Correio da Cidadania

A luta contra o aumento das passagens em São Paulo: muito além de trinta centavos

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As lutas trazem consigo as possibilidades de constituir democracia num mundo em que a guerra e o controle dos pobres garantem o domínio pleno do mercado em conluio com os aparatos estatais. Por isso, autores como Antonio Negri enxergam as lutas como um poder constituinte que tensiona os marcos estabelecidos pelo que poder (que está) constituído.

 

Neste artigo vou traçar um breve panorama das lutas atuais na esfera pública brasileira, tendo como eixo a atuação do Movimento Passe Livre (MPL-SP) para delinear algumas perspectivas acerca do poder constituído que busca estancar as lutas em um ano de eleições municipais em plena crise econômica e com certa instabilidade política no âmbito nacional.

 

Sem desconsiderar a mobilização dos estudantes goianos contra a proposta do governador Marconi Perillo (PSDB) que prevê a atuação das Organizações Sociais (OSs) nas escolas estaduais e usa da repressão policial para cessar as críticas; as mobilizações das mulheres contra Eduardo Cunha; as diferentes iniciativas que buscam reparação contra o crime socioambiental cometido pela Samarco – Vale/BHP a partir do rompimento das barragens em Mariana (MG); ou mesmo a luta antimanicomial que pede a revogação da nomeação de Valencius Wurth como coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, atualmente podemos encarar São Paulo, estado e cidade, como epicentro das lutas desde o segundo semestre de 2015.

 

Com destaque para a mobilização empreendida pelos secundaristas a partir de novembro de 2015, bem-sucedida ao impedir o projeto de reorganização escolar proposto pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), e os protestos contra o aumento das passagens de ônibus organizados pelo MPL-SP neste mês de janeiro de 2016, duramente reprimidos pelas autoridades, que por sua vez não inauguram qualquer diálogo em torno das demandas apresentadas.

 

O MPL-SP compreende um movimento social autônomo (de qualquer vínculo partidário) e temático (com uma pauta específica clara: a tarifa zero). Esse movimento se estrutura desde o início dos anos 2000 e obteve algumas vitórias importantes, sendo talvez a mais marcante em junho de 2013, quando conseguiu reverter o aumento das passagens de ônibus em várias cidades depois de três semanas de mobilização permanente e progressiva, que também teve São Paulo como epicentro.

 

Em 2015, o aumento foi imposto pelo poder constituído e em 2016 estamos acompanhando as mobilizações em curso neste mês de janeiro, que têm novamente São Paulo como epicentro. Vale destacar que no Rio de Janeiro as mobilizações estão fracas, bem como parece o caso de Belo Horizonte e Vitória, onde existem processos de mobilização em curso contra o aumento das passagens. Interessa aqui destacar o que está em curso em São Paulo, que tem o prefeito Fernando Haddad (PT) como um elemento fundamental em dois eixos.

 

O primeiro eixo reflete as demandas de uma escala maior: a presidente Dilma Rousseff (PT) tem de lidar com um conjunto de crises, em especial política e econômica, e com um sentimento de indignação da população em relação ao seu governo. Tudo que a presidente não quer neste momento são mobilizações se alastrando pelo país.

 

Essa é uma preocupação clara de Dilma. A contar pela proximidade do carnaval, ela pode se mostrar aliviada no momento, em especial porque o prefeito de São Paulo, do mesmo partido, não poupou esforços para estancar o processo de mobilização democraticamente empreendido pelo MPL-SP, ainda em curso.

 

Para isso, Haddad juntou forças com Alckmin, que apresentou sua polícia com toda a capacidade repressora: vários feridos em alguns atos, uma manifestação que foi reprimida e dispersada na própria concentração, uma série de arbitrariedades e um tímido aceno para o diálogo da parte do prefeito, que começa pela imposição de um limite para a escuta e não parece ter ido em frente. Em suma, repressão policial e ausência de diálogo para engolir a pauta legítima da redução da passagem de ônibus.

 

Um segundo eixo remete à escala local: quero arriscar que existe um cálculo político de Haddad para reprimir e não dialogar com o MPL-SP em sua demanda específica. O prefeito em busca de sua reeleição considera que será tido como “menos pior” pelos que se enxergam como esquerda ou progressistas, em função de medidas como fechamento da Avenida Paulista aos domingos, ciclovias ou mesmo pequenos avanços na área de saúde.

 

Tendo garantidos esses votos, a postura conservadora ao tratar as reivindicações do MPL-SP lhe coloca na disputa pelos demais votos do eleitorado paulista. Isso pode explicar a ausência de diálogo e a aliança com Alckmin para reprimir as manifestações.

 

Assim, se conseguir estancar a luta pelo aumento das passagens, o prefeito Haddad atende um clamor da presidente Dilma e tenta se cacifar junto a um eleitorado conservador para se tornar competitivo.

 

O desafio do MPL-SP é manter o nível de mobilização, que não se dá somente nos atos, importantes, com uma configuração diversificada de táticas como atos-relâmpagos, fechamento de terminais e convites para que as autoridades participem de debates públicos, como nesta quinta.

 

É dessa capacidade constituinte de manter a mobilização, capaz de tensionar as decisões “tecnocratas” que favorecem máfias de empresas ou meros interesses de ganho eleitoral, que a democracia pode ser constituída em algum momento. A partir dos que estão embaixo e através das lutas. É o que está em jogo a partir de São Paulo neste início de ano, muito além dos trinta centavos.

 

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Marcelo Castañeda é sociólogo e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UERJ.

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