Correio da Cidadania

Golpe suspeito na Líbia

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No dia 16 de maio, forças militares lançaram um ataque aéreo e terrestre contra milícias islâmicas em Benghazi.

 

Um dia depois, soldados pesadamente armados atacaram e tomaram o parlamento, em Trípoli, expulsando os congressistas.

 

As duas operações obedecem ao general Haftar, que fez uma proclamação, anunciando que pretendia apenas expulsar os islamitas e fechar o parlamento, cúmplice deles.

 

Sucessivamente, a poderosa milícia Zintan, as Forças Especiais e o comando da base aérea de Tobruk declararam-se solidárias ao general.

 

Mas o governo resiste. Inicialmente, marcou para 25 de junho eleições para a assembleia constituinte.

 

Com isso, respondeu a críticas à demora das eleições, limpando sua imagem de respeito à legalidade democrática.

 

Para enfrentar os golpistas, o chefe do Estado Maior das forças armadas, Nuri Abu Sahmain, apelou para a ajuda das milícias islâmicas. Mas a coisa está feia.

 

O general Haftar foi um dos principais comandantes do exército do ex-presidente Muhamad Kadafi nos anos 80.

 

Ele participou da campanha militar movida por Kadafi para derrubar o presidente do Chade. Com a derrota, Haftar e centenas de soldados líbios foram presos e internados pelos chadianos.

 

Tendo Kadafi se negado a fazer algo por ele, Haftar aderiu ao governo do país rival e foi liberado junto com seus homens.

 

Eles treinaram durante dois anos numa base do país, onde formaram um exército anti-Kadafi, o Exército Nacional Líbio.

 

Foi quando, misteriosamente, Haftar partiu para os EUA. Diz a CNN (4 de abril de 2011) que, segundo um antigo oficial da CIA e exilados líbios, os EUA estiveram envolvidos nessa operação.

 

Para o ex-enviado da Líbia, Aujali: “Os  norte-americanos o conheciam (Haftar) muito bem. Penso que trabalhar para a CIA pelo bem do seu país não é vergonha nenhuma”.

 

O website Chron (do Houston Chronicle) informa, em 20 de maio, que nos anos 90 o general declarou em entrevista à mídia árabe estar formando um exército para eliminar Kadafi, com assistência dos EUA.

 

Seja como for, Haftar viveu nos EUA durante 20 anos para reaparecer na Líbia, participando na revolução contra o ditador.

 

Depois da vitória, ele se opôs à nomeação do general Younes (desertor das tropas de Kadafi) para comandante do exército do novo regime.

 

Na ocasião, a milícia islâmica “Brigada dos Mártires de 17 de fevereiro” também foi contra. Fez mais do que isso: assassinou Younes. Houve suspeitas, não confirmadas, de que Haftar fora cúmplice do crime.

 

O estranho é que essa milícia foi contratada pela CIA para proteger o consulado norte-americano de Bengazi. Trabalharam mal, pois, como se sabe, foi lá que milicianos rivais assassinaram o embaixador.

 

Para vários observadores, inclusive Justin Raymondo (website Antiwar, 21 de maio) o movimento do general Haftar tem a assinatura dos EUA.

 

Além dos fatos biográficos de Haftar, Raymondo lembra que a apenas quatro dias do ataque uma força de 200 fuzileiros navais norte-americanos e dois aviões desembarcaram em base da Sicília, uma “equipe de reação a crises”, a pedidos do Departamento de Estado, para evacuar o pessoal diplomático, caso necessário.

 

Portanto, sabiam do golpe com antecedência. O que acrescenta mais dúvidas quanto a seu envolvimento. Mas por que estariam os estadunidenses patrocinando o golpe?

 

Poderia ser seu apetite por petróleo – a Líbia é um dos grandes produtores mundiais. Kevin Hall informa, no McClatchy Newspapers (16 de maio), que, num telegrama confidencial revelado pelo Wikileaks, os EUA pressionaram Berlusconi para vetar um acordo entre a petrolífera italiana ENI, de controle estatal, e a Rússia, para dar acesso ao petróleo líbio a Putin.

 

A ENI era a maior empresa do setor na Líbia. Esse telegrama foi anterior à revolução anti-Kadafi, e demonstra que já existia há tempos um interesse especial norte-americano no petróleo da Líbia.

 

As perspectivas políticas do país não eram as melhores para os interesses de Washington. Três anos depois da queda de Kadafi, a Líbia continua um caos. Pesadamente armadas pelos EUA e Estados do Golfo, as milícias deitam e rolam.

 

Além de terem assassinado o embaixador yankee, já raptaram um primeiro-ministro, tomaram os principais terminais de petróleo, tentaram separar a Cirenaica da Líbia e destruíram uma mesquita em Trípoli, à luz do dia, entre outros feitos.

 

Com muito esforço, o governo vinha aos poucos conseguindo tornar algumas milícias auxiliares do exército e recolher as armas de outras.

 

Enquanto isso, o processo para criação de uma Líbia democrática seguia, embora com dificuldades.

 

Nas eleições para a assembléia nacional, em 2012, a Irmandade Muçulmana foi quem conseguiu eleger mais deputados.

 

No entanto, sua maioria é precária. A luta acirrada entre dois partidos islâmicos e dois liberais acentua a insegurança no país. Vários primeiros-ministros se sucederam nos últimos dois anos.

 

A eleição de uma assembléia constituinte pode (se for realizada) abrir caminho para o fortalecimento das instituições nacionais.

 

Uma eventual vitória da Irmandade Muçulmana não seria bem vista pelos articuladores da política externa estadunidense.

 

Procurando limpar sua barra, a Casa Branca anunciou que os EUA não apoiavam nenhum dos lados: propunha negociações de paz entre eles.

 

Mas Deborah Jones, a embaixadora na Líbia, roeu a corda. Assumiu a defesa do bom Haftar.

 

Negando ser ele golpista, afirmou que o general queria apenas expulsar os radicais muçulmanos. Fechara o parlamento porque os congressistas seriam incapazes de fazer o serviço.

 

Terminou afirmando que, infelizmente, não havia nenhum mecanismo legal para o general Haftar poder promover sua meritória obra de salvação nacional.

 

Daí sua intervenção militar, não confundir com um golpe... Tio Sam continua o mesmo.

 

 

Luiz Eça é jornalista.
Website: Olhar o Mundo.

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