Cartão amarelo para Israel
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- Luiz Eça
- 06/02/2013
Israel pode ser convidado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) a sentar-se no incômodo banco dos réus.
É o mesmo lugar já ocupado por governos da Sérvia e da Libéria, acusados e depois condenados pela prática de crimes contra a humanidade.
Na semana passada, a Comissão de Direitos Humanos da ONU emitiu a mais forte condenação sofrida pelos israelenses por violações de direitos humanos e das leis internacionais.
Desta vez, não se trata apenas de mais uma das centenas de críticas aos procedimentos israelenses, já anteriormente feitas, sem efeitos práticos, pois, levadas ao Conselho de Segurança, os EUA vetariam qualquer sanção ao seu “aliado especial”.
Depois de condenar a política de assentamentos de Tel-aviv, a ONU afirma que se trata de crime de acordo com o art.49 da Convenção de Genebra, que proíbe a transferência de populações civis para territórios ocupados. E explica: os assentamentos estão “promovendo uma progressiva anexação que evitará o estabelecimento de um Estado palestino vizinho e viável e sabotará o direito do povo palestino à autodeterminação”.
Mais adiante: “Israel precisa iniciar imediatamente um processo de retirada de todos os assentados na Cisjordânia e cessar a construção de novos assentamentos na Cisjordânia sem precondições”.
Em seguida, o relatório passa a advertir Israel das consequências da sua recusa, pois: “o Estatuto de Roma dispõe que a corte criminal internacional tem jurisdição sobre a deportação ou transferência, direta ou indireta, pelo poder ocupante de parte da sua própria população para o território que ele ocupa, ou a deportação ou transferência de toda ou parte da população do território ocupado para outra área dentro ou fora do território”.
O relatório enquadra as ações israelenses nessa situação.
Unity Dow, um dos juízes da Comissão de Direitos Humanos da ONU, coautor do relatório, declarou: “a magnitude das violações pelas políticas de Israel de desapossamentos, despejos, demolições e deslocamentos das terras mostra a natureza generalizada dessas brechas nos direitos humanos. A motivação, por trás da violência e intimidação contra os palestinos e suas propriedades, é expulsar as populações locais de suas terras, permitindo a expansão dos assentamentos”.
As leis contra esse tipo de ações já existem há anos e os palestinos nunca puderam fazer uso delas para processar Israel no Tribunal Penal Internacional da Justiça.
Só Estados têm esse direito – o que para a comunidade internacional eles não eram. Limitavam-se a recorrer à ONU, com resultados inócuos graças aos prestimosos serviços do bom Tio Sam aos israelenses.
Mas agora a realidade é outra. Com o reconhecimento do Estado palestino pela ONU, basta que ele ratifique o Estatuto de Roma para poder responsabilizar Israel perante o TPI por sérias violações dos direitos humanos e das leis internacionais.
Portanto, Abbas, o presidente da Autoridade Palestina, está com a faca e o queijo nas mãos. Esta até surpreendente atitude do Conselho de Direitos Humanos da ONU vem num momento em que Israel está em conflito com o organismo.
Em março, o governo de Tel-aviv negou-se a permitir que os representantes do Conselho entrassem na Cisjordânia para investigar os efeitos dos assentamentos na população palestina.
Israel agravou a situação quando decidiu, em novembro, boicotar a Revisão Periódica Universal. Trata-se de uma reunião quadrienal, na qual é analisado o estado dos direitos humanos em todos os países membros do Conselho.
A decisão israelense é algo absolutamente sem precedentes, pegou muito mal, até os EUA ficaram surpreendidos. Divulgou-se extraoficialmente que apelaram para Israel voltar atrás.
Por enquanto, Tel-aviv não muda de opinião. Mantém o que disse em março: o Conselho de Direitos Humanos teria um viés contra os israelenses, tanto é que publicara mais resoluções contra eles do que contra todos os outros países juntos.
O que se explica facilmente: Israel deu muito mais motivos para condenações. Lembro ainda que o Conselho tem se mostrado imparcial, pois também já criticou fortemente a Síria de Assad, o Irã e o Hamas, inimigos de Israel.
Coincidentemente, com o sinal amarelo imposto pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU a Israel, novos fatos agravaram a situação dos direitos humanos na Cisjordânia.
Em diversas manifestações pacíficas recentes dos palestinos, o exército israelense foi acusado pela ONG judaica B. T’Selem de atirar sem necessidade, ferindo muita gente e até matando civis inocentes.
Claro, fontes do exército negaram. Mas foram praticamente desmentidas por uma testemunha absolutamente insuspeita. Nada menos do que o Comandante em Chefe do Exército Central de Israel: o major-general Nitzan Alon.
Em memorando aos seus oficiais-comandantes na Cisjordânia, ele recomendou que, devido a incidentes que resultaram na morte de diversos cidadãos inocentes, eles deveriam “mostrar comedimento” e “respeitar estritamente” as leis do exército.
E o major-general Alon advertiu também que mortes injustificadas estavam desgastando a legitimidade dos militares israelenses aos olhos tanto da sociedade israelense quanto da comunidade internacional, e poderiam ser o combustível de violentas demonstrações por parte dos palestinos sob ocupação.
O major-general Alon parece sentir que o excesso de abusos cometidos por seu país está passando dos limites.
O recente cartão amarelo aplicado pela Comissão de Direitos Humanos da ONU mostra que sua preocupação com o pensamento da comunidade internacional tem razão de ser.
Até agora, Israel sempre se considerou acima de qualquer suspeita. Praticou suas transgressões das normas internacionais com a certeza de uma impunidade garantida pelo guarda-chuva protetor dos governos estadunidenses.
Mas tendo a Palestina sido aprovada como Estado não-membro da ONU, as coisas podem ficar pretas.
A Autoridade Palestina tem todo direito legal de processar Israel na Corte Internacional de Justiça. Lá, os EUA não têm poder de veto. E os juízes da Corte têm fama de independentes.
A sorte de Israel está nas mãos de Abbas, o presidente da Autoridade Palestina. Não se sabe se ele tem coragem de desafiar os EUA, que o têm patrocinado.
E, ainda, enfrentar Israel, que certamente acabaria com a Autoridade Palestina e com os empregos, as honras e os proventos dos cargos de Abbas e seus ministros.
É também certo que Israel reteria os impostos que recolhe em nome dos palestinos e os EUA cortariam sua ajuda.
De outro lado, a pressão dos povos da Palestina e dos demais Estados árabes seria muito forte. Resistir a ela poderia forçar Abbas a demitir-se.
São muitas dúvidas. Não dá mesmo para saber se o cartão amarelo mostrado a Israel será seguido por um cartão vermelho. Ou se Abbas e os seus perderão esta chance de marcar um gol de placa.
Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.