A saída de Putin
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- Luiz Eça
- 22/03/2016
A conferência de paz de Genebra 2 foi uma grande esperança que deu em nada. As chances dos sonhos de paz do povo sírio acabaram bloqueadas pela teimosia das partes.
Os rebeldes garantiam que sem a queda de Assad nem começavam a discutir. Os representantes do presidente sírio não admitiam a ideia de excluir Assad de um novo governo a ser eleito.
Genebra 3 começava sob maus auspícios. Os homens de Assad só se dispondo a discutir uma nova constituição. Os rebeldes ameaçando retirar-se.
De repente, Putin surpreendeu o mundo com um golpe de mestre.
Anunciou a retirada das forças russas da Síria. Só ficariam abertas sua base aérea perto de Tartus e a base naval de Latakia, cujos poucos aviões só fariam voos de rotina.
Putin explicou que sua missão fora cumprida. Com o apoio de sua força aérea, as tropas sírias de Assad e as milícias do Hezbollah haviam alterado o curso da guerra: da retirada em massa para uma ofensiva geral que estava fazendo os rebeldes recuarem em todos os fronts.
Em apenas seis meses os inimigos foram totalmente expulsos da região de Latakia, assim como da maior parte das províncias de Homs e Hama e de 400 cidades, além de três quartos de Alepo.
Ao mesmo tempo, Putin afirmou que a saída de suas tropas estava criando condições objetivas para o início do processo de paz.
Alguns comandantes rebeldes aplaudiram, mas por razões contrárias. Sem os aviões russos, o exército de Damasco ficaria mais fraco, permitindo aos rebeldes recuperarem o terreno perdido e voltarem a acuar Assad.
Logo Putin os fez perder suas esperanças. Mencionou que, sendo necessário, seus aviões voltariam às bases sírias em poucas horas, prontos para reverterem de novo a situação militar.
Enquanto isso, Assad sofreu uma decepção. Pensava que, com a preciosa ajuda aérea russa, acabaria ganhando a guerra e obrigando seus adversários a se renderem, aceitando uma paz desfavorável a eles.
Mas Putin pensava mais longe.
Sabia que o avanço contínuo das tropas de Assad, apoiadas pelos aviões russos, poderia chegar tão longe que não restaria aos EUA senão também entrar na guerra. Coisa que não interessava a Rússia, de modo algum.
Ele preferiu a posição conquistada para influenciar os dois lados a serem razoáveis e aceitarem uma paz, sem vencedor.
Agora, ele espera que Obama renuncie a seu mantra “Assad tem de sair” e convença os rebeldes moderados e seus amigos Turquia, Arábia Saudita e Catar a caírem na real. Aceitar Assad participando do governo de transição a ser formado com igual número de representantes dos dois lados.
Por sua vez, como disse um diplomata sênior do Ocidente ao The Guardian, “Assad poderá atuar na futura Constituinte, mas os russos sabem que ele não tem chance a não ser de ficar de lado, a certas alturas, do contrário haverá um beco sem saída”.
Claro, ainda há nos EUA vozes contando com que a Rússia pressione Assad a perder todos os seus poderes.
Aparentemente, Putin discorda. Ele acaba de enviar a Genebra um acadêmico, internacionalmente respeitado, Vitaly Naumkin, para ajudar a ONU a conduzir o processo de paz.
E Naumkin acaba de declarar: “nenhum lado no conflito poderá vencer – reconciliação é a única solução”. Verbalizou as intenções de Putin.
É uma frase de lógica incontestável. Seria fantasia imaginar que a Síria, que agora está vencendo, faça as pazes concedendo tudo ao outro lado.
Com sua saída brilhante, Putin reinseriu a Rússia no teatro do Oriente Médio, como um protagonista essencial.
Não parece inteligente promover negociações diplomáticas entre os países da região sem a participação de Moscou.
Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo