Correio da Cidadania

2020 e a aceleração da política de morte

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O que é necropolítica. E como se aplica à segurança pública no Brasil -  Ponte Jornalismo
Escrever retrospectiva de um ano como 2020 é tarefa árdua para qualquer pessoa que queira esgotar todos os acontecimentos de um ano que reflete um tempo que se acelerou demais quando em algum momento do mês de março, com o anúncio da pandemia pela OMS, parecia que pararíamos todos, em especial porque, assustados pelo vírus declarado de forma equivocada pelos governos como inimigo invisível e cruel a nos perseguir sem piedade, paramos por alguns dias ou semanas. Mas não passou de ilusão de ótica.

Pela impossibilidade de pintar o quadro geral em suas diversas linhas e perspectivas, quero tocar especialmente na aceleração do tempo e dos processos de deterioração da vida em ano marcado pela pandemia do novo coronavírus que vai atravessar a virada de ano ainda de forma incontrolável. Cada vez mais, aliás, em sua segunda onda que mais lembra um tsunami a nos arrastar. Mais especificamente, falarei do contexto brasileiro, por ser onde me situo. Serei breve, tão breve quanto foi nossa pausa em março, mas não menos assustado.

O mundo não parou em março. Muitos pensavam que sairíamos melhor dessa pandemia, até impeachments de Bolsonaro se acumularam nas gavetas de Rodrigo Maia no novo morde-e-assopra que nos domina. O Brasil é o segundo país com mais mortes associadas à pandemia em uma primeira contagem, aquela que fica na superfície, pois vivemos também uma época de apagões estatísticos no país que adiou o Censo sabe-se lá para quando. A pandemia, por sinal, foi um pretexto perfeito. Esse é o retrato que temos no final de 2020, um ano em que o governo Bolsonaro adotou uma política de morte, não só em relação à pandemia, demonstrando que a desarticulação das políticas públicas de saúde é um projeto de morte, que tem na resistência às vacinas sua outra face.

Essa política de morte também pode ser vista na degradação ambiental da Amazônia e do Pantanal que queimaram como nunca em 2020, talvez em homenagem ao agronegócio que por enquanto sustenta a balança comercial e vai dizimando as populações tradicionais, bem como na incapacidade de pensar em políticas de inclusão de uma população cada vez mais marginalizada e depauperada pelo desemprego crescente.

Arrisco-me a dizer que talvez 2020 seja visto como um ano razoável no futuro, em especial se o auxílio emergencial cessar como alardeia Paulo Guedes em sua verborragia neoliberal. Eis um acerto que não foi criado pelo governo, mas muito bem apropriado por ele, e constituiu uma luta invisibilizada pelos setores tidos como progressistas, que preferiram assinalar o cabresto da popularidade de Bolsonaro.

A aceleração do tempo atinge a todos: para quem nunca teve muito descanso, os mais pobres continuam a viver perigosamente, agora expostos ao vírus e à miséria cada vez maior. Do lado da classe média, entre os que puderam ficar no home office, as mulheres cada vez mais exploradas nesta nova condição e, de um modo geral, um enquadramento nas telas de notebooks e celulares como se vivêssemos nelas. Os ricos lucram como nunca, os bilionários como Jeff Bezos, CEO da Amazon, triplicam lucros que já eram imensos. Acelera o aumento da desigualdade, as Big Techs surgem como as corporações que dominam baseadas nos algoritmos e na inteligência artificial.

Como disse um amigo querido, Diego Viana, num papo mediado pelas telas que permearam nosso cotidiano: o choque chegará depois. A fatura está emitida. A eleição de Joe Biden nos EUA talvez coloque Bolsonaro cada vez mais no colo do Centrão. Por mais incrível que pareça, o presidente brasileiro termina o ano de 2020 mais popular do que começou: abandonou vários aliados de primeira hora e até mesmo Moro zarpou do barco governista e agora aparece como possível salvador da pátria ao lado de outro outsider como Huck. Já ensaiam 2022 quando o ex-capitão tentará a reeleição.

Agora, resta saber como Bolsonaro conduzirá sua política de morte, que parece ser o que faz melhor – e, pasmem, isso gera popularidade. Bem, não é só isso que gera a popularidade de Bolsonaro, quem dera. Não há ainda uma associação direta entre o governo e a penúria cada vez maior em que vive o brasileiro, o que pode ser visto na pesquisa que mostra que 52% não vê responsabilidade de Bolsonaro pelas mortes na pandemia.

Enfim, como retrospectiva de um ano pandêmico, que começou (ou terminou) logo depois do carnaval, fico por aqui, acelerado, buscando pausas nos limites que as telas permitem. Melhor respirar porque o que vem por aí não me anima muito. Mas aí já vira prospecção. Até 2021.

Marcelo Castañeda é sociólogo e professor da UFRJ.

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