Com amigos assim, a Europa não precisa de inimigos
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- Luiz Eça
- 12/07/2013
Em 1950, o poderoso secretário de Estado norte-americano, John Foster Dulles, não vacilou em enunciar esse princípio da política internacional do seu país: “os Estados Unidos não têm amigos. Têm interesses”.
Em nome desses interesses, Obama ordenou (ou consentiu) que os serviços de segurança da zelosa NSA (Agência Nacional de Segurança) grampeassem os escritórios de 38 embaixadas e missões diplomáticas da União Europeia, França, Itália, Espanha, Turquia, Portugal e até da Ásia, como o Japão e a Coreia do Sul.
Todos fiéis aliados.
E não é que o indiscreto Edward Snowden dedou esta pouco amigável operação da espionagem yankee?
O estrago produzido, como se sabe, foi grande.
Os europeus sentiram-se como amigos traídos, tratados como se fossem adversários, cujas ações e intenções precisam ser conhecidas para serem enfrentadas adequadamente.
Na Alemanha e na França, particularmente, governos e oposições se uniram em ruidosos protestos.
Hollande declarou “inaceitável” esse tipo de comportamento entre aliados. Exigiu que a vigilância secreta da NSA fosse interrompida imediatamente.
Políticos alemães afirmaram que a indiscreta vigilância fazia lembrar os tempos de guerra fria, comparando o serviço secreto norte-americano com sua contrapartida da finada Alemanha Oriental, a Stasi, de tenebrosa memória.
Até a sempre amiga e carinhosa aliada, Ângela Merkel, saiu do sério, prodigalizando o governo estadunidense com uma ampla variedade de adjetivos condenatórios. E exigindo as mais completas explicações.
No início, Obama quis resolver numa boa. Com um sorriso nos lábios, disse que era uma questão sem importância. Afinal, todos os países da Europa espionavam os EUA e espionavam-se entre si.
Além disso, era tal a intimidade dele com os aliados da Europa que não precisava grampeá-los para descobrir suas intenções: um simples telefonema bastava.
E Obama negou-se a atender a Hollande, afirmando que a vigilância da NSA continuaria, já que não fazia mal pra ninguém.
Desculpas chochas, que menosprezavam a inteligência dos europeus.
Se os grampos da NSA eram dispensáveis, uma vez que por telefone Obama ficava sabendo de tudo, por que manter um serviço caro?
Que envolvia muitas horas de trabalho de muitas equipes especializadas e o uso de equipamentos tecnológicos de ponta.
Será que a economia dos EUA vai tão bem que pode gastar tantos milhões de dólares em inutilidades?
Sem contar o risco de eventuais, Obama diria, “incompreensões”, que poderiam causar mal estar, como de fato estão causando agora.
Obama poderia responder de outro modo. Desculpar-se, alegar que não estava a par dessas operações. Ou mesmo estar errado ao consentir na vigilância, à qual não dera importância, sem avaliar a possível gravidade do problema etc. etc.
Enfim, como se dizia antigamente: sair pela tangente. Não o fez. Jamais! Os EUA estão acima do Bem e do Mal.
Obama preferiu reafirmar a excepcionalidade norte-americana, cujos governantes são infalíveis no seu relacionamento com outras nações.
Seguiu o exemplo de George Bush (o pai), quando vice de Ronald Reagan, que contemplou o mundo com esta pérola: “eu nunca pedirei desculpas em nome dos EUA. Nunca. Não me importa quais sejam os fatos”.
Mas os europeus não ficaram nada satisfeitos com os fatos. Na França, líderes políticos, que vão desde a extrema-direita até a extrema-esquerda, botaram a boca no mundo.
E ao criticarem o grampeamento de sua diplomacia, apelaram em favor de Edward Snowden.
O Partido Verde pediu que a França concedesse asilo ao denunciante. Marine Le Pen, do partido de extrema-direita, declarou: “Se não dermos ao homem (Snowden) proteção, para que serve o asilo político”?.
O governo francês, por sua vez, pediu a suspensão da negociação de um pacto de livre-comércio entre Europa e EUA, com valores em torno de 127 bilhões de dólares, enquanto os norte-americanos não se explicassem satisfatoriamente.
O parlamento europeu também pediu o mesmo, aprovando ainda uma investigação sobre o caso dos grampos da NSA.
Na Alemanha, a fogueira não foi apagada pelas desculpas do presidente estadunidense.
“Os EUA estão dando um tiro no pé”, afirmou o jornal conservador alemão Frankfurter Algemeine Zeitung. “Declarar os escritórios da União Europeia um alvo de ataque legítimo é mais do que um ato de inimizade, de uma máquina que não conhece limites e pode ficar fora do controle dos políticos e dos tribunais”.
Merkel redobrou seus protestos: esse tipo de vigilância seria “um incidente extremamente sério” e a ideia de grampear informações de diplomatas europeus completamente “inaceitável”.
Mais uma vez exigiu que Obama viesse com explicações convincentes. Aí, o presidente viu que a coisa era séria.
Aposentou seu sorriso e concordou com uma rigorosa investigação pelos serviços de segurança dos EUA e da Alemanha, que correria em paralelo às discussões do pacto de livre-comércio.
Do alto de sua posição imperial, ele sabe que o resultado dessa comissão nunca poderá ser desagradável.
E os governos da França e da Alemanha, tendo a poeira baixado, nada mais terão a reclamar.
Afinal, Merkel não quer brigar com Obama – só exige um pouco de respeito. E Hollande precisa da boa vontade norte-americana para convencer o FMI a ser leniente nos acordos econômicos com a França.
Os fortes protestos dos dois governos europeus e a simples formação da comissão de investigação dos grampos já estão acalmando seus eleitorados, indignados com o atrevimento yankee.
Quanto ao pacto de livre-comércio, ele deve render cerca de 100 bilhões de dólares a cada uma das partes.
Interessa aos EUA, sim, para ajudá-lo a vencer a crise da qual começa a se descolar.
Mas interessa mais à Europa, que está num estágio ainda incipiente no processo de recuperação.
O dano maior será sofrido pelas empresas dos EUA provedoras de serviços de internet.
As corporações europeias temem, diante da espionagem generalizada da NSA, que seus segredos comerciais caiam nas mãos de concorrentes de além mar.
Notícias recentes informam que os europeus começam a sair do quadro de clientes dos provedores dos EUA.
Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.