Petróleo: bênção ou praga?
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- Paulo Metri
- 11/08/2022
O cidadão comum conhece pouco as atividades das empresas petrolíferas estrangeiras. Sabe que elas atuam em atividades de toda a cadeia do petróleo, ajudando o desenvolvimento nacional ao gerarem emprego e renda. No entanto, é preciso analisar em detalhe para formar uma opinião bem fundamentada.
Para começar a análise, sugiro que os leitores assistam aos quatro vídeos disponibilizados na internet pelo canal de televisão RTP em português, intitulado “O Segredo das Sete Irmãs - a Vergonhosa História do Petróleo”: https://www.rtp.pt/programa/tv/p28268
Argumentam que os vídeos são antigos e as empresas mudaram suas posturas. É verdade, mas é bom sabermos o que elas fizeram no passado no mundo. Trata-se de conhecer as suas heranças genéticas. As grandes petrolíferas que atuam no Brasil são basicamente as estrangeiras e a Petrobras. Todas elas sentem-se atraídas por atividades com altos lucros, que podem ser blocos de petróleo e gás no Brasil. Contudo, algumas empresas estrangeiras podem não ter perdido a característica da pronta disposição de praticar ilicitudes, desde que os lucros aumentem, como a compra de apoio político, fraudes contábeis e outras práticas impensáveis para a Petrobras.
Também pergunta-se se não há certa permissividade no conceito do que é lícito. Por exemplo, “a apropriação do excedente econômico de atividades lícitas muito lucrativas, totalmente pelo dono do capital, é correto?”. Assim, exclui-se a possibilidade de forte taxação da atividade pelo Estado para uso em gastos sociais.
O mercado do petróleo, assim como o do ouro, é muito lucrativo, justificando o petróleo ser chamado de ouro negro. Sobre o Pré-Sal, cuja reserva ainda não é completamente conhecida, pode-se dizer ser uma riqueza imensa, ou seja, mais de 200 bilhões de barris de petróleo, em um mundo que precisará desta riqueza durante os próximos 50 anos.
A história do petróleo no Brasil, assim como em outras regiões do planeta, como visto nos vídeos, é cheia de lutas, vitórias e fracassos. Desde os anos 40 do século passado, heróis brasileiros visionários argumentavam que, graças à extensão do território nacional, seria difícil o Brasil não possuir petróleo. Por isso, lutaram por um modelo de organização do setor que garantisse que boa parte da receita obtida graças à atividade petrolífera fosse disponibilizada para a sociedade brasileira.
Para a escolha do modelo de organização do setor, patriotas mobilizaram nossa sociedade a ponto de promover o maior movimento de massas do país, levando-se em conta para a comparação as características da época. É impossível listar todas as lideranças deste movimento, mas pode-se dizer que o general Julio Caetano Horta Barbosa representa os incansáveis lutadores desta causa. Este movimento foi chamado de a campanha do “Petróleo é nosso”, que resultou na aprovação da Lei 2004 em 1953, que estabelecia o Monopólio Estatal do Petróleo.
A partir daí, o capital estrangeiro tentou insistentemente quebrar este monopólio, sem sucesso, enquanto a chama da campanha gloriosa ainda povoava o sentimento popular. Veio a elaboração da Constituição de 1988, que resultou em um texto muito bom, graças aos constituintes eleitos pouco depois do término da ditadura, escolhidos com cuidado redobrado e de um universo de candidatos renovado. O monopólio estatal do petróleo foi incluído nesta Constituição. Nos primeiros anos, o lucro da atividade petrolífera foi destinado à construção de obras de infraestrutura do setor, que está sendo destruído pelo atual governo neoliberal.
O que sempre esteve em jogo nesta briga pelo petróleo nacional, inclusive continuará em jogo, enquanto o Brasil tiver reservas razoáveis e um povo não politizado, é, principalmente, a apropriação do excedente econômico do setor, que é um dos mais rentáveis. Também o país que tiver muitas reservas terá grande poder geopolítico. Além disso, como os investimos do setor são altos e diversificados, pode-se utilizá-los como uma alavanca para o desenvolvimento do país. Isto tudo é o que será perdido se os contratos forem entregues a empresas estrangeiras.
Em 1994, Fernando Henrique Cardoso (FHC) chegou à Presidência, com forte apoio da mídia e tendo mudado muitas das suas posições políticas antigas. Nesta época, a mídia tinha maior influência nas eleições do que em anos anteriores. O artigo 177 que, anteriormente, garantia o monopólio, com a Emenda Constitucional 9 de 1995, proposta por FHC, na prática, quebrou o monopólio estatal. Pode-se dizer que esta foi a primeira grande abocanhada do setor petrolífero internacional ao nosso petróleo. Houve reação, principalmente, a do então Governador do Paraná, Roberto Requião, que apresentou ao STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) desta Emenda e da Lei 9.478 dela resultante.
Após o voto do ministro Eros Grau no julgamento, alguns ministros do STF o acompanharam, derrubando esta ADI. O ministro Grau, em seu voto, garantiu o monopólio do petróleo do Brasil, enquanto ele estivesse no subsolo. Deixou que empresas estatais e privadas pudessem retirá-lo do subsolo, sendo elas remuneradas para tal atividade. Porém, a lei 9.478 entregava o petróleo produzido para pagar a retirada dele do subsolo, quando esta retirada custa bem abaixo do valor do petróleo retirado. Assim, nasceram os contratos de concessão.
A partir daí, ocorreram inúmeras rodadas de licitações de petróleo ganhadas por empresas estrangeiras, com contratos leoninos para a Petrobras e para nossa sociedade. Por exemplo, por estes contratos, o Brasil não fica com nenhuma gota do seu próprio petróleo. Outro exemplo, o abastecimento de petróleo ao Brasil é garantido por somente 30 dias, não importando a época.
Em 2006, durante o governo Lula, um grupo de geólogos da Petrobras tendo o geólogo Guilherme Estrella na coordenação do grupo, descobriu o Pré-Sal, a maior província petrolífera descoberta, então, nos últimos 30 anos. Como as reservas dos campos desta região eram razoáveis, o custo de extração tendia a ser baixo e era um petróleo de boa qualidade, podia-se pensar em contratos de exploração e produção mais benéficos para a sociedade brasileira e para a Petrobras. Assim, os contratos de partilha da produção foram desenvolvidos, para a área do Pré-Sal, com a preocupação de canalizar recursos para as áreas de saúde e educação.
Infelizmente, já no governo neoliberal de Temer, a bancada entreguista colocou projetos de desvirtuação dos contratos de partilha. Exemplos: a Petrobras não seria mais a operadora única do Pré-Sal, a Petrobras não teria mais 30% de cada consórcio firmado no Pré-Sal e, por ai, vai. Esta bancada aprovou também o projeto de Temer de isentar as empresas petrolíferas de todos os impostos federais por 30 anos, isenção está calculada em R$ 1 trilhão. Notar que foi usada a tática de não derrubar o contrato de partilha e, sim, “aperfeiçoá-lo”. Esta está sendo a segunda grande abocanhada do nosso petróleo.
Para concluir o butim contra a sociedade brasileira, fomos obrigados a honrar a palavra de um ministro brasileiro que prometeu proporcionar dividendos maravilhosos a investidores estrangeiros, que foram aproveitados também por brasileiros. Dividendos estes alimentados pela política irracional de preços dos
derivados de paridade internacional, e pela venda de ativos a preços vis.
Com empresas estrangeiras, como estas, e políticos entreguistas como muitos dos nossos, o Brasil não precisa de forças armadas estrangeiras nos invadindo para sacar o nosso petróleo.
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Paulo Metri
Conselheiro do Clube de Engenharia