Correio da Cidadania

Quem tornou os bueiros explosivos?

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O tema é regional, mas as conclusões, a partir da análise do caso, são nacionais. Escrevo no último minuto, antes de o assunto ser definitivamente sepultado pela mídia, pois esperava que o óbvio fosse dito. No Rio, a questão foi muito debatida e, entretanto, mesmo com material tão rico, o óbvio não foi dito.

 

Os culpados facilmente identificáveis das explosões dos bueiros são a CEG, dona da rede do gás explosivo, e a Light, possuidora do sistema fornecedor do curto-circuito. O problema tem sido enfrentado pelo Ministério Público, pela prefeitura do Rio e pelo CREA-RJ, cujos trabalhos têm forçado providências das prestadoras de serviços públicos, sendo que, provavelmente, em futuro próximo, nenhum bueiro estará mais explodindo. Notar que as agências reguladoras estiveram um pouco distante da questão.

 

Contudo, os culpados originais, os maiores culpados, são protegidos por fortes interesses e não são divulgados. Bastaria pesquisar a resposta à pergunta: “que causas transformam empresas antigas, como a Light e a CEG, com currículos de experiência na prestação de serviços públicos com razoável qualidade, em inimigas da população, com seus bueiros explosivos?”. A correta caça aos culpados é importante para que a sociedade se previna de situações análogas no futuro, possivelmente em outros setores, e para que os responsáveis não consigam, nunca mais, enganá-la.

 

A ganância da empresa francesa EDF, que arrematou a estatal brasileira Light por preço baixo, em 1996, em um leilão de privatização, é uma das grandes causas dos bueiros estarem explodindo. De posse da Light, a EDF só se preocupou, durante anos, em remeter lucro para sua matriz. E para maximizar este lucro, não teve um mínimo momento de hesitação em cortar pessoal experiente, terceirizar serviços a custo mais barato e com pior qualidade, dispensar a manutenção preventiva e não reinvestir na expansão da empresa e na reposição de equipamentos antigos.

 

Acontece que, desde dezembro de 2009, a controladora da Light é a Cemig e, a menos que esta última não tenha tido tempo para se situar sobre o problema da distribuidora, a Cemig deve ser incluída também na lista de culpados. O que aconteceu com a CEG, que era uma estatal do estado do Rio de Janeiro, foi idêntico ao que ocorreu com a Light, só que a empresa compradora estrangeira foi outra.

 

Assim, alguns concluem que a privatização destas empresas ocorreu sem a exata definição de responsabilidades e a exigência de um bom nível de qualidade dos serviços a serem prestados. Discordo da ingenuidade, pois o modelo com empresas privadas em setores de atendimento público, com agências cooptadas e inoperantes, é um fracasso. E não se pode otimizar um fracasso.

 

Outros lembram que a agência reguladora Aneel, além da agência estadual, são quem deveria exigir da Light e da CEG eficiência e a prestação de serviços de qualidade. Contudo, estas agências tiveram participações pífias, pois quase nada fizeram, apesar dos traumas, pessoas feridas e patrimônios destruídos, o que as torna condenáveis.

 

Muitos têm esperança em uma solução de mercado para a questão, chegando a propor que, nas regiões onde ocorram bueiros saltadores, a tarifa seja reduzida automaticamente. Estas pessoas são esperançosas, pois pensam que as agências têm interesse de satisfazer a sociedade, quando elas estão aí para garantir a maximização dos lucros e os interesses dos agentes regulados.

 

Elas permitem tarifas estratosféricas na telefonia, na distribuição de eletricidade e em outros serviços. A ANAC permitiu pouso inseguro de aeronaves em Congonhas, o que causou a morte de centenas de pessoas no acidente com o avião da TAM. Também permitem serviços precários de concessionárias, como são os casos dos metrôs, trens e distribuidoras de eletricidade. Aliás, estas últimas cobraram tarifas aumentadas indevidamente do consumidor e a respectiva agência não as obrigou a devolver. No setor de petróleo, a agência promove a entrega do patrimônio nacional, através de rodadas de leilões do nosso território.

 

Para finalizar, notem que vivemos em um mundo em que bueiros sempre existiram e não explodiam. A distribuição de energia elétrica no Brasil sempre foi realizada, até os anos 90, por empresas estatais, com raras exceções. Com o grau atual de conscientização política do nosso povo, empresas privadas não são boas prestadoras de serviço público, mesmo que existam órgãos fiscalizadores, pois estes são necessariamente capturados pelos agentes econômicos. Mesmo com a negação dos neoliberais, a verdade é que as estatais têm muito mais preocupação com a sociedade que as empresas privadas. A não existência, nas estatais, de uma corrida obstinada para o lucro não as induz a desrespeitar a vida.

 

Os bueiros são minas terrestres deixadas pelo exército neoliberal inimigo, explodindo retardadamente. Quantas outras armadilhas deles ainda restam na nossa economia, prestes a explodir, formando um verdadeiro entulho neoliberal?

 

Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.

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