Correio da Cidadania

Mortos e ausentes decisivos nas eleições de Honduras

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Observadores da União Europeia informaram que mais de 30% dos votos nas eleições presidenciais eram de pessoas mortas ou que deixaram o país há muito tempo.

 

Eles monitoraram o pleito, considerado transparente, apesar de muitas irregularidades. Mas não quiseram responder se os mortos e ausentes determinaram o resultado.

 

Como o placar foi 37% x 28%, a favor de Orlando Hernandez, subtraindo os mais de 30% de votos ilegais que ele provavelmente recebeu como candidato do governo, chegaríamos a uma decisão apertada, por diferença mínima.

 

Seja como for, continuam grandes as possibilidades de estas eleições pouco mudarem na história de Honduras, esta pobre nação.

 

Em 2008, o presidente Manuel Zelaya foi deposto por um golpe militar, sob acusação de pretender mudar a constituição através de um referendo para possibilitar sua reeleição. O que seria ilegal, conforme as leis locais.

 

Era falso, pois o referendo que ele propunha apenas perguntava se o povo, na seguinte eleição presidencial, seria favorável à convocação de uma nova assembléia constituinte.

 

A legalização constitucional da reeleição do presidente só poderia favorecer o sucessor de Zelaya.

 

O verdadeiro motivo do golpe era Zelaya, eleito pelo direitista Partido Liberal, ter mudado de lado, passando a assumir “ousadas” posições sociais, especialmente a reforma agrária.

 

O novo presidente, Porfírio Lobo, do Partido Nacional (conservador), tratou de recolocar Honduras no seu caminho tradicional, de parceiro das elites.

 

Em 2010, ele decretou o país “aberto para negócios” e fez aprovar leis que beneficiaram os investidores internacionais de maneira jamais vista.

 

Os resultados de sua política neoliberal não foram iguais para toda a população.

Considerando o universo dos trabalhadores registrados, o número dos que ganhavam salário-mínimo aumentou de 28%, em 2008, para 43%, em 2011.

 

Enquanto isso, os 10% mais ricos beneficiaram-se de todos os ganhos econômicos no país, nesse mesmo período.

 

Os programas do governo Zelaya em saúde pública e educação foram cortados. Hoje, 60% da população vivem em condições de extrema pobreza, sem acesso a esses serviços.

 

As taxas de assassinatos aumentaram 60% entre 2008 e 2011, chegando a 91,6 por 100 mil habitantes (Honduras é líder mundial neste quesito).

 

Para a organização Insight Crime, “o golpe precipitou a atual crise de segurança enquanto organizações estrangeiras de tráfico de drogas rapidamente aproveitaram-se do caos e da instabilidade política que se seguiram”.

 

Os traficantes e quadrilhas de assaltantes vêm agindo com a tolerância ou mesmo participação da polícia – 97% dos crimes permanecem impunes.

 

Com a proximidade das eleições de 2013, as forças de oposição se reorganizaram.

 

Foi fundado o partido Libre, para ser, conforme seu manifesto, uma alternativa aos partidos liberal e conservador, defensores dos interesses das 10 famílias oligárquicas e dos investidores estrangeiros, que controlam o país desde a independência.

 

Não podendo Zelaya, legalmente, ser candidato à sucessão do presidente Lobo, o Libre lançou sua esposa, Xiomara Castro.

 

Xiomara foi apoiada por esquerdistas, grupos liberais, sindicalistas, comunidades indígenas, estudantes e até por empresários como Adolfo Facusse, diretor da Associação Nacional de Industriais.

 

O programa do Libre era reformas – especialmente a agrária, desenvolvimento sustentável, direitos humanos, liberdades, redução das desigualdades e da pobreza, programas de saúde e educação públicas, pontos a serem inscritos numa nova constituição.

 

Seu adversário, Orlando Hernandez, do Partido Nacional (conservador), centrou sua campanha num tema bastante caro à população: a segurança.

 

O povo hondurenho não aguentava mais a onda crescente de crimes executados por cartéis de drogas, gangues de rua (as chamadas Maras), forças de segurança privadas e estatais, que mataram 67 advogados e 30 jornalistas, desde 2009.

 

Hernandez prometia tornar forças militares responsáveis pela “lei e ordem” no país, substituindo a polícia nessa função. E dura repressão ao crime.

 

Embora o exército tenha uma folha corrida manchada pelo golpismo, a imagem da polícia é muito pior.

 

Seu chefe, Juan Carlos “El Tigre” Bonilha, é acusado de liderar um esquadrão da morte. Além do envolvimento no golpe contra Zelaya, ele está implicado num grande número de violações dos direitos humanos.

 

Para Adrienne Pine,  professora visitante de antropologia na Universidade Nacional Autônoma de Honduras, a campanha eleitoral “...aconteceu num clima de extrema violência, no qual os ativistas do Libre, e outros que se opõem à situação de violência hondurenha, foram especialmente atacados e perseguidos”.

 

O Human Rigths Action tem documentado os assassinatos de pelo menos 18 candidatos e ativistas do Libre – desde o início da campanha, em maio do ano passado –, mais do que o total de todos os outros partidos juntos.

 

Contando com amplos recursos financeiros e os favores do governo, Hernandez usou de recursos pouco éticos, porém permitidos pelas leis do país: distribuiu enorme quantidade de presentes aos eleitores, inclusive muitos aparelhos para microempresários.

 

No dia das eleições, uma grande frota de veículos levou dezenas de milhares de eleitores de Hernandez aos locais de votação.

 

Desta maneira, apesar do entusiasmo maciço despertado por Xiomara, o candidato do governo conseguiu grande votação.

 

Foi estranho ele obter 9% de votos mais do que Xiomara, já que as pesquisas apontavam empate técnico.

 

Mas explicável: mortos e ausentes que “votaram” não costumam ser interrogados por pesquisadores...

 

O Libre protestou contra a fraude, secundado por uma grande manifestação popular, exigindo exame e recontagem dos votos. O que acabou sendo aceito.

 

É duvidoso que a comissão eleitoral, agora que os observadores da União Européia foram embora, proclame Xiomara presidente, caso a retirada dos 30% de votos ilegais faça a balança pender para o seu lado.

 

Mesmo que essa improbabilidade aconteça, é também duvidoso que Hernandez e os grupos donos do poder aceitem o resultado.

 

Ele já mostrou seu poder e sua falta de escrúpulos éticos quando, como presidente da Assembleia, promoveu a demissão de quatro juízes da Suprema Corte por votarem contra a constitucionalidade de uma lei de interesse do governo.

 

Os substitutos, escolhidos a dedo, apressaram-se a revogar a revogação...

A aposta é que Hernandez acabará sendo o próximo presidente de Honduras, na lei ou na marra.

 

Os analistas dizem que ele é ainda mais neoliberal do que Lobo. Boa notícia para os 10% mais ricos. Eles ficam devendo aos mortos e ausentes.

 

 

Leia também:

A ilegitimidade do novo golpe-fraude em Honduras


Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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