Guerra da Síria: o day after é o problema
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- Luiz Eça
- 14/03/2013
Quando o Irã anunciou seu desejo de ajudar a negociar um acordo na guerra da Síria, o secretário-geral da ONU aplaudiu. No que foi imitado pela Liga Árabe, a Turquia e outros países.
Lógico, sendo um dos mais importantes apoios do presidente Assad, o governo de Teerã teria boas condições de influenciar o líder sírio a fazer concessões.
Inesperadamente, os EUA protestaram. O Irã é um país “do mal”, apoiador do terrorismo, ameaça à paz mundial! Argumentos de que ajuda a mais não faz mal a ninguém foram repelidos.
Ficou claro que o maior interesse dos estadunidenses não era acabar com um conflito que na ocasião já matara dezenas de milhares de sírios e lançara quase 1 milhão para os acampamentos de refugiados.
Na verdade, o que mais queriam seria destruir o principal aliado do Irã no Oriente Médio, deixando os aiatolás falando sozinhos.
Por sua vez, os rebeldes somaram com a Casa Branca, pois só lhes interessava a rendição incondicional.
Como diz o velho ditado inglês, “it takes two to tango” (são preciso dois para dançar o tango) e os iranianos, só sendo aceitos como mediadores por uma das partes, tiveram de fazer as malas e sair de cena.
Mas seus diplomatas não ficaram inativos. Conseguiram promover uma reunião na Alemanha com a Rússia e o presidente da Coalizão Nacional Síria (SNC na sigla em inglês), o principal grupo rebelde.
E, melhor ainda: esse cidadão, Moaz Al-Khatib, declarou que estaria disposto a se reunir com representantes de Assad para discutir a paz.
Isso não seria de graça. Al-Khatib exigia que, previamente, fossem libertados dezenas de milhares de prisioneiros políticos e renovados os passaportes de oposicionistas cancelados. Parece que a maioria dos membros da direção do SNC não gostou.
Al-Khatib respondeu que pretendia evitar “mais banhos de sangue” e que não pretendia negociar a permanência do regime, mas seu afastamento “pelo mais baixo custo em sangue e destruições”. A rejeição dessa proposta pelo governo estadunidense não surpreendeu mais ninguém.
Afinal, sendo promovida com grande participação do Irã, representaria uma vitória diplomática de um país que os EUA pretendem isolar da sociedade global, como um verdadeiro pária, um “rogue state”.
Como se previa, os rebeldes continuaram rejeitando qualquer compromisso com o governo sírio. Al-Khatin não falou mais nada.
Os meses passaram e, no mês passado, o próprio governo Assad retomou a questão, garantindo que estava pronto para discutir a paz.
Washington não perdeu tempo em protestar. John Kerry, o novo secretário de Estado, aproveitou sua viagem pela Europa para bombardear a nova proposta de paz.
Em Londres, afirmou que não era séria. Em Berlin, chegou a mentir: “Assad recusa-se a negociar uma solução política”...
E partiu para uma demagogia, digamos, exagerada: “Ele (Assad) não quer vir e negociar, quer apenas assassinar seu povo”.
Nas duas cidades, Kerry prometeu que os EUA se envolveriam mais na guerra, apoiando os rebeldes.
Muito bem, diria você, por que então os americanos não mandam alguns superjatos para pulverizar as esperanças de Assad? Ou, pelo menos, porque não armam os rebeldes?
Pouco antes da reeleição de Obama, Hillary Clinton e o ex-diretor da CIA, David Petraeus, demitido por intrigas sexuais, lhe apresentaram uma nova estratégia para a guerra da Síria. Propunham que os EUA armassem e apoiassem diretamente os rebeldes.
Falando no Congresso, tanto o então secretário da Defesa, Leon Panetta, quanto o chefe do Estado Maior conjunto das forças armadas, general Martin Dempsey, declararam seu apoio a essa bélica estratégia.
Obama vacilou, mas não decidiu nada. Claro, ele quer a derrota completa do regime de Assad, deixando o Irã sem seu aliado, Netanyahu abrindo champagne (não a israelense, muito ruim) e a Rússia sem um excelente mercado para suas armas.
Mas a própria Hillary Clinton, tão ardente na sua convocação dos EUA às armas, receia o Day After na Síria. Ela já preveniu: “a oposição vem sendo crescentemente representada por elementos extremistas da Al Qaeda”.
Bem que ela tentou dar um jeito nesse pessoal. Confiando no ruidoso apoio verbal que os EUA sempre deram à insurreição, ela, no ano passado, classificou a milícia Jubhat Al-Nussra como terrorista.
Esperava que, com essa condenação, o Jubhat, aguerrido grupo criado pela Al-Qaeda, caísse em desgraça, fosse renegado pelos demais rebeldes.
Aconteceu o contrário; 83 batalhões soltaram uma declaração oferecendo total solidariedade ao Jubhat e mandando os estadunidenses cuidarem de sua vida.
Os próprios líderes do Exército de Libertação Síria, a quem os EUA estão dando a maior força, manifestaram indignação pela rejeição de um grupo que eles vêm como aliado vital.
“O Jubhat Al-Nussra”, declarou Mosaab Abu Qatada, porta voz dos rebeldes,”defende os civis sírios enquanto a América não faz nada (...) A América só quer um pretexto para intervir nos assuntos sírios depois da revolução”.
Em várias cidades sírias, manifestantes carregavam cartazes que diziam: “Não à intervenção dos EUA porque nós somos todos Jubhat al-Nussra”.
Um batalhão rebelde, o “Homens Livres”, perguntou no facebook: “Por que os EUA não põem na lista negra as milícias terroristas do senhor Assad?”.
O grupo jihadista “Exército Sahaba no Levante” congratulou-se com o Jubhat pela “grande honra” de ser chamado de terrorista pelos EUA.
Com estas reações, os EUA perceberam que o poderio dos grupos islamitas radicais, especialmente os ligados à Al Qaeda, era mesmo muito grande.
Por isso mesmo, Obama teme fornecer armas a quem poderá vir a voltá-las contra os próprios doadores. Ou, pior ainda: pode usá-las para tomar o poder, depois da queda de Assad.
E um governo sob influência da Al Qaeda seria uma perspectiva ainda pior do que a continuidade de Assad.
Para Hillary Clinton e Petraeus, se fornecessem armamentos, inclusive tanques e canhões, os EUA acabariam pesando bastante no comando da insurreição.
Apoiando-se nos elementos secularistas e liberais, poderiam anular a força da Al Qaeda. Não há dúvida de que se trata de uma estratégia de alto risco.
Com armas e tudo, o lado estadunidense pode ser derrotado na disputa pelo governo da “nova Síria”.
Além disso, não se pode garantir que boa parte dos armamentos não caia em mãos indesejáveis. Provavelmente, o povo dos EUA não gostaria nada de ver seu país embarcando em mais uma guerra. A outra opção, até agora dominante, é deixar rolar.
Para os EUA, uma guerra sem fim ainda é melhor do que uma luta incerta no futuro, contra os incômodos aliados de hoje.
Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.