Correio da Cidadania

Não se fazem mais homens públicos como antigamente

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1.      Introdução

Setores econômicos possuem opções técnicas para as suas expansões, cada uma com diferentes aspectos positivos ou negativos. Estes aspectos consistem, por exemplo, em investimentos, custos, receitas, rentabilidades, desembolsos em moedas fortes, possibilidades de exportação, impactos ambientais, capacidade de geração de empregos no país, volume de compras locais e problemas tecnológicos a resolver.

O único objetivo que deveria nortear todo o processo de decisão de qualquer um dos setores da economia, sob o ponto de vista do administrador público, deveria ser o da maximização da satisfação dos interesses da sociedade. Este objetivo só ocorrerá em um setor com forte participação do setor privado, se existir uma agência reguladora do setor que verdadeiramente cuide dos interesses sociais.

Entretanto, no mundo real, existem dúvidas sobre a precisa definição dos interesses sociais e a gradação da sua satisfação, por conterem subjetividade. Situação esta comemorada pelos vendedores de soluções, pois seu produto pode ser mais facilmente camuflado como a melhor solução.

Atenho-me, especificamente, ao setor nuclear. De passagem, não podem ser esquecidas posições históricas do Brasil quanto ao uso da energia nuclear. A sociedade brasileira não se contentou em só assinar um acordo internacional contra o uso de artefatos nucleares, que seria suficiente para o propósito da não proliferação de armamentos nucleares. Nossa sociedade obrigou a si própria a não usar artefatos deste tipo, mesmo sem nenhum constrangimento externo, pois a Constituição de 1988 foi promulgada com esta proibição.

Desta forma, este trabalho se atém aos usos pacíficos da energia nuclear, basicamente, ao uso na medicina, na agricultura, na indústria e para a geração elétrica. Vale lembrar que o mercado mundial de bens e serviços do setor nuclear movimenta anualmente bilhões de dólares.

Nosso país tem urânio, a capacidade de enriquecê-lo e de fabricar elementos combustíveis e equipamentos para as usinas nucleares, além da capacidade de produzir radioisótopos. Com estas capacidades, ele pode participar do mercado mundial ofertando bens e serviços. É claro que encontrará fortes competidores neste mercado.
 
2.      Evolução do setor nuclear no Brasil

A posição brasileira em acordos internacionais, ao longo dos anos, foi sempre de extremo compromisso com a nossa sociedade. O evento mais característico da retidão de um representante nosso ocorreu com o Almirante Álvaro Alberto quando da proposição do governo estadunidense quanto às reservas do mundo de tório e urânio, chamada de Plano Baruch. Em resumo, este plano determinava que elas ficassem sob o controle de uma recém-criada, à época, agência internacional da ONU, sobre a qual os Estados Unidos tinham forte influência.

Nesta oportunidade, o Almirante votou contra a proposta, que ele chamava de "tentativa dos Estados Unidos de desapropriação das reservas" e propôs o Princípio das Compensações Específicas, que significava que nenhuma transação comercial com minerais estratégicos deveria ser realizada com o pagamento em moeda, mas através do fornecimento de tecnologia. Os países subdesenvolvidos, em geral donos de reservas, forneceriam o minério desejado em troca de tecnologia.

O Almirante Álvaro Alberto foi também o idealizador da compra escondida de três centrífugas para o enriquecimento de urânio, na Alemanha do pós-guerra, ainda sob o controle norte americano, e de trazê-las para o Brasil. Infelizmente, esta operação não resultou em sucesso. Contudo, ele já sabia, em 1954, sobre a importância desta tecnologia para o Brasil.

No ano de 1962, a criação do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), junto com a construção do reator de pesquisas Argonauta, concluído em 1965 com 93% de índice de nacionalização, representou uma reação do Brasil ao programa “Átomos para a Paz” dos Estados Unidos, que buscava criar dependência dos países em desenvolvimento àquele país com relação à tecnologia nuclear.

Dando um salto na história de uma dezena de anos, o Brasil, durante o governo ditatorial do General Geisel, em 1975, fechou o Acordo Nuclear com a Alemanha, que pode ter sido megalômano, mas tinha preocupação com a transferência da tecnologia nuclear para o Brasil. Como consequência desta transferência, por exemplo, o Brasil, há anos, fabrica as recargas de elementos combustíveis para as usinas de Angra I e Angra II. Durante a construção de Angra II, tecnologias foram absorvidas e uns poucos componentes foram fabricados na NUCLEP. Infelizmente, o conhecimento está sendo perdido por falta de continuidade na construção de usinas.

O auge deste processo ocorreu com a constituição do Programa Nuclear Paralelo. O objetivo último sempre foi dotar o país da potente arma de defesa, o submarino de propulsão nuclear. Sabe-se que nenhum país do mundo vende tecnologia militar. Assim, o Brasil foi obrigado a desenvolver as tecnologias necessárias para poder ter o submarino, basicamente o enriquecimento do urânio e a construção do reator compacto. O submarino necessita do desenvolvimento de outras tecnologias, mas, relacionadas com a energia nuclear e com alto grau de complexidade, são estas duas.

Com relação ao enriquecimento de urânio, o sucesso foi imenso, graças à equipe do Vice-Almirante Othon Pinheiro da Silva no Programa Paralelo. As ultracentrífugas desenvolvidas por este grupo tinham um desempenho melhor que as melhores existentes, então. Tomando o Vice-Almirante Othon como exemplo, seu maior valor não é a sua cultura técnica, nem a sua inventividade demonstrada. É, principalmente, o seu comprometimento com a sociedade brasileira. Ele, assim como outros membros da equipe, deve ter recebido propostas milionárias para descrever a solução tecnológica adotada. Como o tempo passou e não surgiram ultracentrífugas estrangeiras tão eficientes como as nossas, imagina-se que ninguém aceitou o suborno.


 
3.      Constatações

Esta primeira análise do setor nuclear evitou propositalmente entrar no debate da questão ambiental, não por ela não ser importante, mas porque iria se sobrepor uma discussão em cima de outra. Certamente, o tema merece uma discussão profunda.
Se há um setor brasileiro da atividade econômica em que, na maioria das situações, os tomadores de decisão, homens públicos, tiveram a preocupação com o atendimento da melhor forma possível para a nossa sociedade, este setor é o nuclear.

Infelizmente, a realidade atual do nosso país consiste do Executivo em conluio com o Congresso, a fim de implantar um misto de modelo neoliberal exacerbado, tendo como beneficiária a oligarquia interna, com um modelo externo entreguista, com as empresas estrangeiras como beneficiárias. O povo é totalmente alijado da discussão e desrespeitado, pois não lhe dão satisfação, mentem, camuflam propostas, tendo total auxilio da mídia tradicional e corrupta. Um vislumbre de esperança acabou de brotar nos corações fatigados por tanta tortura, que foi a greve geral de 28 de abril.

Com relação ao setor nuclear, os atuais mandatários no poder querem destruir tudo construído no país em 70 anos. O Brasil deve entregar seu urânio, suas ultracentrífugas, sua fábrica de elementos combustíveis e a de equipamentos pesados, seu mercado consumidor de energia elétrica e suas riquezas na Amazônia Azul. Ou seja, devemos voltar a ser colônia.

Desculpem-nos Almirante Álvaro Alberto e todos os precursores do setor que se dedicaram à sociedade brasileira. O trabalho de vocês está sendo jogado no lixo. Desculpem-nos por não reagirmos, quando podíamos, contra uma mídia vendilhona da pátria. Desculpem-nos por termos escolhido congressistas tão ruins. Só não precisam nos desculpar com relação ao mandatário maior, pois este nós não escolhemos.
 
Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e do CREA-RJ
Blog do autor: http://paulometri.blogspot.com.br/

Paulo Metri

Conselheiro do Clube de Engenharia

Paulo Metri
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