Correio da Cidadania

Contribuição para o déficit de soberania

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Em romances policiais, é comum encontrar-se a descrição de casos de pessoas com múltiplas personalidades. Incomum é encontrar, na ficção ou no mundo real, casos de governos com múltiplas posturas. Entretanto, o governo brasileiro sofre, e não é de hoje, deste quadro patológico, pois algumas de suas áreas são nacionalistas, enquanto outras não se opõem à entrega de nossas riquezas com pouco ganho para a sociedade brasileira.

 

A publicação oficial Estratégia Nacional de Defesa e outros documentos do Ministério da Defesa, inclusive palestras proferidas pelo Ministro, mostram a importância de termos Forças Armadas bem equipadas e com seu pessoal bem treinado para defender nossa sociedade, incluindo proteger nossas riquezas. Assim, as ações deste Ministério aumentam nosso grau de soberania, pois possibilitam a escolha das melhores opções para nossa sociedade, sem termos que aceitar imposições de nações militarmente mais fortes. O Brasil não precisa se equipar para ser uma das nações com forte poder de agressão, mas precisa ostentar um poder dissuasório razoável, porque temos o pré-sal e diversos outros minerais, os dois maiores mananciais de água doce do planeta, terras agriculturáveis disponíveis com ideal índice de insolação, parque industrial etc.

 

Entretanto, outros órgãos do governo brasileiro parecem pertencer a governos estrangeiros, pois tomam decisões contra nossos interesses, satisfazendo os interesses de outros países. Refiro-me ao Ministério das Minas e Energia (MME), que acaba de comunicar a realização, em setembro do presente ano, da 11ª rodada de leilões de áreas do território nacional para a exploração de petróleo. Esta decisão satisfaz aos governos de países desenvolvidos, como Estados Unidos, Japão, França, Alemanha, Itália e outros, que precisam desesperadamente da garantia de suprimento deste energético para não terem um "apagão" nas suas economias, assim como satisfaz às petrolíferas estrangeiras, à medida que elas não diminuem suas receitas, pois, hoje, detêm somente 7% das reservas mundiais.

 

A 11ª rodada de leilões, a ser promovida pelo braço do MME que é a Agência Nacional do Petróleo (ANP), será realizada sob os ditames da lei 9.478, aprovada durante o governo FHC, que resulta nos contratos de concessão. Estes contratos de 30 anos são danosos para nossa sociedade porque, quando a Petrobrás não ganha uma área nos leilões, o petróleo existente na área passa a pertencer às empresas estrangeiras ganhadoras, que podem fazer dele o que quiserem e nenhuma delas quer abastecer o mercado brasileiro. Todas vão exportar suas produções.

 

Estou me atendo às áreas marítimas, porque nelas estão os grandes campos e, também, os grandes investimentos. Sobre os campos terrestres, uma outra análise pode ser feita. Não falo de empresas privadas nacionais em áreas marítimas porque, em primeiro lugar, não tenho segurança que não sejam testas-de-ferro de empresas do exterior e, também, porque as privadas nacionais são bem menos expressivas que as estrangeiras e a Petrobrás.

 

Além disso, a empresa ganhadora do leilão, se estrangeira, remete o lucro extraordinário do negócio para o exterior, paga valor mínimo de tributos ao país, quando comparado com o contrato de partilha, emprega poucos brasileiros, desenvolve nenhuma tecnologia aqui e compra quase nada localmente. A ANP argumenta para lançar esta rodada que é necessário aumentar a área que está sendo explorada do território nacional, como se o fato de aumentar esta área, não importando de que forma, fosse necessariamente benéfico.

 

Resumindo, cada rodada de áreas do nosso território deste tipo é uma contribuição para a diminuição do nosso grau de soberania, ou seja, no estágio atual, ajuda a aumentar o déficit de soberania brasileira. Obviamente, estamos supondo que existe uma forma de medição do grau de soberania de um país. Se continuar esta dicotomia no nosso governo, em dez ou mais anos, teremos Forças Armadas muito bem armadas e treinadas garantindo, soberanamente, o roubo das nossas riquezas.

 

Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.

 

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