A guerra por uma linha vermelha
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- Luiz Eça
- 24/08/2012
Nos últimos dois meses, Bibi Netanyahu e seu ministro da Defesa, Ehud Barak, intensificaram sua propaganda de guerra ao Irã.
Diante da oposição de chefes militares, o premiê israelense declarou que decidir sobre uma declaração de guerra é função dos políticos que estão no governo. Aos militares, cumpre acatar ordens.
Tendo o presidente Shimon Peres afirmado que um ataque de Israel somente adiaria os planos iranianos de produzir armas nucleares, o que tornaria a atuação conjunta com os EUA necessária, assessores de Bibi praticamente mandaram-no se calar.
Disseram que Peres esquecera o papel do presidente em Israel, não deveria falar sobre o que não lhe cabia.
Preocupados com essa escalada do governo em direção à guerra, dois importantes pronunciamentos atingiram a opinião pública israelense.
Cálculos do Business Data Israel estimavam o custo da guerra em 42 bilhões de dólares, apenas em danos à economia. O que é muito para um país cuja receita em 2011 foi de 67 bilhões de dólares. Ainda mais porque esta estimativa não considera os grandes gastos a mais, decorrentes da alta dos preços do petróleo, criada pela guerra.
Por sua vez, Shaul Mofaz, líder do Kadima, partido de oposição, fez um duro pronunciamento antiguerra no Knesset (parlamento de Israel). “Nos últimos meses”, ele afirmou, “Israel tem promovido uma extensa e incansável campanha com o objetivo único de preparar o terreno para uma prematura aventura militar”.
Ele relacionou-a às eleições presidenciais americanas, insinuando que Bibi deseja usar o ataque ao Irã para favorecer Romney: “Senhor primeiro-ministro, você intenta uma crua, rude, improcedente, precipitada e arriscada intervenção nas eleições americanas. Conte-nos a quem você está servindo e para quê? Por que você está enfiando suas mãos nas urnas do eleitorado americano?”.
Condenou também os ministros pró-guerra por “fazerem ameaças e plantarem as sementes do medo e do terror”. “Senhor primeiro-ministro, você está criando pânico, tentando nos assustar e nos aterrorizar. E, na verdade, nós estamos assustados: assustados por sua falta de discernimento, assustados porque vocês estão executando uma política perigosa e irresponsável”.
Mofaz terminou advertindo sobre a possível retaliação que os civis israelenses teriam de sofrer caso houvesse um ataque não provocado contra o Irã por um programa de armas nucleares que esse país não tem.
Respondendo às advertências de militares e políticos, Ehud Barak afirmou que somente uns 500 civis deveriam morrer num contra-ataque iraniano, mas seriam muitas vezes mais caso o Irã viesse a ter armas nucleares.
O ministro da Defesa Civil, Maran Vilnai, repetiu Barak, em entrevista ao jornal Maariv. Falou que, desencadeado um conflito com o Irã, haveria uma chuva de mísseis caindo sobre as cidades israelenses, mas que matariam não mais do que 500 civis.
Refletindo esse clima, os jornais israelenses, na última semana, aventaram a possibilidade, ou mesmo probabilidade, de um bombardeio israelense antes das eleições americanas de novembro.
Em 15 de agosto, o jornal Ynet News publicou uma entrevista com uma alta autoridade anônima (analistas crêem que se trata de Ehud Barak) sobre uma proposta feita por Bibi de renunciar a um ataque unilateral. Obama precisaria apenas subir o tom contra o Irã.
E Obama topou. Em discurso na AIPAC (maior lobby judaico-americano), ele afirmou que os EUA não permitiriam que o Irã tivesse um programa nuclear e que Israel tinha todo o direito de agir independentemente.
Com isso, violou o art.2, 4º parágrafo, da Carta das Nações Unidas, que proíbe o uso de força e mesmo a ameaça do uso de força contra um país caso não haja perigo iminente por parte dele.
Esse artigo ficou um tanto desmoralizado depois que Bush, quando invadiu o Iraque, fez exatamente o que era proibido e não aconteceu nada.
Mas Bibi quis mais. Tanto o povo (conforme pesquisa), quanto os militares e vários líderes de opinião eram contra que Israel bombardeasse o Irã sozinho. Tudo bem se os americanos viessem juntos.
Isso traria grandes vantagens: com os poderosos aviões de Tio Sam mandando ver ao lado da força aérea israelense, os estragos seriam maiores, tanto nas instalações nucleares iranianas quanto em seus sistemas de lançamentos de mísseis.
De um lado, o programa militar do Irã seria atrasado por muitos e muitos anos; de outro, seu poder de retaliação seria muito menor, causando baixas igualmente menores.
Daí a proposta feita por Bibi: ele renunciaria a seus planos unilaterais desde que os EUA mudassem sua linha vermelha, tornando-a igual à de Israel.
Explicando melhor: a linha vermelha americana é o início do programa militar nuclear iraniano. Isso acontecendo, os EUA prometeram que atacariam. Já a linha vermelha de Israel é simplesmente a capacitação iraniana para produzir bombas nucleares.
Assumindo a linha vermelha israelense como a dos EUA, Obama automaticamente ficaria comprometido com o ataque ao Irã em prazo curto.
Mais do que se pensa, pois, para muitos experts na matéria, enriquecer o urânio como Teerã está fazendo demonstra capacidade nuclear.
E o Irã não vai renunciar ao enriquecimento do urânio, necessário para produção de eletricidade e objetivos medicinais. Mesmo porque as leis e acordos internacionais lhe dão esse direito. A jogada de Bibi é magistral.
Evidentemente, ele não espera que Obama concorde em mandar seus bombardeios e vasos de guerra contra o Irã antes das eleições. O povo americano está farto de guerras, reagiria mal se o seu país embarcasse em mais uma.
Isso poderia significar muitos votos em Romney, talvez a vitória da dupla R-R (Romney e Paul Ryan, seu vice). Tudo bem para Bibi que os americanos só ataquem depois das eleições.
Aceitando a linha vermelha israelense, Obama ficaria comprometido a participar do bombardeio assim que fosse comprovada a capacitação nuclear iraniana. O que seria logo.
Reeleito, será difícil para ele fugir à sua palavra. Teria de topar a solução dos linha-duras de Israel. Até agora Obama não respondeu se aceita ou não mudar sua linha vermelha.
Alguns analistas sustentam que Bibi vai esperar até setembro, pela reunião da Assembléia Geral da ONU. Será um excelente momento para Obama anunciar ao mundo que cedeu e vai aceitar a linha vermelha de Israel como sua.
Claro, ele pode negar-se, manter a posição estadunidense de considerar casus belli com o Irã só o início inequívoco de um programa nuclear militar.
Que, aliás, seria fácil de detectar: as agências de inteligência americana, com fotos e filmes de satélites, sensores e outros aparelhos superavançados de espionagem não deixam escapar nada do que acontece nas instalações nucleares do Irã.
Se, apesar dos compromissos, Obama insistir em ficar de fora, então Bibi atacará. Em outubro, logo depois da Assembléia da ONU.
Ele tem como certo que Obama acabaria intervindo. O temor de perder o voto judeu-americano é muito grande.
Especialmente na Florida, que é o estado com mais votos eleitorais entre aqueles seis que não têm um histórico de posição definida por um determinado partido e onde o voto judeu pesa.
Mas a entrada dos EUA na guerra só poderia acontecer num segundo momento, depois da retaliação iraniana e da morte de centenas, talvez de milhares de cidadãos israelenses. Barak já disse: morreriam muitos mais se o Irã construir seus armamentos nucleares.
De um modo ou de outro, a guerra parece certa. Sem motivo justo como a do Iraque. Possivelmente mais destruidora, porque o Irã não é o Iraque, tem um exército muito bem armado e superiormente motivado; seu povo, mesmo os oposicionistas, vai defender seu país, até por uma questão de orgulho nacional.
O que me faz lembrar uma frase de Karl Marx: “a História se repete com forma de tragédia”.
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Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.