Correio da Cidadania

Xiitas e sunitas, guerra e paz

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Hassan Rouhani, o novo presidente do Irã, declarou várias vezes que buscará a paz entre todos os muçulmanos. E que dará especial importância ao desenvolvimento de melhores relações com os vizinhos países do Golfo.

 

É uma boa notícia num momento em que a guerra sectária entre xiitas e sunitas está começando a pintar em diversos países do Oriente Médio.

 

A rivalidade entre as duas divisões do islamismo é quase tão grande quanto a que havia entre católicos e protestantes nos séculos 16 e 17, quando a Reforma se espalhou pela Europa.

 

Diga-se “quase” porque nessa época as guerras eram aceitas pela humanidade como uma forma normal de resolver conflitos.

 

Os princípios religiosos de sunitas e xiitas são exatamente os mesmos. As principais diferenças são meramente políticas.

 

Começaram na sucessão do profeta Maomé, que os xiitas queriam que fosse sempre alguém de sua família, enquanto os sunitas preferiam a escolha do mais digno dos fiéis.

 

Os diversos segmentos da seita sunita têm interpretações do Alcorão mais rígidas. Por outro lado, a estrutura do conjunto de clérigos e demais religiosos é bastante flexível. Há um direcionamento quase total para a religião, com frequente subordinação ao governo secular.

 

Por sua vez, com os xiitas acontece o contrário: a interpretação dos conceitos religiosos é mais livre, mas a hierarquia é organizada de forma mais definida. E, em geral, voltada para uma participação política.

 

Existem 1 bilhão de islamitas no mundo, sendo 85% sunitas e apenas 15% xiitas. No Oriente Médio, a maioria dos países é sunita. Apenas no Irã e no Iraque a religião oficial é xiita.

 

Há consideráveis minorias dessa seita no Iêmen, Bahrein e Síria. No Líbano, o número de fiéis de cada seita é mais ou menos o mesmo.

 

Guerras sectárias já se esboçam em diversos desses países, ameaçando passarem a uma abrangência regional.

 

No Iraque, o governo secular de maioria xiita está enfrentando fortes movimentos de protestos e atentados de sunitas, revoltados com perseguições que seu povo estaria sofrendo.

 

Na Síria, a situação é mais grave. A maioria do povo é sunita, havendo também um grande número de xiitas.

 

A esse credo pertence o presidente Assad, cujo governo é secularista e respeita todas as religiões.

 

Aconteceu na Síria uma revolução, cujo objetivo era instaurar a democracia. Sendo o governo sírio um importante aliado do Irã, os EUA, a França e o Reino Unido logo apoiaram a causa rebelde.

 

A Arábia Saudita, os Emirados Unidos e o Qatar foram além, passando a fornecer a maioria das armas usadas pelas forças anti-Assad.

 

Jihadistas sunitas de movimentos aliados ou similares à Al Qaeda vieram de vários países para lutar em favor dos rebeldes.

 

Por sua vez, Assad recebe ajuda de seus amigos iranianos. Como aqueles três países do Golfo e a grande maioria dos rebeldes são sunitas, e Assad xiita como o Irã, a guerra ganhou novos contornos: o que no início era democratas contra um regime autocrático, virou xiitas contra sunitas.

 

Ainda mais depois que, recentemente, uma reunião no Cairo, entre autoridades religiosas sunitas de vários países, proclamou a jihad (guerra santa) contra o governo de Damasco.

 

Pouco antes disso, o Hizbollah, movimento xiita libanês, havia entrado nos combates, enviando militantes que tiveram papel decisivo na conquista da cidade estratégica de Qusair, dominada pelos rebeldes.

 

Nos últimos 30 anos, houve várias guerras entre xiitas e sunitas libaneses. Chegou-se a um acordo, dividindo o governo do país entre as três religiões: sunita, xiita e cristã.

 

A rivalidade entre elas estava adormecida, não morta. Despertou quando os xiitas do Hizbollah atacaram o exército revolucionário sírio.

 

Já sucederam alguns choques entre grupos das duas seitas e entre sunitas e o exército libanês. Não será surpresa se uma guerra sectária acabar explodindo.

 

O sectarismo mostrou-se no Egito quando o ex-presidente Morsi anunciou sua permissão para cidadãos do país irem lutar contra Assad na Síria. E uma multidão enfurecida matou quatro pessoas e feriu dezenas da pequena comunidade xiita local.

 

No Bahrein, a população, em especial os xiitas, realiza manifestações de protestos há anos, reprimidas brutalmente pela polícia da monarquia sunita, que governa autocraticamente o país.

 

Os vizinhos Arábia Saudita e Emirados Unidos (ambos sunitas) acusam o Irã (xiita) de ajudar os revoltosos.

 

Há esperanças de que Rouhani consiga melhorar as relações do Irã com esses países, especialmente com os sauditas, as quais vão de mal a pior.

 

São eles os principais aliados dos EUA no Oriente Médio, depois de Israel. Ahmadinejad, o presidente que está de saída, chamou-os de lacaios dos norte-americanos.

 

De fato, o governo de Riad tem sido um prestimoso aliado do presidente Obama. E a razão principal é que precisa dessa amizade, pois teme o expansionismo do Irã e seu possível programa nuclear militar.

 

Por isso mesmo, existe uma base militar estadunidense no território saudita. Acredita-se que os sheiks locais possam mesmo confiar em Rouhani.

 

E isso não só pelas declarações moderadas e intenções pacíficas dele, mas também por sua estreita ligação com os ex-presidentes Rafsanjani, o centrista, e Khatami, o reformista. Os dois promoveram uma aproximação com a Arábia Saudita nos anos 90.

 

De qualquer maneira, as pazes entre Irã e sauditas não serão nada fáceis de conseguir. Não dependem só de Rouhani – sem o nihil obstat do Supremo Líder Khamenei, nada feito.

 

O próprio governo saudita teria de enfrentar a oposição dos linha-duras locais, marcados por anos de atritos com Teerã.

 

E Obama? Como reagirá?

 

Um Irã amigo da monarquia saudita será um adversário muito mais forte de Israel. Talvez Obama não ache isso ruim, mas o Israel, first dentro da sua própria coterie, é uma força extremamente poderosa.

 

Outro obstáculo a essa nova amizade está na guerra da Síria. Patrocinar protagonistas rivais não colaboraria em nada para que iranianos e sauditas viessem a se entender. Muito pelo contrário.

 

Embora improvável, Riad e Teerã unidos poderiam até convencer os dois lados em luta a um acordo, com base em concessões recíprocas.

 

Uma trégua na Síria também apaziguaria os ânimos xiitas e sunitas no Líbano... E afastaria as nuvens de uma guerra sectária no horizonte de todo o Oriente Médio.

 

Talvez seja excesso de otimismo esperar que Rouhani consiga convencer os seguidores das duas divisões do islamismo a esquecerem suas rixas históricas.

 

No mundo moderno, não existe motivo racional algum para impedir isso. Infelizmente, a razão ainda não pesa muito no comportamento das nações.

 

 

Leia também:

O Irã mudou, Obama também pode


Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

Comentários   

0 #1 EM DEFESA DO IDIOMAChauke Stephan Filho 03-08-2013 13:32
Prezado Luiz Eça

Suas mensagens com conexões para os seus artigos acumulam-se na caixa de entrada do meu correio eletrônico. Sabe por quê? Porque eu nunca as apago sem ler os artigos antes. Como nem sempre posso ler seus artigos, eles vão ficando lá, até serem lidos, o que acontece mais cedo ou mais tarde. Mas quero adverti-lo do uso irrefletido de certos termos no artigo em comento.

"Xiítas e sunitas, guerra e paz" foi mais um interessante artigo seu que acabo de ler. Conteúdo muito bom, mas não gostei da forma como você escreveu algumas palavras.

Está faltando consciência de sua parte em relação à necessidade de nacionalizarmos expressões de origem estrangeira. Você tem escrito palavras de origem árabe adotando a transcrição própria à língua inglesa, não ao nosso idioma. Por exemplo, você escreveu "jihad", "Bahrein", "sheiks"...

Que servilismo é esse para com a língua de George Bush? Por que prestar um serviço ao inglês e um desserviço à nossa língua? Você não deve copiar acriticamente anglicismos que vê na mídia.

Será que algum leitor seu iria dizer para você, assim:"Luiz, escreva 'Bahrein', não escreva 'Barém', não!"? Seria "Barém" uma criação esdrúxula? Essa palavra é tão estranha para a língua portuguesa quanto Camões, que já a usava por referência àquele país do Golfo Pérsico.

Ianques escrevem "Jihad". Eu e você não precisamos copiá-los. Nossa língua é outra. Nós devemos escrever "Jirrade". Por acaso alguém medianamente informado não saberia o que é um "Jirradista"?

O mesmo vale para "Sheik", palavra de grafia aberrante de que não temos a mínima necessidade. Qualquer dicionariozinho escolar mequetrefe traz essa palavra em sua forma lidimamente portuguesa:"Xeque".

Eu até sugiro, Luiz, que em vez de "Pen drive" você empregasse neologismo de minha autoria, bem formado, erudito:"Memobila". "Memobila" não é uma palavra linda?

Mas aí já seria querer demais, né?
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