E agora, presidente Dilma?
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- Paulo Metri
- 04/11/2010
Refiro-me, neste artigo, somente a questões sobre petróleo, mais especificamente sobre o Pré-Sal. Durante a campanha, o candidato José Serra acusou sua opositora, Dilma Rousseff, de ter entregado, enquanto foi ministra das Minas e Energia e chefe da Casa Civil do governo Lula, mais de 100 blocos para exploração de petróleo a empresas privadas, das quais cerca da metade eram empresas estrangeiras. Assim, o candidato Serra julgou errado entregar blocos a empresas privadas, ainda mais se forem estrangeiras. Nada soou mais falso do que esta frase dita por quem não tem passado que permita dizê-la.
A recém-eleita presidente Dilma respondeu a mais pura verdade, algo como: "Na época em que áreas ‘carne de pescoço’ eram leiloadas, foi usada a lei 9.478, sancionada em 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso". E acrescentou: "Quando o Pré-Sal foi descoberto, como se trata do ‘filé mignon’ das reservas, um novo marco regulatório foi concebido, em que o Estado fica com uma parcela maior do lucro do negócio, que é destinada para o recém-criado Fundo Social".
Lembro que a única maneira de se expandir a exploração de petróleo no país, desde 1997 e ainda nos dias atuais, é através da entrega de blocos em leilões para empresas em geral, pois assim manda a lei 9.478. Mas sindicalistas, técnicos e muitas lideranças estão, há anos, pedindo a paralisação dos leilões e o retorno do monopólio estatal, o que nunca foi conversado.
Neste teatro, as cortinas baixam e levantam, passando-se, assim, para o segundo ato. A presidente Dilma colocou, no seu primeiro discurso, após ter sido eleita, muita esperança no Fundo Social a ser abastecido com parte dos lucros dos projetos do Pré-Sal. Obviamente, ela está contando com a aprovação do pouco que falta dos projetos do novo marco regulatório do Pré-Sal no Congresso. Acho que vai ser aprovado tudo que falta, exceto a questão dos royalties, sobre a qual não imagino o desfecho. Esta questão merece um artigo a parte, portanto, não será tratada aqui.
Mas fico preocupado com este novo marco regulatório por várias razões. Primeiramente, porque persistem os leilões em que participam empresas privadas, nacionais e estrangeiras. Então, a presidente vai fazer novas rodadas de leilões de blocos para exploração de petróleo para, no primeiro horário partidário nas televisões entregue ao PSDB, serem mostrados, mais uma vez, o copo com petróleo e o canudo das empresas estrangeiras sugadoras do mesmo? Inclusive, com uma voz em off dizendo: "A presidente Dilma, apesar de ter demonstrado contrariedade, durante a campanha, quando foi revelada a entrega de blocos de petróleo para empresas estrangeiras no governo Lula, volta a entregar, no seu governo, novos blocos".
Em segundo lugar, o novo marco regulatório é o melhor que foi possível fazer com o Congresso existente na época e é melhor que a lei 9.478 de FHC. Mas ainda deixa a desejar. Por exemplo, não deveria ter sido deixado para os editais conterem o percentual mínimo de oferta do excedente em óleo para o Fundo Social. Excedente em óleo é o novo nome do lucro líquido do empreendimento. Este percentual deveria ter sido definido na nova lei e ser alto.
Está muito impreciso o quanto vai ser destinado ao Fundo Social. Eventualmente, a Petrobrás não disputará todos os leilões do Pré-Sal para conseguir um percentual de participação maior que seus 30% cativos. Ela é o fator inibidor da formação de acordos entre concorrentes sobre o percentual do excedente em óleo a ser ofertado. Então, quando a Petrobrás não apresentar oferta em algum leilão, há a possibilidade de, neste leilão, não estar ocorrendo uma concorrência perfeita, pois as empresas privadas poderão estar fechando acordos de atuação não competitiva. Daí, a importância de se ter fixado, na nova lei, um percentual mínimo alto para a oferta do excedente em óleo.
Assim, chega-se ao terceiro ato da peça teatral. Para muita gente, o sucesso de uma rodada de leilões é conseguido quando são concedidos muitos blocos e arrecadado algum recurso com o bônus de assinatura. Contudo, este bônus representa, em geral, uma parcela menor que o valor esperado, descontado para hoje, do lucro do bloco. Obviamente, existe a vantagem de o bônus ser um dinheiro disponível hoje, enquanto o lucro do bloco irá ocorrer em 15 a 20 anos; 28% dos blocos do Pré-Sal já foram concedidos para empresas pela lei 9.478 nas nove rodadas realizadas até hoje e irão deixar quase nada de tributos para a sociedade brasileira. Este é um dos motivos por que conceder blocos do Pré-Sal pela lei 9.478, como querem ideólogos tucanos, significa uma imensa perda. Eles desprezam, também, o aumento de compras de bens e serviços no país, assim como a contratação de desenvolvimentos tecnológicos aqui, que a lei 9.478 não acarreta.
O quarto ato da peça consiste de o Estado deter o poder de comercializar o máximo possível do petróleo nacional por interesse geopolítico. A Rússia consegue acordos de seu interesse com outros Estados nacionais graças à garantia de suprimento de médio prazo de gás natural por sua empresa Gazprom. A Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET) calcula que, no novo contrato de partilha, o Estado brasileiro irá comercializar cerca de 50% do petróleo produzido, posição bem melhor do que a das concessões da lei 9.478, em que fica para o Estado zero por cento, se a Petrobrás não for a concessionária.
Resumindo, a presidente eleita tem um problema cheio de restrições. A sociedade brasileira precisa e ela prometeu muita produção do Pré-Sal, para poder abastecer o Fundo Social que irá permitir inúmeros gastos sociais. Por outro lado, a presidente não deve promover, salvo melhor julgamento, uma rodada de leilões, mesmo que seja pelo novo marco regulatório, porque ainda irá representar a entrega de petróleo para empresas privadas. Além disso, o novo marco regulatório do Pré-Sal, apesar de ser melhor que a lei 9.478, contém imprecisões que podem resultar em perdas para a sociedade, como já descrito.
Chega-se, portanto, ao ‘gran finale’ da peça, quando a alegria reina no palco. Há uma saída para o problema descrito, que faz parte do próprio novo marco regulatório. Pode ser lido no artigo 12 do projeto relacionado com o modelo de partilha da produção: "O CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) proporá ao presidente da República os casos em que, com vistas à preservação do interesse nacional e ao atendimento dos demais objetivos da política energética, a Petrobrás será contratada diretamente pela União para a exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos em regime de partilha de produção". Esta é a saída proposta, presidente Dilma.
Infelizmente, o final do artigo tem que ser prolongado, apesar do ‘gran finale’ já ter sido comunicado. Sempre que se propõe que haja a entrega de blocos diretamente a Petrobrás, sem leilão, seguindo a futura lei, alguém diz: "Mas, depois da capitalização, grosso modo, 50% das ações da Petrobrás são privadas e, assim, estaremos entregando 50% do lucro para entes privados". Respondendo preventivamente, lembro que a Petrobrás entrega a acionistas dividendos, que, por lei, podem ser só 25% do lucro líquido, depois de serem descontadas as diversas reservas.
As ações vendidas a particulares podem ser vistas como empréstimos tomados que pagam como juros os dividendos, que inclusive são da mesma ordem de grandeza. Também, a Petrobrás, desde que foi criada em 1953, era uma sociedade anônima, atuou como monopolista por mais de 40 anos e nunca ninguém reclamou da transferência de lucro para o setor privado. Por outro lado, se o presidente FHC vendeu ações da Petrobrás a preço irrisório na Bolsa de Nova York, cuja venda representou a aceitação por parte do governo brasileiro de perda de graus de liberdade da empresa nas suas decisões, é outra questão. E os sindicalistas estão corretos ao quererem readquirir os graus de liberdade perdidos.
Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.
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