Projeto de José Serra sobre o Pré-Sal precisa ser observado pela sociedade
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- Paulo Metri
- 07/07/2015
“O petróleo tem abastecido, ainda, as lutas globais por supremacia política e econômica. Muito sangue tem sido derramado em seu nome. A feroz e, muitas vezes, violenta busca pelo petróleo – e pela riqueza e poder inerentes a ele – irão continuar com certeza enquanto ele ocupar essa posição central” – Daniel Yergin, chairman do Cambridge Energy Research Associates (CERA), no seu livro “O Petróleo, uma História de Ganância, Dinheiro e Poder”.
- 1. Abandono do valor estratégico e geopolítico do petróleo
Yergin já diz, no texto acima, que o petróleo tem valor não só pela extrema lucratividade que proporciona, mas também pelo poder que sua posse acarreta. Este poder é representado pela possibilidade de o país que o possui usá-lo como fator de convencimento de outros países em questões internacionais.
Inúmeras são as situações em que a posse do petróleo determinou decisões tomadas. A invasão da União Soviética por Hitler teve como um dos atrativos a possibilidade de acesso ao petróleo do Cáucaso. A luta dos nazistas no norte da África visava, também, o acesso a fontes de petróleo.
A superoferta de petróleo no mercado mundial no fim dos anos 80 e início dos 90 pela Arábia Saudita, em acordo com os Estados Unidos da América (EUA), derrubou o preço do barril para cerca de US$ 13. Com isso, a exportação de petróleo da União Soviética, que era sua maior fonte de receita, passou a representar menos divisas, contribuindo para a derrubada do regime soviético.
A Venezuela e a Rússia fecharam acordos internacionais atrativos, graças à garantia de suprimento futuro de petróleo que conseguem dar.
No momento em que o Brasil assina uma concessão petrolífera ou um contrato de partilha com empresas privadas está entregando o petróleo produzido, na totalidade ou em parte, para estas empresas e abrindo mão de qualquer ação estratégica. A empresa estrangeira não tem obrigação de entregar o petróleo por ela produzido no Brasil onde o Estado brasileiro determinar.
Este é um dos motivos porque o projeto Serra não deve ser aprovado, pois ele transfere a produção da Petrobras, sobre a qual o Estado brasileiro tem controle, para as empresas estrangeiras. Muitos acordos internacionais, benéficos para o Brasil, poderão ser assinados, desde que o país dê em contrapartida a garantia de suprimento de petróleo no médio prazo. Muitos países desenvolvidos não produzem uma gota de petróleo e são dependentes dele, sendo, portanto, potenciais candidatos a acordos.
No entanto, se o projeto Serra passar, o Brasil estará atendendo a estratégica de interesse dos EUA e se prejudicando, porque aquele país objetiva que o barril de petróleo esteja em um patamar baixo, pois ainda é importador, apesar de o óleo de xisto ter diminuído a importação. Alem disso, a Rússia, a Venezuela e o Irã, seus tradicionais opositores, sofrerão com a redução das suas receitas de exportação e, consequentemente, reduzirão suas capacidades de se contraporem aos EUA.
Finalmente, o Brasil estará entregando seu petróleo em época de superoferta, portanto, as vendas do petróleo brasileiro ocorrerão a baixos preços, o que faz com que valores pequenos de royalty, participação especial e remessa ao Fundo Social venham a ocorrer.
- 2. Transferência da reserva do Pré-Sal para o estrangeiro
O que quer, afinal, o projeto Serra? Quer resolver o problema da falta de reservas das grandes petrolíferas estrangeiras. Acabou a época em que elas tinham grandes reservas. Com a nacionalização das reservas no terceiro mundo, as empresas se transformaram em grandes petrolíferas sem petróleo. Espertamente, elas chegaram à conclusão de que a ocupação militar por seus países de origem em áreas petrolíferas, a fim de garantir o acesso às reservas, era custosa e politicamente inconveniente. Agir sorrateiramente é muito mais econômico e tem menos problemas políticos. Basta comprar algumas lideranças políticas, colocar a mídia do capital, à qual sempre tiveram acesso, para divulgar mentiras e não alertar para as verdades.
E o que faz o Brasil, neste momento? Graças à pouca conscientização política de seu povo, com a enorme contribuição da mídia tradicional alienante, o Brasil está entregando seu petróleo sem precisar de uma intervenção militar. No Iraque e na Líbia, seus povos podem dizer que suas reservas só estão sendo roubadas por interferência militar pesada. Aqui, entregamos por inocência total da população sobre o quanto os seus dias futuros podem ser melhores com o bom uso do Pré-Sal.
Com a aprovação do projeto José Serra, no futuro, poderemos até dizer que a área do Pré-Sal não irá mais fazer parte do mapa do Brasil. Ela não estará mais em Mar brasileiro. E a Marinha brasileira, o que fará, no futuro? Irá garantir a tranquilidade do roubo do petróleo brasileiro pelas petrolíferas estrangeiras? O projeto do submarino nuclear pode até ser cancelado, pois o “roubo legal”, aprovado pelo Congresso, poderá estar acontecendo e ela só irá evitar que roubem a carga que já nos foi roubada.
O silêncio das Forças Armadas brasileiras, em um momento como este, causa-me muita estranheza. Expliquem-me, por favor, senhores militares, o general Horta Barbosa foi um insano? Meteu-se em política quando não devia, ao sugerir o monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobras? Todos os militares que apoiaram o movimento “O petróleo é nosso” estavam exorbitando em suas funções?
O militar brasileiro sofre, hoje, da síndrome da culpa. Erraram ao imporem um regime ditatorial no período de 1964 a 1985. Sem discutir o passado, queremos ações deles com relação ao presente e ao futuro. É necessário que tenham opiniões sobre temas que não sejam diretamente relacionados às suas Forças, mas que interferem no futuro da nação brasileira.
Tais opiniões não precisam vir a público, mas a presidente Dilma e os senhores Renan Calheiros e Eduardo Cunha, assim como o presidente do STF, precisam ouvi-las para saber o desatino que, eventualmente, irão cometer. E o projeto Serra é um dos casos em que os militares deveriam se posicionar.
O que o senador José Serra conseguirá com a aprovação deste projeto será tão grandioso para ele próprio que, se eu fosse o senador Aécio Neves, votaria contra esta proposta. Sua aprovação credencia o senador Serra a ser o interlocutor preferencial do capital internacional no Brasil. Ele será visto como o político confiável, que encontra um “jeitinho” e resolve as grandes questões a contento. As portas estarão abertas para ele ser o candidato à presidência em 2018 do grupo à direita.
- 3. Quem tem pressa? Qual é a necessidade brasileira?
Chega a ser ridícula a alegação de técnicos a serviço das grandes petrolíferas que, se o Brasil não utilizar seu petróleo do Pré-Sal agora, terá grande prejuízo porque o petróleo perderá seu valor em poucos anos e, no futuro, será melhor deixá-lo no fundo do oceano do que produzi-lo, por não ter mais atratividade econômica.
No futuro, desenvolvimentos tecnológicos poderão possibilitar energias já conhecidas serem aproveitadas em setores consumidores, onde hoje se consume basicamente derivados. Contudo, nos próximos 50 anos, o petróleo ainda será consumido, no mínimo. Ele poderá não ser mais o energético dominante, mas ainda será um energético relevante.
Então, um planejamento estratégico de produção do Pré-Sal de máximo usufruto da sociedade brasileira deve se basear na produção através da Petrobrás. Isto porque é a empresa que compra no país. Todas as plataformas, desde o primeiro governo Lula, foram compradas no Brasil, enquanto nenhuma empresa estrangeira comprou uma única plataforma no Brasil, desde 1995, quando acabou o monopólio. E é a operadora de um consórcio que decide tudo sobre as compras.
O programa de conteúdo nacional não tem funcionado com as empresas estrangeiras. O que tem acontecido é a empresa estrangeira prometer comprar no país em determinado nível para poder arrematar a área e, na hora de comprar, alegar que os fornecedores brasileiros querem vender acima do preço internacional e com prazos de entrega superiores aos encontrados no exterior. Com esta argumentação, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) tem dado permissão para a empresa comprar no exterior, o que contraria o compromisso de compras locais. Em outros casos, elas aceitam pagar a multa constante do contrato, que não é das piores, por não atingirem o nível de compras locais prometido.
Além disso, a Petrobrás é a empresa que desenvolve tecnologia no Brasil, contrata engenharia aqui e emprega muitos brasileiros. E, mais importante que tudo, ela irá produzir na velocidade de máxima satisfação para a sociedade brasileira. Por isso, ela precisa ser a operadora de todos os consórcios do Pré-Sal, pois é a operadora quem toma todas estas decisões.
A verdade é que a diretoria da ANP, uma administração estrangeira dentro do setor público brasileiro, determina rodadas de leilões que serviram para deixar a Petrobrás completamente asfixiada financeiramente. A administração da ANP não dá valor a qualquer argumento estratégico e geopolítico. É o que se chama eufemisticamente de cooptação de um órgão público brasileiro por forças externas.
Para a minha pessoa, é triste ouvir tripúdios com relação à inocente população. Os adeptos do projeto José Serra dizem com uma tranquilidade digna de grandes atores que estão, somente, tirando da Petrobrás o “ônus” de ter que ser operadora única. Em primeiro lugar, a Petrobrás não tem vontade própria. Ela tem a vontade que seu dono, o povo brasileiro, escolher para ela ter. E, em segundo lugar, este povo a quer como operadora única de todos os campos do Pré-Sal, como foi determinado em 2010, pois esta posição é a que melhor serve para ele, o povo.
É interessante que, quando a lei do contrato de partilha estava sendo debatida, os entreguistas se rebelaram dizendo que a Petrobrás tinha de receber áreas só quando participasse de leilões.
Esta cláusula passou e é o atual artigo 12 da lei. Agora, estes mesmos entreguistas argumentam que a Petrobrás não precisa ser a operadora única porque ela pode ganhar uma área quando quiser. Eles devem estar seguros de que o governo não irá utilizar muito este artigo 12 por pressão deles próprios.
Então, surge uma nova investida para facilitar a aprovação do projeto Serra. À Petrobrás será dado o direito de querer participar do consórcio de determinada área, que será leiloada do Pré-Sal, e se irá querer ser a operadora deste consórcio. A questão é que as empresas estrangeiras têm certeza de que a ANP continuará fazendo rodadas de leilões sem explicação alguma para a sociedade. Eles terão o objetivo de a Petrobras ser obrigada a dizer que está sobrecarregada financeiramente e não poderá participar.
No entanto, o país já está abastecido por mais de 40 anos com as reservas atuais da Petrobrás. Produzir acima da necessidade nacional é possível e visará à exportação do excedente. Entretanto, exportar agora, além de ajudar a baixar o preço do barril, significará uma exploração sem se saber ao certo a reserva total do Pré-Sal, o crescimento da demanda futura brasileira, o número de anos de reservas, que devem ser preservadas. Ou seja, a ANP não mostra planejamento algum.
É preciso estar alerta para o fato que a Petrobras é uma empresa que compra bens e contrata serviços, basicamente tudo, no Brasil, enquanto as petrolíferas estrangeiras compram e contratam tudo que podem no exterior. Elas só deixam o royalty e a contribuição para o Fundo Social no Brasil porque são obrigadas. E estas parcelas são bem menores do que o lucro obtido com um campo. Vejo a notícia de jornal que o senador Ferraço exulta porque a Shell irá investir em um campo marítimo no seu estado, o Espírito Santo. Pouco será gasto no Brasil. Algum royalty e participação especial, pois é uma concessão, serão pagos para municípios, o estado e a União. Isto é muito pouco, pois ela poderia ajudar a alavancar o desenvolvimento regional.
Além de tudo isso, a questão é que, se a Petrobras não for a operadora única, muito do petróleo brasileiro e dos tributos a serem pagos ao país, com as destinações para saúde e educação, serão roubados. Não há modelo de aferição do petróleo produzido e do levantamento dos custos incorridos que sejam confiáveis, se não se tiver a Petrobras como operadora. Explicação deste fato com algum detalhe está no meu artigo “Prejuízos para o Pré-Sal decorrentes do projeto do senador José Serra”, publicado neste Correio da Cidadania.
- 4. A eterna insistência
O capital internacional e, no caso específico, as petrolíferas estrangeiras, não se conformam com este resquício de soberania existente na província Brasil. Não tiveram apoio político em 2010, mas, como veem fragilidade política no governo atual, resolveram atacar novamente. Assim, a ordem foi dada para os entreguistas nativos e a guerra não foi considerada vencida. Deste ponto, brotou a atual movimentação.
A persistência das petrolíferas estrangeiras é grande. Perderam em 1953, quando o monopólio e a Petrobrás foram criados. Perderam, em 1954, quando, estando no bojo dos que queriam depor o presidente Getúlio Vargas, este preferiu morrer a atendê-los. Com o presidente Juscelino, as petrolíferas colocaram o presidente dos EUA de então, Eisenhower, para sugerir o término do monopólio, sugestão esta que foi rechaçada de pronto. Com os governos militares, mantiveram-se hibernando.
Enfim, só ousaram voltar ao tema recorrente com FHC, tendo sucesso total. Aí, a Petrobrás descobriu uma reserva descomunal no Pré-Sal e, como qualquer sociedade minimamente soberana, o Brasil resolveu, para esta área, ter um modelo de contrato que permitisse um melhor usufruto para a sociedade brasileira. Notar que a proposta do senador Roberto Requião de retorno ao monopólio estatal do petróleo, pelo menos para esta área do Pré-Sal, com a qual eu concordo, não foi nem apresentada para votação. Contudo, seria a proposta que traria melhor usufruto para a sociedade brasileira.
As petrolíferas estrangeiras são poderosas. Trazem muitos consultores para as audiências públicas que não têm a mínima consideração com a sociedade brasileira, mas têm muita empáfia. Defendem só os interesses do capital. As matérias em jornais, revistas, telejornais e jornais de rádios só cantam louros para este projeto. Busco ajudar para que ocorra um debate mais profundo.
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Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania.
Blog do autor: http://paulometri.blogspot.com.br