Correio da Cidadania

Pensando no que vem pela frente

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É difícil manter alguma serenidade na situação em que tomamos consciência de estar sendo parte de um experimento da política de morte que o governo brasileiro adota com a pandemia: sabota a saúde pública, não promove campanhas sobre a gravidade da situação, incentiva comportamentos que aumentam a incidência da contaminação, bem como tratamentos comprovadamente ineficazes para uma doença que não tem cura e nem sabemos ainda muito bem como opera no organismo.

Estamos sozinhos, cada um depende de seu bom senso, que por mais bem informado que seja, será apenas seu. O mais grave é que a estratégia de morte do governo brasileiro acaba por conseguir desmantelar o que já era frágil: os laços possíveis de associações para superá-lo. Ao desmantelar a sociedade, está conseguindo seu intento de nos privar do que é público em suas diferentes facetas. Os índices de popularidade em torno de 40% e as projeções de vitória em 2022 vêm mostrar que estão no caminho certo e isso se torna desesperador e, por vezes, paralisante.

E a culpa, no caso da pandemia, não é de quem “está sendo moralista” ao externar o seu bom senso de cuidado para o outro ou para os influencers que se divertiam nos festões de réveillon. Não devemos pegar exceções como padrão.

2020 foi um experimento de morte que nos serviu para mostrar que o que estamos fazendo para nos opor não está dando resultado. Precisamos, portanto, fazer diferente.

O que acumulamos até 2019 como formas de fazer política talvez sirva muito pouco frente ao que se clarificou em 2020 no contexto brasileiro, onde essa política de morte foi posta em prática de forma inédita no mundo, tomando emprestada a análise de Paulo Arantes. Resta saber quem arrisca sobre o que fazer em 2021. Não farei isso aqui.

O que temos pela frente?

Não sei tudo, mas é possível indicar algumas coisas. Primeiro, não há uma previsão para o início da vacinação e o processo levará 16 meses pelo plano de imunização apresentado (e aceito pela opinião pública, pouco se contestou já que foi tomado como uma vitória do STF a apresentação do mesmo). Isso nos coloca com um prazo para manutenção das condições atuais por todo o ano de 2021, o que tornará o ano difícil por si só. Podemos até pensar no plano como cabo eleitoral das eleições de 2022. No mundo invertido que o bolsonarismo manipula, sairá como o governo que nos curou responsavelmente, “sem pressa”, como disse o presidente.

Somado a isso teremos mais crise econômica: tudo indica aumento de inflação, término do auxílio emergencial, com aumento da miséria, pobreza e fome, sem falar no aumento do desemprego. Com o afastamento das relações em 2020, estaremos cada vez mais restritos à esfera virtual, perdemos o pouco que tínhamos em termos de articulação territorial para criar redes políticas alternativas a fim de organizar protestos e movimentos sociais. O que acontece geralmente fica no terreno, não menos importante, da solidariedade e da filantropia, ainda assim com grande queda em relação ao início da pandemia.

De outro lado, na política, apesar da importância das eleições congressuais no início do ano, estaremos ainda submetidos a um governo militar com contraponto eventual do STF perfazendo um jogo que visa a manutenção de Bolsonaro como alguém que precisa ser contido tanto pelos militares quanto pelos ministros do STF. O governo militar e da toga. Resta saber como conciliar essa dimensão política, que parece bem definida, com a intensificação da crise econômica que se apresenta.

Tudo indica que - seguindo uma tendência dos últimos anos - 2021 será pior do que 2020.

Marcelo Castañeda é cientista social e professor da UFRJ.

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