A política na toada do mercado: o fundo é mais em cima
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- Marcelo Castañeda
- 17/03/2016
O que mais podemos falar além da agonia do governo Dilma, que depende de um salvador do porte de Lula assumir o ministério da Casa Civil (e o próprio governo) para conseguir respirar nos aparelhos? Como disse em coluna anterior, o governo dela acabou antes do fim e se for até 2018 vai ser nas cordas e com seu guia e padrinho político à frente. Mesmo assim, a percepção das crises pode mudar na medida em que se adotem arroubos populistas, ainda mais num contexto em que a crise econômica parece dar um refresco ao Brasil a partir de meados de 2017, ano que algumas projeções indicam um pequeno crescimento, em especial por conta da eminente valorização das commodities que se inicia.
Numa semana marcada por manifestações contra o governo Dilma no domingo, delação de Delcídio na terça e o anúncio de Lula como ministro na quarta (posse nesta quinta), eis a dificuldade de traçar qualquer cenário quando de um dia para o outro tudo pode mudar.
Assim, procurarei falar de movimentos que estão em curso na esfera do mercado que influenciam de forma decisiva no terreno da política institucional. Quando me refiro ao mercado estou falando de empresas, em especial corporações, mas também de bancos de investimento, agências de risco e consultorias variadas que operam os processos de financeirização que caracterizam e dominam nossos tempos.
E quero deixar claro que não existe qualquer moralismo ou purismo que condene o mercado, na medida em que no contexto atual do capitalismo não existe governo sem mercado associado. Quero destacar que somente a inserção da sociedade no processo de tomada de decisão possibilita um contraponto ou uma abertura ao que posso chamar de conluio Estado/capital. Mas há dois movimentos associados ao mercado até a nomeação de Lula como ministro que gostaria de destacar. E, como disse, tudo pode mudar no momento em que este artigo seja lido.
Primeiro, o mercado quer que a cabeça do governo federal mude, seja através do impeachment, seja através de novas eleições. Isso se deve a uma desconfiança em relação à Dilma e ao PT, mesmo que o governo esteja fazendo tudo que é possível para implementar reformas e ajuste fiscal por meio de Nelson Barbosa, ministro da Fazenda, que literalmente substituiu Joaquim Levy, mantendo toda a política econômica.
Uma série de leilões e privatizações (portos, aeroportos e rodovias) estão em curso, por exemplo, e quase não se fala nisso. A Petrobras está sendo vendida aos poucos. As reformas (previdenciária e trabalhista) estavam sendo preparadas. A questão é que o impeachment pode não ser suficiente por conta dos envolvimentos cada vez mais marcantes de Michel Temer nas investigações da Lava Jato.
A princípio, essa disposição do mercado não parece mudar com Lula ministro. Neste parágrafo vou tentar esboçar alguns pontos que parecem vir junto com Lula ministro. Além de trabalhar na “articulação política”, sabe-se lá em que termos no contexto atual, e brecar a ânsia do impeachment, Lula vai conduzir o que estão chamando de “plano de reanimação nacional” contra a recessão e a perda de empregos que estão em curso.
Não é propriamente uma guinada à esquerda, em especial porque estará comprometido com diretrizes fiscais de Nelson Barbosa, ainda que Henrique Meirelles comece a ser falado como potencial substituto de Barbosa. Há uma sinalização de mais recursos para o programa “Minha Casa, Minha Vida” e o Programa de Aceleração do Crescimento, bem como ampliação de créditos para construção civil, sendo que a origem dos recursos promoverá uma “disputa” entre Dilma e Lula no que diz respeito ao uso das reservas internacionais do país, defendido pelo novo ministro, que pode emplacar essa medida, vista com repúdio pelo mercado, ainda que saudada por uma fração, ou seja, aquelas empresas que gostam de obras, as tais empreiteiras. No fundo, vamos voltar a 2006-2010 em 2016. Perspectiva de participação da sociedade: nenhuma. Tudo por cima. Participar só para defender o mito que, convenhamos, assume a canoa toda com Dilma a tiracolo.
Daí temos o segundo ponto, em especial no caso do impeachment ser contido com a participação de Lula em um grande acordo: se houver novas eleições ainda neste ano (porque se o TSE decidir ano que vem a escolha será indireta pelo Congresso), o mercado cada vez mais aponta que Marina Silve (Rede) seria a pretendente mais capacitada para operar a gestão do capital e implementar as reformas necessárias.
E falo isso porque, das três principais candidaturas de 2014, só restaria ela, já que Aécio Neves (PSDB) está sendo cada vez mais exposto negativamente, o que pode ser visto no repúdio à sua presença nas manifestações de domingo, bem como no seu envolvimento eminente nas investigações da operação Lava Jato.
Outros pretendentes tão “limpos” quanto Marina seriam Ciro Gomes (PDT), Cristovam Buarque (PDT) e alguém do PSOL (quem sabe Luiza Erundina). A imprevisibilidade dá as caras em relação ao PT, ao PSDB e ao PMDB neste cenário. Não ouso sequer relacionar possibilidades aqui.
Dados esses dois cenários, cabe destacar que as manifestações de domingo animaram as perspectivas do mercado (impeachment e novas eleições), pois foram as mais contundentes contra o governo Dilma, considerando as que foram realizadas até aqui pelos grupos que as organizaram a partir de março de 2015. A indignação contra o governo Dilma é justa ainda que o clamor pelo impeachment dos organizadores não seja tão fácil de ser concretizado, e essa concretização não passa apenas por um ato, mas muito mais neste momento pela posição do PMDB e principalmente pelos desdobramentos da Lava Jato.
Outra questão que merece atenção nas manifestações é a repulsa contra a classe política quase como um todo, indo além da figura de Dilma, o que pode ser visto na recepção hostil que a direita partidária teve nos atos, com vaias à Aécio, Alckmin e Marta em São Paulo. No mais, fragmentos vários que trazem todas as contradições de uma mobilização cujo chamado foca no PT e na figura da Dilma, com direito a extremos racistas, elitistas e viúvas da ditadura, que encobrem a heterogeneidade possível do ato. Juntando tudo que apurei até aqui, uma tendência é que o “acordo por cima” vai acelerar.
Por fim, é hora de destacar que a Lava Jato entra numa fase em que todos os partidos que passaram pelo governo federal parecem estar envolvidos nos esquemas de corrupção, o que deverá ser provado, claro. Não se trata de gritar "fora" mas pedir que tudo seja radicalmente investigado, e não só o PT, mas o PMDB e o PSDB e todos os demais partidos que circulam pela governabilidade desde FHC, bem como empreiteiras e bancos sempre dispostos a "ajudar" qualquer governo.
Se não tivermos capacidade de clamar por isso estaremos selando o grande acordo que já deve estar sendo negociado, principalmente pelo novo ministro, para estancar a sangria: ou cada partido corta na própria carne ou colabora para manter o status quo polarizado que não nos levará a lugar algum. Essa é a escolha que temos agora a fazer ao invés de defender os polos cada vez mais destacados entre tucanos e petistas em plena decadência. O mais provável é manter tudo como está, mas sempre podemos ser surpreendidos.
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Marcelo Castañeda é sociólogo.