Israel: cada vez menos democrata
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- Luiz Eça
- 03/03/2012
A Constituição de Israel diz: Israel é um Estado judaico e democrata. E os árabes, que são 20% da população e vivem na Palestina há centenas de anos? Um país que exclui parte de sua população por razões raciais o que é?
Israel teve esse mau começo, mas, apesar de tudo, sempre foi considerado um país democrata. Está deixando de ser.
As leis criadas pelo governo do primeiro ministro, Bibi Netanyahu, estão tornando Israel um Estado autoritário. Os árabes vêm sendo mais discriminados do que nunca.
Há uma lei que permite às comunidades judaicas impedirem que árabes vivam entre eles. Outra lei proíbe qualquer instituição do Estado, incluindo escolas e teatros, de comemorarem o “Nakba”, termo árabe usado para descrever a perda de suas terras em 1948, quando Israel foi fundado. E o que dizer da lei que proíbe árabes palestinos de viverem com esposas judaicas em Israel, além de lhes negar cidadania?
Mas também os cidadãos de origem judaica são atingidos por leis totalitárias do governo Netanyahu. Uma lei em discussão limita os poderes da Suprema Corte, aumentando em troca o poder do executivo.
Para tirar uma simples licença de motorista, a pessoa é obrigada a jurar lealdade ao Estado, mesmo que ela seja, por exemplo, contrária aos assentamentos que o Estado judaico, sob o governo de Bibi, deseja manter.
Voltando à Suprema Corte, outra lei apresentada pela coligação governamental quer limitar o número de petições que as ONGs, inclusive as defensoras da paz e dos direitos humanos, podem submeter à Suprema Corte. Passando esse limite, por mais arbitrariedades que sofram, as ONGs não podem recorrer ao Supremo em busca de justiça.
E as ONGs que defendem os direitos humanos e a paz terão suas ações limitadas, pois nova lei reduz o volume de recursos que podem receber do exterior.
Comentando as novas leis, Tzipi Livni, ex-primeiro-ministro e chefe do partido Kadima, disse: “enquanto os países árabes estão tentando se tornar democracias, nós – com estas leis - estamos caminhando para uma ditadura.”
Talvez algo parecido seja o que Netanyahu gostaria de implantar para calar os partidos de oposição e os movimentos de defesa dos direitos humanos.
Ao mesmo tempo, ele procura assustar o povo com “a ameaça nuclear iraniana” para fazer esquecer os sérios problemas que o país enfrenta internamente. Com algum êxito. Mobilizados pela propaganda estatal, 43% da população declararam-se favorável ao bombardeio do Irã, enquanto 41% foram contra (embora só 19% aceitem atacar sem os EUA).
A verdade é que os problemas da população podem ser temporariamente escondidos, mas nem por isso desaparecem.
Entre as 32 nações da “Organização pela Cooperação e Desenvolvimento Econômico”, Israel tem o mais alto índice de pobreza e se classifica em 25º lugar nos investimentos na saúde. O índice de pobreza entre os israelenses árabes está entre 50 e 55%.
Desde os anos 80, o país começou a desmantelar sua rede de segurança social, tendência que foi acelerada em 2003, por Netanyahu, então ministro das Finanças. Enquanto reduzia os gastos em escolas, habitação e transporte, ele também reduziu as taxas pagas pelos ricos e pelas corporações.
A maior parte da riqueza nacional os governos israelenses vêm aplicando na colonização da Margem Oeste e das colinas de Golã (tomadas do Líbano), onde, de acordo com Shir Hever, do Centro de Informação Alternativa, Israel investiu cerca de 100 bilhões de dólares. Uma grande rede de vias secundárias, zonas de segurança e assentamentos murados foi construída nessas regiões.
Os moradores dos assentamentos recebem descontos nas taxas e subsídios nas locações; 15% do orçamento de Israel para habitações destinam-se a 4% da população israelense, que habita os territórios ocupados.
A grande desigualdade social – um punhado de famílias controla 30% do PIB - causou as manifestações do verão passado, quando 450 mil pessoas saíram às ruas exigindo reduções nos aluguéis e nos preços dos alimentos.
Leis que restringem os direitos individuais, cerceando suas possibilidades de defesa, são recursos típicos dos tiranos para controlar a insatisfação do povo e garantir apoio às suas políticas.
Por enquanto, a propaganda do governo não foi capaz de convencer a maioria da população do acerto de sua política de incrementar os assentamentos e negar a entrega da maior parte da Cisjordânia aos árabes.
Nas últimas pesquisas, a maioria dos respondentes apóia a fundação de um Estado palestino, ao lado de Israel; dois terços sustentam que Tel-aviv deveria fazer mais para promover uma paz justa na Palestina, tomando por base os limites de 1967, com mudanças de comum acordo com os árabes.
Por fim, 65% são a favor de um Oriente Médio totalmente desnuclearizado. O que é um ny touch paz freudiano para o primeiro ministro que deseja continuar sua produção de armas nucleares.
Há uma percepção geral em Israel de que, com Netanyahu, os problemas da população só se agravaram. Ele aproveitou o possível programa nuclear militar do Irã para ganhar a população, unindo-a em torno do seu governo para enfrentar o fantasma iraniano.
Conseguiu, em parte, conforme a aprovação de 43% ao bombardeio das instalações nucleares do inimigo. O que lhe dá força para multiplicar suas ameaças de ataque.
Mas vem fazendo isso desde 2003, a situação no front internacional chegou a um ponto de saturação, criando uma tensão internacional que não poderá ser mantida por muito mais tempo.
Neste ano, o affair iraniano terá de ser definido. Se tudo se acalmar, o povo, insatisfeito com a situação econômica e social do país, se voltará contra o primeiro-ministro. Se, ao contrário, Israel atacar, vai haver guerra na certa.
Ehud Barak, o ministro das Relações Exteriores, fala na perda de “somente” 500 vidas israelenses. Mas é um cálculo absolutamente enganoso. Muita gente morrerá em Israel e a destruição causada pela guerra só agravará os problemas do povo.
De nada adiantarão as leis que os partidos do governo estão apresentando em catadupas para garantir ao Executivo um poder incontrastável sobre os cidadãos. Enquanto houver eleições, haverá esperanças para Israel voltar a ser uma democracia.
Talvez uma democracia mais verdadeira. Que seja igualitária a partir da definição do Estado israelense, conforme 71% da população ouvida nas pesquisas: Israel é uma democracia dos judeus e de todos os seus cidadãos.
Luiz Eça é jornalista.
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