Entre gritos e sussurros
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- Paulo Metri
- 12/12/2016
A política brasileira nos últimos tempos tem trazido enorme angústia à minha pessoa. O acirramento do debate é visto a olho nu. Ninguém ouve a opinião alheia, pois rotulam o interlocutor como inconfiável, alguém de onde nenhuma opinião correta pode brotar. Quando se começa a argumentar e o ouvinte é de opinião contraria ao que ele imagina que se está querendo dizer, na prática, a conversa acaba. É cansativo, pois o objetivo não é o de se avançar no conhecimento do problema, ouvindo argumentos plausíveis que eventualmente embasariam outros posicionamentos. O objetivo é doutrinar o “adversário” e fazê-lo mudar de opinião.
A grande mídia (jornalões, TV aberta, rádios e revistas com raras exceções) precisa moldar o Brasil para ser o mais propício à atuação do capital, inclusive precisa forjar o governante do Brasil que assumirá em 2018. Esta mídia manipula o mundo real para enganar a população. Contudo, como Lula é o campeão nas pesquisas de opinião, ela tem criado versões que o incriminam como ladrão. Ela só não esperava que 19 delatores o inocentassem, o que é pouquíssimo divulgado. Mas não para de conceber novos ataques. Esta comunicação de massa no nosso país é bandida, tendenciosa no mais alto nível e produz, como consequência, um contingente humano de pensamento uniformemente distorcido. Assim, seus componentes passam a ser estações repetidoras desta mídia. Eles têm o mérito de decorar todos os argumentos da “infalível” mídia.
Também, esta mídia pertence ao capital e é um instrumento de dominação da população por ele, o capital. Esta mídia busca parecer imparcial e a serviço da sociedade, quando não é. Fabrica “realidades” e a inocente população conclui a partir da ficção criada. Com a mídia que aí está, não é possível politizar a sociedade, o que obviamente seria benéfico para todos. Seria interessante, para cada questão, existirem análises mostrando diferentes vieses. Mas há o interesse de que isto nunca mude, pois é importante para os dominadores que a sociedade seja despolitizada, a ponto de votar em candidatos que irão prejudicá-la.
Assim, pode-se dizer que quem tem a mídia venal do seu lado pode estar redondamente errado, mas está do lado de alto falantes mais possantes. Está do lado do grito. E quem faz mídia contra-hegemônica sussurra. Este é o embate desbalanceado, detalhadamente planejado, que poderosos no Brasil vivem impondo há anos.
Notar que quem está do lado dos que gritam, uma vez que está com a maioria, chega até a tripudiar sobre os minoritários, os sussurrantes. Por exemplo, quando um sussurrante diz: “Lula tirou 32 milhões de pessoas da mendicância”, de pronto ouve-se: “Quem gerou este dado? O PT?” E, se é respondido: “Não, o IBGE”, na mesma hora, ouve-se algo como: “Mas estão todos retornando rapidamente para a mendicância”. Não citam que estão voltando em um governo temerário. Ou seja, não se está agindo honestamente na discussão, quer-se somente “ganhá-la”.
A manipulação da mídia chega a ser acintosa. Ela mente descaradamente como, por exemplo, a Previdência só está acumulando déficit porque tributos, que foram criados para financiá-la, foram repassados para outras finalidades. Não é verdade que o jovem brasileiro só conseguirá se aposentar se existir a reforma da Previdência proposta pelo malfeitor colocado no executivo, bastando, por exemplo, que sejam pagos menos juros da dívida. E a Petrobrás não precisa vender ativos para pagar sua dívida, como já foi provado pela Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), que a triste mídia nunca divulga suas opiniões.
Esta mídia, com auxílio dos deploráveis atuais poderes da República, que ela ajudou a se fixarem na estrutura, faz sua mais infame e vergonhosa investida contra nossa sociedade. Eles querem retirar a mínima proteção social existente no nosso arcabouço institucional. Mais brasileiros terão que pagar plano de aposentadoria, plano de saúde, colégio privado para os filhos e, assim, por diante. A vida ficará mais dura para a classe média e os indivíduos componentes da classe pobre morrerão mais cedo, terão filhos sem instrução e seus jovens morrerão sem se aposentar.
Analisando a manifestação de 4/12 passado, a Globo convocava as pessoas para dar apoio à Lava Jato. Esta é, na verdade, uma operação tendenciosa, pois, por exemplo, depois da enésima delação em que o Aécio é acusado, ele não é chamado nem para prestar esclarecimentos. Durante a manifestação, houve uma cobertura completa buscando inflá-la. Suponha que estiveram “salvando” a Lava Jato, em todo o país, 400.000 pessoas, um número exagerado. Estes são apenas 2% da população brasileira, o que não permite o canal dizer que “a sociedade brasileira se posicionou em peso contra a paralisação da Lava Jato”.
Uma curiosidade é que eu também não gostaria que a Lava Jato fosse paralisada. Gostaria que ela deixasse de ser tendenciosa. Creio que, após ter causado baixas no PT e de causar baixas no PMDB e em partidos menores, e apesar das últimas notícias que envolvem o PSDB, ela não andará mais. Não sei que desculpa será dada, mas ela tenderá, no máximo, a ser suave com os políticos do PSDB, como pode ser deduzido pelos sorrisos trocados por Aécio Neves e o juiz Sergio Moro na foto recente dos dois.
Olhando com lupa a manifestação de 4/12 do Rio de Janeiro, o grupo com integrantes mais abastados convocou os que se posicionam a favor da Lava Jato para irem a Copacabana, um bairro da classe média e alta, em um domingo, começando às 10 horas. Quem apareceu foi uma multidão de brancos, com a boca cheia de dentes, se jovens, com os músculos bem definidos, e se idosos, com pesos acima do recomendável, com roupas brancas, amarelas e verdes bem lavadas e passadas. Enfim, não era uma amostra representativa da população brasileira. As manifestações da esquerda são convocadas, em geral, para o centro da cidade e, na maioria das vezes, para a Candelária, começando às 17 horas, para atrair o maior número de trabalhadores do centro ou de outras regiões que passam por este ponto central.
Como já foi dito, ninguém do lado gritante quer ouvir a argumentação dos sussurrantes. Desconfio que se trata de uma agressividade enraizada em ódio. Vem à minha cabeça a certeza que há algo da luta de classes nesta discussão, o que explica o ódio exacerbado. A aversão da classe dominante a posições inclusivas e socializantes é gritante. No entanto, a classe média não precisaria endossar os interesses dos dominantes. Elementos da visão do mundo e da compreensão dos outros seres humanos estão nas escolhas das posições políticas, que são reveladoras do seu postulante. Mas, com esta mídia, o crescimento político da sociedade está comprometido. A racionalidade não está sendo utilizada, além da educação também não ser muito exercida. Enfim, é triste viver no meio da radicalização.
Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania.
Blog do autor: http://www.paulometri.blogspot.com.br