À guisa de comemoração
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- Marcelo Castañeda
- 04/11/2022
Sim, é preciso comemorar o resultado da eleição presidencial que consagrou a Lula seu terceiro mandato presidencial. Menos pelo que virá de seu futuro governo que se inicia em janeiro do que pelo que deixou para trás, ou seja, o governo mais sórdido da história política republicana brasileira. É um divisor de águas, uma tentativa de reviver a Nova República quase estrangulada, uma parada necessária nos planos autocráticos do atual presidente. Enfim, tantos termos podem ser mobilizados para marcar esse acontecimento.
Mas quero aqui destacar a grandeza de Lula. Porque só com ele, conduzindo uma frente política que se tornou ampla no segundo turno, conseguimos derrotar Bolsonaro e sua máquina governamental-cibernética. Lula sequer precisava deste movimento de ser candidato, mas entendeu o momento, que ia além dele. Isso estava óbvio desde que recuperou seus direitos políticos em 2021.
Como ouvi de um taxista que não acreditava em urna eletrônica, no dia anterior à votação, Lula nem precisava passar por isso, com dinheiro e recém-casado. No entanto, Lula foi um gigante, que mostrou que a estrutura digital armada e o despejo de dinheiro e disponibilização da estrutura de governo numa campanha podem ser derrotados pelo casamento de redes e ruas, fez campanha de rua como poucos, pulou e cantou e sorriu, se entregou a cada instante como se fosse o último e, de fato, conquistou seu terceiro mandato.
Uma vitória da alegria e do amor, sim, como ele havia proposto. Lula expurgou Bolsonaro do poder, mesmo que tudo indique que o bolsonarismo esteja entranhado em nossas vísceras e levará muito tempo para que consigamos lidar com esse fenômeno de forma a superá-lo. Mas isso não é assunto para esse texto.
O que veio no momento seguinte à eleição? Uma tensão com bloqueios de estradas por caminhoneiros insuflados ou pressionados por policiais sob a conivência inicial da Polícia Rodoviária Federal, a mesma que no domingo de eleição era super-rigorosa no Nordeste brasileiro para dificultar o voto do eleitor numa região em que Lula é muito mais forte. Essa tensão já estava inclusive “precificada” pelo mercado financeiro em caso de uma pequena margem entre Lula e Bolsonaro, mas, já no dia de Finados, passados três dias do pleito, quando escrevo esse texto, parecia estar diminuindo consideravelmente.
Muita coisa pode acontecer até a posse, mas esses mesmos oráculos do mercado financeiro garantem que haverá posse e as possíveis tensões de contestação do resultado não duram mais do que um mês. Se considerarmos que a bolsa subiu e o dólar caiu nos dois primeiros dias, essa tensão se dissipa logo, e outras mais virão. Esse é o nosso Brasil, país em que os mercados financeiros determinam o que vai acontecer enquanto esperamos que as instituições democráticas atuem de acordo com a Constituição – como vem ocorrendo, aliás.
Nesse sentido, parece que o papel do TSE e do próprio STF são importantes de serem destacados nesse processo eleitoral e também no período de transição.
Passado o frio na barriga da apuração e da tensão do “logo depois” imediato, é preciso que todos nós comemoremos em algum momento que essa página infeliz da nossa história tenha sido virada. Que seja o quanto antes, pois não vim aqui falar do futuro, mas, com a permanência do bolsonarismo, que fica estimulado com a ambiguidade da fala presidencial se negando em assumir explicitamente a derrota nas urnas — só “implicitamente” como disse seu vice, Mourão —, a tensão vai rondar a terra brasilis nos próximos tempos, logo faz parte parar e conseguir ver que ganhamos sim, que eles perderam. Faz parte comemorar.
Como será a transição? Quem serão os ministros? Como será o governo? Dá para se aventurar nessas questões, mas primeiro é preciso parar, e nada como o dia de Finados para isso (e como escrever me faz parar), e comemorar. Em breve voltamos com a programação normal.
Marcelo Castañeda é sociólogo e professor da UFRJ.