Correio da Cidadania

A barbárie em xeque

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Um ano agoniante com algum alívio no final. Mais de 500 mil mortes por Covid-19 só em 2021. É cada vez mais claro que temos um governo federal de destruição com a assessoria dos militares em guerra híbrida nos tendo como cobaias, associados aos economistas das ruínas neoliberais indo contra o movimento geral do mundo no contexto pandêmico que é de maior participação estatal na economia. Mas os sujeitos responsáveis pela destruição seriam somente esses? Claro que a rede é maior, mais complexa, mas sem esses “nós” dificilmente teríamos mortes na escala que tivemos no Brasil.

Só que isso já virou clichê de qualquer análise comprometida e que tenha os pés fincados na realidade. É o óbvio para quem não está enredado no fanatismo de robôs, mesmo que sejam humanoides a defender o seu representante da destruição, ou nos interesses econômicos que regem muitas das grandes mídias e suas escolhas informacionais. O que o ano de 2021 mostrou? Quero ressaltar que contra o horror existe resistência, talvez não no ponto de uma deposição imediata desejável do arranjo de poder que assumiu em 2019, infelizmente.

O que seria essa resistência? É sobre isso que quero versar nesse espaço de retrospectiva.

Em primeiro lugar, a vacinação antiCovid-19 que o SUS levou em frente, mesmo com todas as adversidades, é um exemplo. As curvas de óbitos e hospitalizações achatadas até então têm relação com esse esforço coletivo de uma estrutura diversa e vilipendiada, sem os recursos mínimos para operar. Mostra que sem saúde não há economia que sobreviva, e a nossa economia vai muito mal das pernas.

Nesse ponto, a promessa, ou aposta, do presidente na economia foi um tiro que saiu pela culatra. A economia derreteu, a inflação está nas alturas, e o governo derreteu junto, fruto da visão retrógrada de um ministro que parou na década de 1970 em sua visão ultraliberal em um cenário que mudou, em especial com a pandemia.

Nesse ponto, por conta da decadência econômica em suas diferentes escalas, não sabemos sequer se haverá um candidato à reeleição, tendo em vista que o mesmo despenca nas pesquisas. Isso seria uma boa nova, pelos motivos que não me deterei aqui, pois me volto aqui apenas para como a barbárie foi colocada em xeque.

Uma questão dessa resistência que ressalto aqui marcou o ano: remete às manifestações da oposição que começaram em maio com o movimento negro, em especial após mais uma chacina no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, e que ganhou corpo em quatro fortes atos nacionais de um “Fora Bolsonaro” entre maio e outubro, sinalizando que houve uma virada nas ruas e também nas redes.

Até 2020, os seguidores do presidente eram dominantes nos dois âmbitos durante o contexto pandêmico. Podemos dizer que houve uma inversão neste ano de 2021 e isso foi importante para colocar a barbárie vigente em xeque. A exceção a ser ressaltada foi o famigerado 7 de setembro que marcou uma inflexão do presidente que incentivou manifestações favoráveis: após suas bravatas emitidas, se recolheu em um papel cada vez mais ajustado ao establishment, tutelado pelo STF e pelos presidentes do Congresso.

Não há como deixar de mencionar que a volta ao jogo político eleitoral do ex-presidente Lula agitou o tabuleiro das eleições do ano que vem (o que devo tratar em outro artigo). Mas ficando em 2021, Lula trouxe, a cada pesquisa realizada, a capacidade de aglutinar um campo político de oposição ao atual presidente, sendo responsável por uma parte considerável da barbárie estar em xeque.

Enfim, 2021 foi um ano ambíguo, tão ambíguo quanto a mídia empresarial: bate em Bolsonaro e defende Guedes e suas reformas, em um movimento que não permite defesa e que vai provocando sua decadência cada vez mais evidente.

Posso dizer que termino 2021 com sentimentos ambíguos: a pandemia parece não ser mais a principal preocupação do brasileiro, mas a volta da inflação descontrolada, da ruína econômica, mesmo que seja a pá de cal no governo federal atual, é sinal de sofrimento à vista. Não é hora de paz e alegria ainda, mas de força e atenção.

Marcelo Castañeda é sociólogo e professor da UFRJ.

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