Bush corrige a pontaria (4): o Irã
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- Luiz Eça
- 24/07/2007
“Damos aos governantes do Irã dois meses para cessarem todo tipo de apoio ao governo xiita do Iraque… Do contrário, uma severa guerra os espera”.
- Abu Omar al-Baghdadi, líder do Estado Islâmico no Iraque, grupo ligado à Al-Qaeda.
A nova política externa dos Estados Unidos no Oriente Médio pouco alterou o relacionamento com o Irã, que já era há anos considerado o inimigo número um. O que há de diferente é que a Casa Branca passou a financiar grupos terroristas sunitas em solo iraniano. Mais exatamente,o Jundulá, cujo líder, Abdel Malik Regi, é descrito por Aléxis Debat, expert em contraterrorismo do Nixon Center: “ele é parte traficante, parte talibã, parte ativista sunita”.
Estabelecido além da fronteira com o Paquistão, o Jundulá promove atentados na região norte do Irã, o Baluquistão, matando soldados iranianos e também civis como ocorrido em Zabedã em 14 de fevereiro, quando morreram 18 passageiros de um ônibus. Formado por membros da etnia baluchi, o Jundulá recebe fundos da CIA, conforme contou anonimamente ao jornal londrino Sunday Telegraph um ex- agente sênior da “companhia”. Financiando o terrorismo baluchi, o governo Bush visa desestabilizar o governo de uma região suscetível a apelos separatistas para criar condições favoráveis à invasão do Irã.
Que a opção militar é inevitável, poucos duvidam. Desde 2005 sabe-se, através de reportagens não desmentidas oficialmente, que a Casa Branca já tem prontos planos detalhados para o ataque. E, segundo Vincent Cannistraro, ex-diretor da CIA e do Conselho Nacional de Segurança, tropas especiais americanas disfarçadas já estão em território iraniano identificando possíveis alvos.
Por seu turno, Israel, diz o Times de Londres, já completou seus planos para destruir por ataques aéreos e terrestres as instalações nucleares do Irã.
As justificações da Casa Branca também já estão prontas. Altas autoridades vêm repetindo exaustivamente que o Irã fornece armas para os rebeldes sunitas matarem “our boys”. O Senado endossou essas acusações, até agora não provadas, em resolução - o que vale por uma verdadeira declaração de guerra. Absurdo, pois sendo o Irã ardentemente xiita, jamais auxiliaria os sunitas iraquianos, que promovem diariamente atentados contra a população xiita do país.
Outro “casus belli” elaborado pela propaganda americana é a recusa do governo Ahmadinejad em interromper seu programa atômico. Parece contraditório se lembrarmos que Bush vem revitalizando a infra-estrutura nuclear americana através do Nuclear Posture Review, com a colaboração do Congresso que, em junho de 2004, aprovou a continuação das pesquisas de mini-bombas nucleares.
Para a Casa Branca, é diferente. Os Estados Unidos - um país confiável, sério - jamais usaria armas atômicas senão em último caso. Já o Irã seria um “rogue state”, expressão que designa país que patrocina o terrorismo, desenvolve armas atômicas e bacteriológicas e ameaça, enfim, a ordem internacional.
Ora, o Irã não se enquadra em nenhuma destas acusações. Sequer está provado que seu programa atômico tenha objetivos militares.
Já os Estados Unidos, além de continuar desenvolvendo seus recursos nucleares para a guerra, apóia terroristas sunitas no Líbano – o Fatá al-Islam - e no Irã – o Jundulá. Usou armas químicas na invasão do Iraque e no cerco da cidade de Faluja e, ainda de quebra, entre 1945 e 2005 tentou derrubar mais de quarenta governos estrangeiros (de acordo com William Blum em Rogue State: A Guide to the World's Only Superpower).
Para os povos dos cinco principais países europeus – Inglaterra, França, Alemanha, Itália e Espanha –, os Estados Unidos é que são “rogue states”. Em recente pesquisa, eles foram escolhidos como o país que mais ameaça a paz mundial, recebendo 32% dos votos, o dobro do Irã, com 16,8%.
Na verdade, as motivações americanas são outras. O país depende cada vez mais das importações de petróleo. O consumo cresce desmesuradamente: de 19,7 milhões de barris por dia, em 2002, para 26,7 milhões previstos para 2020. As reservas são insuficientes – em quatro anos deverão se esgotar. Ora, o Oriente Médio responde por 68% das exportações mundiais e o Irã é o quarto no mundo. Ele é importante, não só pela sua produção, mas também pela sua influência na região, que lhe daria condições de paralisar o fluxo de petróleo para os Estados Unidos.
As pressões para a retirada das forças americanas do Iraque estão se tornando insustentáveis. Bush tenta ganhar mais tempo, visando forçar a aprovação da Lei do Petróleo, que poria o imenso potencial iraquiano nas mãos de empresas americanas, bem como a manutenção de bases militares no país para garantir os contratos petrolíferos.
De qualquer maneira, ele sabe que o governo xiita iraquiano, hoje seu aliado a contragosto, uma vez livre, vai se voltar para o governo xiita iraniano, ao qual está profundamente ligado. Com isso, o Irã e o Iraque poderiam formar um bloco xiita, poderoso e provavelmente hostil, que ameaçaria os interesses tanto dos Estados Unidos quanto das petrolíferas e de Israel.
Por sua vez, os iranianos parecem temer as novas sanções que o governo Bush pretende conseguir do Conselho de Segurança.
Eles continuam recusando-se a voltar atrás. No entanto, começam a admitir inspeções em algumas instalações nucleares secretas.
Até então justificavam sua atitude contrária com o temor de que os inspetores da ONU acabassem fornecendo informações aos Estados Unidos e Israel para os bombardeios que eles têm como certos.
Os negociadores europeus receberam com simpatia as novas demonstrações de boa vontade do Irã. São bons argumentos para seus defensores no Conselho de Segurança – a China e a Rússia. Mas Bush não desistirá facilmente. Ele conta com as novas sanções para afetar seriamente a economia do país. Sabe que isso só estimularia a linha dura iraniana a posições mais intransigentes que enfraqueceriam a imagem do país e atenuariam reações contra a invasão.
Mas atitudes extremas só deverão ser tomadas se a Casa Branca conseguir maneirar a situação no Iraque. Aí tudo aconteceria rápido, antes dos xiitas do Irã e do Iraque entrarem em acordo.
Enquanto isso, quase metade dos 277 navios da frota de guerra dos Estados Unidos está fundeada próxima ao Irã. Em aeródromos espalhados pelo mundo, milhares de aviões também esperam. Até quando? Aconteça o que acontecer, não é crível supor que Bush chegará ao fim do seu mandato, daqui a 18 meses, sem fazer nada. Ainda mais agora que começam a se espalhar boatos de que por volta do fim deste ano os iranianos poderiam enriquecer urânio suficiente para produzir uma bomba nuclear.
Luiz Eça é jornalista.
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