Renúncia de Abbas trará resistência civil
- Detalhes
- Luiz Eça
- 28/09/2012
Pela 15ª vez desde 2003, Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, ameaça renunciar. Ele anunciou que seu gabinete deverá nomear um sucessor antes de sua partida para Nova Iorque, onde deve pedir o reconhecimento da independência palestina à Assembléia Geral da ONU.
Desta vez pode ser pra valer.
Na semana passada, uma grande manifestação de protesto contra o custo de vida e a administração da Autoridade Palestina agitou as cidades da Margem Oeste.
O povo demonstra claro desencanto em relação ao governo Abbas. De fato, a inflação e o desemprego estão em alta.
Recente relatório do Banco Mundial e do FMI fala em crise financeira, déficit orçamentário de 400 milhões de dólares e riscos de uma revolução social.
As duas instituições consideram as contínuas restrições israelenses a atividades privadas palestinas na área C (60% da Margem Oeste) a principal barreira a um crescimento econômico sustentável.
As negociações, previstas pelos Acordos de Oslo para a independência da Palestina, não saíram do marco zero, já há 20 anos.
Patrocinados pelo Ocidente, esses acordos, que datam de 1993, incluíam uma série de pactos de colaboração nas áreas de economia e segurança.
Pretendia-se que eles seriam um caminho para se chegar à paz no conflito entre árabes e judeus, através de uma série de etapas que concluiriam com a criação de dois Estados na região: um Israel seguro e uma Palestina independente.
No entanto, as negociações puderam sequer começar devido à recusa israelense em interromper a criação contínua de novos assentamentos em terras palestinas.
Os manifestantes que pararam diversas cidades da Margem Oeste, reclamando da inflação, do desemprego e do alto custo de vida, pediram também o cancelamento dos Acordos de Oslo.
Considera-se que eles contribuem para o estrangulamento da economia das cidades palestinas da Margem Oeste.
Esse tema foi debatido na última reunião do gabinete de Abbas, na qual ele comunicou sua decisão de renunciar. Não se chegou a um acordo, a decisão final vai depender do que acontecer na Assembléia Geral da ONU.
Os palestinos não aceitarão uma nova frustração dos seus projetos na ONU. Abbas continua favorável aos Acordos de Oslo, apesar de sua flagrante inutilidade.
Sua posição é clara: sem os EUA, que os apoiam, não se conseguirá nada. Por isso mesmo, ele já fez graves concessões aos interesses da Casa Branca.
Quando foi apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU o pedido de condenação de Israel por crimes de guerra em Gaza, baseado no relatório da Comissão de Inquérito, Abbas cedeu à pressão de Obama. E solicitou a retirada do pedido.
Abbas tem também sabotado as tentativas de união com o Hamas, que governa Gaza, indesejada por Netanyahu e Obama.
Ainda recentemente, ordenou a prisão de 70 membros desse movimento. E enviou ao presidente egípcio Mohamed Morsi uma carta protestando contra uma reunião entre o primeiro-ministro do Egito e o seu correspondente do Hamas.
Apesar das contínuas negativas de Netanyahu em interromper os assentamentos, o presidente da Autoridade Palestina jamais desistiu das nunca iniciadas negociações, proclamadas por Obama como a única solução para a paz.
O governo Netanyahu também é firme adepto de Oslo.
Ele se diz a favor da solução dos dois Estados, enquanto na prática garante que ela não avance. Para isso, vem demolindo casas e tomando propriedades palestinas, enquanto aumenta o número de assentamentos israelenses, até que cubram uma área tão grande que a ocupação represente um fait accompli.
Os palestinos, porém, ainda não desistiram de ser livres. Seu grande lance será agora, na Assembléia da ONU, quando têm as melhores chances de conseguir a vitória por larga margem.
Espera-se que mais de 120 países votem a favor do reconhecimento da Palestina como Estado não-membro.
Isso é inaceitável para Israel, pois seria, mais do que uma vitória moral dos palestinos, um primeiro passo no caminho da autodeterminação.
Como Estado não-membro, a Palestina poderá acionar autoridades de Israel nas cortes internacionais de justiça, entre outras prerrogativas.
O grande obstáculo será os EUA.
Pressionado por Israel, Barack Obama vai fazer de tudo para impedir a realização do objetivo palestino. Com isso, ganhará muitos pontos nas eleições, pontos que poderá perder caso Bibi saia mal...
Nova derrota palestina traria fatalmente o cancelamento dos Acordos de Oslo, coisa que uma eventual vitória ainda assim não garantiria.
Do fundo de uma penitenciária israelense, onde cumpre pena de prisão perpétua, Marwan Barghouti poderá, por fim, se fazer ouvir.
Ele é, sem dúvida, o mais importante líder palestino, o único respeitado pelos rivais Hamas e Fatah. Em fins de março deste ano, Barghouti enviou um manifesto ao seu povo, no qual dizia: nem a luta armada dos jihadistas, nem a cooperação de Abbas, o caminho que nos resta é a resistência civil.
“Não devemos mais colaborar de maneira alguma com as autoridades israelenses. Devemos acabar com a colaboração entre os serviços de segurança palestinos e as forças de ocupação, na manutenção da ordem na Margem Oeste”.
Ele propõe também o boicote a Israel, de seus produtos e instituições. E isso tanto nos territórios ocupados quanto em todo o mundo.
Evidentemente, propõe negar-se a participar de alguma nova tentativa de reavivar o chamado processo de paz.
Ao invés, renovar sempre o pedido de reconhecimento da independência da Palestina pelo Conselho de Segurança da ONU.
Quando fez seu apelo pela resistência civil, Bargouthi insistiu na necessidade da unificação do Fatah e do Hamas. Retirando-se Abbas, ficará mais fácil. Como também ficará mais fácil de a própria tese da resistência civil ser finalmente aceita.
Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.