiro-ministro num eventual governo trabalhista, vencendo o establishment do partido e o blairismo.
Em suas intervenções, Ed não contestou explicitamente o New Labour, mas deixou clara sua posição contrária ao criticar os governos dessa tendência por sua postura demasiado tolerante diante do mercado financeiro e demasiado fraca diante da defesa dos direitos humanos.
Além disso, ele insistiu em afirmar ser parte de uma "nova geração" que chegava para mudar o partido.
Para malquistar o novo líder trabalhista com a opinião pública inglesa, os tablóides sensacionalistas ingleses chamaram-no de "Ed, o Vermelho", por ter sido apoiado pelos sindicatos. Mas, Miliband os desmentiu, declarando-se "de centro".
Não é bem assim. Ele não é esquerdista internamente, pois não faz parte do grupo socialista do partido.
Mas em termos da política inglesa, mais amplos, portanto, Ed tem posições bastante avançadas.
Como membro do parlamento, votou contra a guerra do Iraque. Como ministro da Energia e da Mudança Climática do governo Brown, afirmou que só permitiria a construção de novas usinas térmicas a carvão se se instalasse tecnologia impeditiva da emissão de gases poluentes.
Discursando em Manchester, ele concordou com a idéia do governo conservador de economizar 83 bilhões de libras. Mas não concordou que 2/3 dessa economia viessem de cortes no orçamento, o que prejudicaria os programas sociais públicos e geraria desemprego. Como alternativa, propôs o aumento dos impostos sobre os lucros dos bancos e taxação das grandes fortunas.
A política de apoio irrestrito aos EUA foi condenada por Ed Miliband. Declarou que, ao invés de a política externa inglesa ser norteada por suas alianças tradicionais, deveria se guiar pelos valores do partido, ou seja, a busca da paz e da justiça, posição por ele considerada fundamental. Na ocasião, Ed citou recente pesquisa em que 75% das pessoas atacaram a "subserviência" inglesa à Casa Branca.
"O povo palestino tem direito a ter um Estado com as fronteiras reconhecidas internacionalmente". Esta frase de um artigo escrito por Ed não deixa dúvidas quanto à sua posição face ao problema da Palestina. Como se sabe, as "fronteiras internacionalmente reconhecidas" são, conforme a ONU, as existentes antes de Israel invadir e ocupar a Cisjordânia. Ele foi adiante, condenando o bloqueio a Gaza e o ataque ao navio que levava suprimentos à região, qualificando-o como "uma desgraça", exigindo investigação internacional.
Completando suas manifestações sobre política internacional, o novo líder trabalhista declarou não ser possível uma solução militar no Afeganistão. O caminho seria negociações com "todos os partidos envolvidos, incluindo as forças do Talibã".
Finalmente, foram deixadas em aberto as possibilidades de uma futura coligação com os liberais com a proposta de modificação do sistema eleitoral conforme o desejado pela liderança deste partido. O que talvez aconteça bem antes do fim do mandato do governo dos conservadores. Eles estão iniciando um severo programa de contenção de despesas que poderá provocar a revolta da população inglesa e a saída dos liberais da coligação governamental, causando sua queda.
E assim os trabalhistas poderiam voltar ao poder. Dessa vez, com Ed Miliband, trabalhistas de verdade. Não semi-conservadores tipo Tony Blair.
Luiz Eça é jornalista.
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