Um prego no caixão das negociações da Palestina
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- Luiz Eça
- 21/02/2014
Mais um passo foi dado no enterro das negociações de paz na Palestina.
Depois de renegar sua promessa feita a John Kerry, de moderar o ritmo da criação de novos assentamentos, o governo de Israel exagerou.
Divulgou uma lista de financiamentos aos assentamentos, dando prioridade aos novos assentamentos isolados.
Até agora, Israel vinha exigindo que no futuro acordo de paz os blocos dos maiores assentamentos, cerca de 80% do total, deveriam continuar no país.
Isso não era pacífico, os palestinos discordavam, Tel-aviv propunha trocas por áreas israelenses no deserto de Negev.
Não se mencionava os assentamentos isolados, espalhados pelo território palestino. Por isso, ninguém duvidava que eles ficariam sem discussão para o novo Estado da Palestina.
Agora, parece que nem isso Israel pretende conceder, pois não iria investir em regiões que passariam para outro país.
Nem mesmo o sempre compreensivo Abbas poderia aceitar esse inesperado encolhimento do futuro Estado palestino.
Mais do que isso, como os assentamentos isolados estão em todo o território, seriam uma sucessão de enclaves, ligados entre si por rodovias controladas pelo exército israelense, portanto, só acessíveis a palestinos mediante aprovação dele.
Não sei como os palestinos e israelenses moderados irão superar este bloqueio à paz que buscam alcançar nas conversações patrocinadas por John Kerry.
Por sua vez, o Hamas também pregou seu prego. Como se sabe, o movimento, governo em Gaza, está em vias de se reconciliar com o Fatah, que administra parte da Margem Oeste.
Espera-se que em breve formem um governo de coalizão, permitindo que um acordo de paz (cada vez menos possível) possa representar todos os grupos palestinos, não somente o Fatah, liderado por Abbas.
Somente assim esse acordo poderia ter viabilidade real. Mas vejamos o que aconteceu.
Tendo Abbas aceitado as preocupações de segurança de Israel ante uma eventual devolução do vale do Jordão, propôs que ficasse sob o controle de forças da OTAN, por tempo indeterminado.
Era de se pensar que o Hamas questionasse a escolha da OTAN, pois ela pertence ao Ocidente, que o rotula de terrorista, em vez da neutra ONU, representante da comunidade internacional.
Mas não, através do seu portavoz, o Hamas opôs-se à instalação de qualquer força internacional no vale do rio Jordão, junto à fronteira Palestina-Jordânia.
Foi uma posição radical, de quem visa conseguir muito entregando pouco.
Enquanto tudo isso acontecia para tornar inevitável o enterro das negociações de paz, Abbas, presidente da Autoridade Palestina, agiu em sentido contrário.
Em reunião com 250 estudantes israelenses, ele fez uma série de declarações positivas que provocaram palmas delirantes.
Primeiro, ele afirmou que não entendia porque Netanyahu estava tão furioso com a proposta de volta dos refugiados palestinos expulsos de suas casas e territórios pelo exército de Israel na guerra da independência.
Segundo historiador de Israel, trazido ao Brasil para conferências por uma entidade judaica brasileira, na verdade os palestinos não foram expulsos: apenas fugiram de medo.
Se fosse assim, o que muitos historiadores contestam, teriam bons motivos, depois de o exército judaico massacrar os habitantes de 30 aldeias árabes.
A respeito dessa gente, cujas famílias hoje somam 5 milhões de pessoas, Abbas declarou-se compreensivo com o problema que trariam à maioria étnica que o governo de Tel-aviv quer manter.
Por isso mesmo, a idéia palestina limitava-se a discutir o tema pensando numa solução mais pragmática: a vinda de parte dos refugiados e a indenização dos demais.
Também falou que Jerusalém Oriental não precisava ser separada da parte Ocidental.
A cidade poderia continuar como está, somente passando a ter duas administrações – uma israelense e a outra palestina.
Por sinal, uma idéia que nem seus comandados do Fatah aceitam, o que, por sinal, parece absurda. Já imaginaram a confusão, quando os dois poderes discordassem?
O que seria inevitável. De cara, seria preciso resolver se continuaria o despejo de moradores palestinos, cujas casas vêm sendo religiosamente derrubadas pelo exército de Tel-aviv.
Não querendo ter de voltar para casa de mãos vazias, Saeb Erekat, chefe dos negociadores palestinos, preferiu o caminho das ameaças.
Informou que, caso não saísse a declaração de independência da Palestina, a casa iria cair...
Os palestinos apelariam para um boicote econômico internacional de Israel, que, aliás, já vem funcionando com êxito, sob liderança de um movimento civil.
Seria algo como o que foi feito contra a África do Sul para derrubar o apartheid.
Em seguida, eles iriam à ONU e aos tribunais internacionais pedindo sanções contra Israel pelos inúmeros delitos praticados contra o direito internacional e os direitos humanos.
Declarou que o próprio Abbas já tinha preparado mais de 50 petições devidamente assinadas, somente para serem apresentadas no Tribunal Criminal Internacional de Haia.
Além disso, seria pedido o reconhecimento da Palestina como membro pleno da ONU na próxima sessão em setembro deste ano.
Erekat sabe que, com isso, Netanyahu teria de assumir o controle da área A da Palestina – atualmente com administração e segurança a cargo de Abbas – e da Área B – administrada pelos palestinos, com segurança pelo exército de Israel.
Aí, adeus colaboração da Autoridade Palestina no controle de atividades anti-Israel e na gestão, inclusive pagamento de salários, dos serviços públicos.
A anexação da Palestina por Israel seria inevitável, acabando a ficção de ocupação temporária, por razões de segurança, rebaixando ainda mais a cotação do governo de Tel-aviv na opinião pública do planeta.
Ninguém espera que Netanyahu fique passivo. Se todos os fatos acima acontecerem, ele certamente reagirá com grande agressividade.
O que provocará uma reação contrária de igual intensidade: a terceira intifada, desta vez vista de modo compreensivo pela comunidade internacional.
Comentando essa perspectiva, diz Erekat, o negociador palestino: “Se as negociações de Kerry falharem, a Autoridade Palestina entrará em colapso. Netanyahu terá de tomar nota e as coisas ficarão muito feias”.
Luiz Eça é jornalista.