Reflexões sobre a pandemia (1)
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- Marcelo Castañeda
- 23/03/2020
Passados os dez primeiros dias de intensificação dos casos da COVID-19, que entendo como momento de receber o maior impacto da mudança de rotina, bem como acompanhar o movimento das autoridades em diferentes níveis e a percepção dos que nos circundam em diferentes enredamentos nos quais operamos, valem alguns pontos como reflexão inicial:
1) Qualquer previsão é meramente especulativa no que diz respeito ao Brasil, principalmente quando levamos em conta (I) a comparação com outros países e (II) a condução do país neste momento, mas sobretudo por conta da sua extensão territorial e desigualdade, que traduz em um aumento da vulnerabilidade social.
2) Estamos no início de um processo que pode alterar profundamente nosso modo de vida, basta ver que na China que vinha apresentando registros de casos apenas relacionados a quem chegava do exterior, voltou a apresentar casos internos. A situação é inédita, em especial por conta da globalização, e me recuso a aderir à metáfora da guerra, que tende a nos deixar isolados e vendo o outro humano como uma ameaça em potencial.
3) Parece-me, ao contrário do que vejo na maior parte das análises com as quais tenho contato, que a pandemia é mais efeito do que causa da crise do capitalismo, esta que já se arrasta desde que Marx escreveu sobre suas dinâmicas em “O capital”, a partir de 1867.
4) A crise se constitui na forma de operar do capitalismo, em especial a partir dos anos 1970, quando se torna cada vez mais financeiro e virtualizado. Neste momento, as instituições aproveitam a pandemia para impor uma nova reestruturação produtiva. Conjugam implantação tecnológica com corte de funcionários, dando vazão a mais desigualdade e pobreza no movimento falimentar do sistema a fim de manter o lucro de cada vez menos organizações, em especial corporações globais.
5) Não é cedo para afirmar que o mundo que teremos quando a pandemia passar será radicalmente diferente do que tínhamos há poucas semanas. Nada será como antes.
6) No que diz respeito ao Brasil, seu caráter periférico e dependente do setor primário da economia se acentua e uma crise sem precedentes se apresenta, seja na economia, seja na saúde pública.
7) A crise é mitigada por esforços de governadores na medida em que o governo federal apresenta-se sem condições de coordenar efetivamente as ações de prevenção e tratamento da pandemia de modo condizente, seja pelas declarações do presidente, seja pela ambiguidade do seu ministro da saúde, que ora se apresenta como técnico, ainda que médico e representante dos planos de saúde, ora como político bolsonarista.
8) Na economia, nada de novo no front: sem dinheiro novo na economia por parte do governo federal que, até a última aparição de Paulo Guedes enfatizava a necessidade imperiosa de reformas que não apresentavam qualquer relação com a crise em curso, vemos que “investimento público” aparece como expressão proibida para o ministro.
9) Para completar o quadro, uma MP permite reduzir em até 50% dos salários de trabalhadores; e hoje começa a valer outra MP que permite a suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses em negociações individuais.
10) Os preços de remédios tendem a aumentar, bem como dos alimentos. Essa equação não vai fechar, pelo contrário, a proteção dos empresários é cada vez mais evidente, e o povo que se cuide do jeito que conseguir. É a concretização do desmantelamento da sociedade, facilitada pela pandemia.
Esses pontos são apenas considerações gerais. A pretensão é somente trazer elementos que não venho observando nas análises midiáticas e me colocar à disposição para debater com interlocutores que estejam disponíveis, até porque, como disse, trata-se de um primeiro momento em que muitos podemos estar sob o choque de mudanças abruptas.
Uma boa semana! Hoje é segunda.