Consulta a Madame Natasha
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- Paulo Metri
- 26/08/2009
De vez em quando, consulto Madame Natasha, porque gosto do ambiente místico e é instigante vê-la tentar cruzar a barreira do intransponível. É como se eu comprasse um bilhete de loteria e ficasse esperando ganhar o grande prêmio.
Pois bem, meu dia chegou. Na última sessão, olhando sua bola de cristal, ela começou a dizer: "Vejo um auditório com tudo branco, desde o chão, tablado, cadeiras, mesa principal, luminárias, até as roupas de todos os presentes. O auditório está cheio e na mesa principal, de frente para a platéia, estão quatro senhores. Porém, o auditório está em um local aberto, sem paredes, no meio de um grande céu azul".
A partir deste ponto, ela passou a repetir a conversa deles. Apresento a seguir minhas anotações sobre esta conversa, citando os personagens que foi possível identificar, pelos seus nomes próprios, graças ao tratamento usado entre eles.
Moderador – Como diz a convocação deste evento, vamos ouvir nossos compatriotas recém-chegados, para que eles nos expliquem o que está ocorrendo no setor de petróleo brasileiro. Apesar de sermos hoje espíritos universais, todos temos gratas lembranças deste país em que vivemos.
Heitor – Senhores e senhoras! Este setor veio muito bem até meados dos anos 90, mas, infelizmente, a situação piorou muitíssimo nos últimos 14 anos. Um dos líderes da vitoriosa campanha "O petróleo é nosso" das décadas de 40 e 50 disse, certa vez, que para a verdadeira independência do Brasil são importantes as lutas populares contra os grupos econômicos estrangeiros, cujos interesses são de nos explorarem, comprando matérias-primas a preços baixos e vendendo produtos industrializados com alto valor agregado. Ele disse, também, com relação ao setor de petróleo, que precisávamos estar sempre em alerta, porque os grupos estrangeiros deste setor nunca iriam deixar de tentar se apoderar do nosso petróleo.
Espectador 1 – – Recordo-me, ele disse sim.
Heitor – Dito e feito, administrações públicas do nosso país, sem nenhum compromisso com a sociedade, os deixaram entrarem, quase arruinando totalmente o setor.
Sydney – A barreira protetora do setor, para benefício da sociedade, que os senhores e as senhoras ajudaram a construir nas décadas de 40 e 50, foi derrubada pela onda neoliberal da década de 90, que varreu os países menos desenvolvidos. Nesta época, o monopólio estatal do petróleo foi extinto e a Petrobrás quase sucumbiu como empresa estatal.
Espectador 2 – Foi no governo Fernando Henrique Cardoso.
Sydney – Começou no governo Collor de Mello, que teve pequena duração, no início dos anos 90, mas o neoliberalismo foi bastante aprofundado no governo Fernando Henrique, nesta mesma década.
Espectador 3 – O senhor disse: "acabaram o monopólio e quase destruíram a Petrobrás". Mas, como ficou o setor?
Ruy – O governo faz leilões do subsolo brasileiro, incluindo áreas marítimas, que é onde existe muito petróleo no Brasil, e participam dos leilões empresas estrangeiras e a Petrobrás. A nossa empresa tem ganhado muitas áreas, mas, em muitos casos, foi obrigada a se consorciar com empresas estrangeiras.
Espectador 4 – Foi obrigada? Como "foi obrigada"? Quem obrigou?
Ruy – Ela estava competindo com as grandes petroleiras mundiais. Se não repartisse um pouco com elas, poderia ficar com menos áreas ainda. Entretanto, na grande maioria dos consórcios, ela ficou sendo a operadora, o que é importante para garantir para nosso país a maioria das compras, dos desenvolvimentos de tecnologia e das contratações de pessoal. Por outro lado, as petroleiras estrangeiras só aceitaram participar de consórcios com a Petrobrás, ainda mais tendo ela como líder, por causa da sua competência técnica. Elas sabiam que a presença da Petrobrás representava um sucesso que elas próprias não garantiam.
Espectador 1 – – A sociedade não se contrapôs?
Sydney – Hoje, nossa sociedade é, em grande parte, influenciada pelos meios de comunicação de massa, principalmente pela televisão, que é dominada por grupos econômicos. Isto pode parecer incrível, mas esta é a verdade. A opinião da grande massa é moldada, basicamente, pelas televisões.
Espectador 5 – Mesmo assim, a tese de que nossas riquezas precisam ser produzidas para usufruto da nossa sociedade parece um argumento irrefutável e forte, com o qual as pessoas devem facilmente se identificar.
Heitor – Infelizmente, não é bem assim. Os mecanismos de dominação do capital internacional, em grande parte anglo-saxão, vêm evoluindo ao longo do tempo. Hoje, a dominação não se dá mais através de ocupação militar, com poucas exceções como a do Iraque, em que pesou o fato de lá ter muito petróleo, nem tampouco através do apoio a ditadores testas-de-ferro na periferia. Hoje, como bem disse o Sydney, trata-se de uma dominação ideológica.
Espectador 2 – E os políticos, os governantes, os empresários, os intelectuais, os operários, os estudantes, os militares, enfim, as forças vivas da nação? Não se rebelam?
Sydney – É difícil transmitir o que aconteceu com o Brasil de forma sumária. Com os investimentos do Estado na infra-estrutura e a política de substituição das importações, nossa industrialização se deu com a entrada de empresas estrangeiras e o nascimento de outras genuinamente nacionais, inclusive algumas estatais. Até o fim dos anos 70, estávamos crescendo bem com este modelo, mas o problema crônico da nossa sociedade continuava presente, que era nossa péssima distribuição de renda. Os políticos tinham, com exceções, poucos compromissos com a imensa massa dos menos favorecidos da sociedade. Estes, na sua grande maioria, pouco politizados por obra do próprio sistema, permitiam a exploração. Não existia democracia econômica, nem política, no entanto, surgia um movimento pela abertura política. Assim, aqueles políticos que usavam seus mandatos para usufruto próprio e dos seus financiadores sentiram que precisavam se reciclar, porque seus eleitores começariam a entender que elegiam quem não os beneficiava. Passaram a aprimorar o método de engodo da população, com ajuda dos meios de comunicação e do capital nacional e internacional. Foi quando proliferaram os marqueteiros, assessores de campanhas eleitorais.
Espectador 4 – Isto é muito novo e triste para mim. Existe uma especialização na tarefa de enganar o próximo. Deve-se considerar mais eficiente o que engana melhor?
Ruy – É triste, mas é exatamente isto. O sistema político brasileiro tem vícios antigos, como o eleito não ser obrigado a cumprir suas promessas de campanha. Em outros países, existe a figura do "recall", uma nova eleição no meio do mandato, onde os eleitos podem perder o tempo restante se estiverem descumprindo o acordo feito com os eleitores na eleição inicial. Em muitos países, os plebiscitos são muito mais freqüentes que no Brasil. Eles são custosos, ainda mais que temos uma população imensa, mas, além de ser um processo mais democrático, eles evitam o comércio do voto e tendem a diminuir a influência do capital nas decisões do país. Por exemplo, poderia ter sido perguntado, em 1995, diretamente ao povo, se o monopólio estatal do petróleo podia ser terminado e se as empresas estrangeiras podiam entrar no Brasil. Nas eleições de 1994, em que foram escolhidos os parlamentares e o presidente que terminaram com o monopólio, não se falou deste tema na campanha. Então, teriam eles delegação do povo para modificar uma vírgula no que estava estabelecido sobre este assunto?
Heitor – Infelizmente, o povo ainda não está suficientemente consciente para se rebelar contra esta e outras usurpações. Hoje, o processo de dominação ideológica citado inclui um arrazoado teórico formado pelos princípios neoliberais e os da globalização dos países ricos, induzindo a adoção do modelo de organização econômica facilitador da maior exploração do país. Corromper as elites nacionais econômicas e políticas para elas ajudarem no ato de explorar a sociedade sempre existiu e continua existindo. E, finalizando, muitos marqueteiros eleitorais atuam fortemente financiados pelo capital, dando a impressão de uma plenitude democrática, que, no entanto, permite a transferência disfarçada de riqueza entre classes e do país para o exterior.
Sydney – Detalhando, com a chegada do neoliberalismo ao país, na década de 90, as barreiras de proteção da empresa nacional foram extintas, o mercado nacional não foi mais considerado como um trunfo do país, o privilégio nas compras do Estado para as empresas nacionais passou a não existir mais, muitas estatais, inclusive de setores estratégicos, foram privatizadas, permitiu-se o livre fluxo de capitais, desregulamentou-se a economia, enfim, foram cumpridos todos os mandamentos determinados pelo capital internacional. E, ao povo, como já foi citado, nada era perguntado, só imposto. O seu baixo nível de politização permitiu este autoritarismo. Enquanto isto, ele era entretido com novelas e shows de realidade deprimentes nas televisões, difíceis de serem descritos.
Ruy – Sydney, e o pré-sal?
Espectador 6 – Mais notícias ruins?
Sydney – Imaginem os senhores e as senhoras, qual não é a nossa angústia por sermos os mensageiros das péssimas notícias. Contudo, esta não é ruim. Fale você, Ruy.
Ruy – A Petrobrás descobriu recentemente o que pode se tornar a maior província petrolífera do mundo. Quando iniciamos nossa viagem para cá, ela tinha sido recém-descoberta e se começavam a realizar novas perfurações para permitir a cubagem. Esta descoberta é tão importante que o Brasil pode até vir a ter mais reservas que a própria Arábia Saudita.
Espectador 4 – E como vai ser a organização institucional do setor para explorar esta riqueza?
Heitor – Este é exatamente o ponto que mais nos preocupa. Quando fomos convocados para vir para cá, estava uma briga intensa lá embaixo pela posse e usufruto desta riqueza. O capital internacional, apesar de seus movimentos não serem facilmente identificados, buscava convencer congressistas e quem mais tivesse poder de decisão para adotar suas teses. Buscava também ganhar a opinião pública, através de articulistas, editores, comentaristas e os próprios órgãos de comunicação, remunerando-os muito bem. Os sindicatos e os estudantes começavam a se mobilizar a nosso favor, de forma tênue, e a sociedade em geral estava adormecida, em sono profundo.
Espectador 2 – Então, existe o risco de a natureza ter nos beneficiado mais uma vez com uma riqueza imensa e ela ser subtraída das nossas mãos, indo parar nas de empresas estrangeiras. De forma similar, isto aconteceu com nosso ouro, que foi parar em cofres da Inglaterra.
Heitor – Sim.
Moderador – Senhores e senhoras, hoje ouvimos, no limite da nossa capacidade de receber impactos emocionais, as explicações detalhadas dos caros engenheiros Heitor, Sydney e Ruy, a quem agradecemos muito. A conversa foi maravilhosa, apesar das notícias tristes. Sou conhecedor das regras rígidas sobre nossa permanência neste condomínio acolhedor, que não nos permite visitar o andar inferior. Contudo, a situação me parece tão desesperadora que, talvez, nosso grande Espírito pudesse abrir uma exceção. Sabemos que os horizontes Dele são inalcançáveis pelo nosso olhar. Entretanto, será que não há necessidade de uma interferência pontual, neste momento, para ajudar um povo muito sofredor e merecedor, como o brasileiro? Se bem que fica uma dúvida: se Ele vier a concordar conosco, existe algo que poderíamos fazer?
Espectador 2 – Já que não podemos participar do atual movimento de resgate do nosso petróleo para os brasileiros, poderíamos ir à casa dos maiores entreguistas atuais de madrugada, e ao puxarmos seus pés diríamos: "Não roubem o petróleo do povo". Se metade deles aprendesse a lição, já seria uma enorme ajuda.
Segundo Madame Natasha, todos riram nesta hora. Pobres conterrâneos nossos que não conseguem ter o descanso eterno. Todos têm em comum o fato de terem escolhido o povo brasileiro como opção preferencial. É preciso estar consciente de que a bola de cristal da Madame Natasha não necessariamente mostra diálogos verdadeiros. Aliás, segundo alguns amigos incrédulos, há dúvida se Madame Natasha não seria somente uma criação dos delírios deste autor. Todavia, trouxe-me grata satisfação ouvi-la, em delírio ou não, e repassar estes diálogos.
Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.
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