Correio da Cidadania

Primavera brasileira

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Quando comecei a escrever este artigo, seu título era: “Nacionalismo no século XXI”. Propunha-me somente a responder à pergunta: “Por que ser nacionalista?”. Ainda tentando responder a esta pergunta, cito a seguir algumas visões próprias do que é ser ou não ser nacionalista, que, para algumas pessoas, causa perplexidade.

 

Um senhor humilde, que é visto em esquinas do Rio, parado e empunhando uma bandeira do Brasil, é mais um nacionalista passional do que racional. As explosões das torcidas pelas seleções brasileiras são demonstrações de nacionalismo, se bem que ele não deve se esgotar nelas. O empresário, que aceita o capital estrangeiro no país sem benefício social algum, desde que sua empresa ganhe uns trocados, não pode nunca ser considerado nacionalista.

 

Quem acha que a pobreza é conseqüência da falta de luta do pobre para vencer obstáculos e se diz nacionalista está faltando com a verdade. O servidor público que desvia recursos não tem a mínima chance de ser classificado de nacionalista, mesmo que seu discurso aparentemente seja.

 

Sugiro que ser nacionalista signifique a característica do indivíduo que, em qualquer momento de decisão, irá buscar sempre satisfazer aos interesses maiores da sociedade brasileira. Neste ponto, ocorre uma dúvida relevante, que, preventivamente, já a coloco:

 

“Não seria melhor sermos internacionalistas?”. Até porque, como exemplo, Karl Marx tinha imenso comprometimento social e era um internacionalista. Para poder responder, será preciso dizer o que muitos crêem ser obviedades, mas não custa repeti-las em respeito a algum eventual recém chegado.

 

Irá demorar até a humanidade chegar ao estágio de desenvolvimento em que existirá um só governo mundial e ela estará irmanada em sentimentos de solidariedade, que terá substituído a competição e a ganância. Contudo, temo que nossa espécie venha a se extinguir antes de este dia chegar, graças ao egoísmo congênito e à falta de visão coletiva do perigo. Enquanto este mundo melhor não ocorre, vivemos confinados em fronteiras, apesar do trabalho intenso da mídia comercial, que procura dizer que há um só modelo econômico mundial, o que satisfaz ao interesse do capitalismo internacional. Isto é interessante porque o liberalismo econômico precisa do livre fluxo de capitais, mercadorias e serviços, a dita globalização, para sua expansão e domínio de economias periféricas, e esta posição lembra, em parte, o internacionalismo.

 

Quanto a Marx, na verdade, ele estava muito esperançoso ao acreditar que os trabalhadores dos diversos países estariam unidos, sem interferência das burguesias regionais, que dominam os meios de comunicação tradicionais, mesmo em um médio horizonte, a ponto de jamais serem vencidos.

 

Assim, há a necessidade de se trabalhar com a situação real, a existência de Estados nacionais. Ainda assim, se a administração de cada país cuidar da sua sociedade, o conjunto da sociedade humana estará protegido. O problema surge quando capitais de um país querem ir a outros países auferir vantagens nos mercados alheios, vendendo seus produtos, tecnologias já obsoletas, assistência técnica, engenharia etc., retirando os recursos naturais com baixa retribuição. Tudo isto é feito, infelizmente, com a complacência de parte da classe política e do empresariado do país explorado e, muitas vezes, com participação dos próprios governantes. Estes são os verdadeiros algozes do povo, pois, eleitos por ele, o traem.

 

Mas a definição de nacionalismo nos dias atuais requer alguma contorção intelectual. Por exemplo, seria nacionalista propor acréscimo na taxação do IPI para carro com menos de 65% de conteúdo nacional? Se olharmos sob o ponto de vista de que os que têm 65% ou mais deste conteúdo geram mais emprego e renda, a decisão está certa. Entretanto, dói saber que está sendo criada uma reserva de mercado para as montadoras estrangeiras sediadas aqui e, além disso, o Brasil é o único dos BRIC que não possui um carro nacional. A Índia e a China, há vinte anos, não tinham um carro nacional e hoje têm.

 

A Petrobras, sendo a operadora única do Pré-Sal, irá buscar comprar ao máximo localmente, o que é uma boa notícia. Entretanto, é penoso saber que, neste exato momento, há uma corrida para a compra de empresas nacionais por parte de empresas estrangeiras para serem exatamente fornecedoras do Pré-Sal.

 

Se algum leitor não está sabendo que as empresas brasileiras de capital nacional trazem maior benefício para nossa sociedade que as também brasileiras, mas de capital estrangeiro, basta ver os fluxos de médio prazo das entradas e saídas de capital no país referentes às duas. Aliás, os congressistas do mandato de 1995 a 1998, que formaram um dos piores Congressos que o Brasil já teve nos últimos anos, conseguiram piorar a Constituição de 1988 em vários pontos, inclusive extinguindo algum privilégio que a empresa genuinamente nacional possuía.

 

Estes congressistas extinguiram também o monopólio estatal do petróleo. Se ele nunca tivesse existido, não existiria a Petrobrás, pois ela foi criada para ser a executora do monopólio em nome da União, e o setor de petróleo do nosso país estaria dominado pelas petrolíferas estrangeiras. Elas estariam investindo, como, na verdade, estão, na busca de petróleo na Ásia Central e no Leste da África, e no melhor dimensionamento das reservas do Oriente Médio e do Norte da África. Assim, o Pré-Sal não teria sido ainda descoberto e, quiçá, a bacia de Campos também não. Para descobrir esta bacia e o Pré-Sal, a Petrobrás atuou com o interesse de empresa do Estado, não com a lógica de empresa privada.

 

Outra contorção intelectual causada pelos dias atuais trata-se do fato que, em muitas situações, empresas brasileiras têm como seus acionistas grandes fundos de investimento constituídos no Brasil, mas com capitais internacionais. Neste caso, ela é uma empresa brasileira de capital nacional, se for olhado o investidor próximo, e de capital estrangeiro, se for analisada mais detalhadamente.

 

Ainda sobre este ponto, a Petrobrás é uma empresa estatal brasileira, porque a União detém o controle sobre ela, porém, esta empresa transfere, aproximadamente, tanto dividendo para investidores privados do exterior, quanto deixa para investidores privados do país. Isto ocorre graças à desnecessária venda de ações da Petrobrás na Bolsa de Nova York durante o governo FHC.

 

Finalizando este bloco, espero que esteja claro que a visão neoliberal da economia é antagônica à visão nacionalista, pois aquela quer os mercados sem barreiras, livre fluxo de capitais, desregulamentação da economia, desnacionalização ou falência de empresas, privatização de setores estratégicos, existência de agências reguladoras do Estado para preservar os interesses do capital etc.

 

Este artigo estaria pronto, neste ponto, para o objetivo inicial que me motivou escrevê-lo. Porém, em vista do fervilhar das manifestações populares mundo afora e considerando algumas poucas reflexões adicionais, desejo apresentar uma proposta.

 

Provavelmente insufladas pelo capitalismo internacional, surgiram manifestações em países do norte da África e do Oriente Médio, que foram chamadas de Primavera Árabe, onde era reivindicada democracia. Sem querer negar a existência de ditaduras, lembro que os sistemas a serem implantados nestes países, no futuro, serão fortemente influenciados pela mídia e refletirão interesses econômicos, lembrando pouco uma real democracia. Mais uma vez, as populações serão desrespeitadas, pois só receberão informações filtradas e truncadas.

 

Existiram manifestações na própria Grã Bretanha, um dos berços do renascimento do liberalismo econômico. Há mais tempo atrás, ocorreram ruidosas manifestações na França, assim como ocorrem manifestações hoje na Itália e também surgem os indignados espanhóis. Todas estas manifestações podem ser atribuídas ao desemprego, à recessão econômica, ao empobrecimento da população e à diminuição dos gastos sociais. Nem falo das situações desesperadoras de populações de países como a Grécia. Todas estas manifestações podem ser citadas como sendo contra o neoliberalismo, a mais agressiva versão do capitalismo.

 

No Chile, onde o neoliberalismo foi imposto cedo, os estudantes conseguiram liderar manifestação com 100.000 pessoas, cifra que ainda é modesta se tomarmos o que a ditadura Pinochet introduziu de visão liberal no país. Finalmente, o vírus da insatisfação chegou também aos Estados Unidos, país onde, no meio da crise econômica, as parcelas de pobres e desempregados aumentaram, enquanto os CEO das empresas tinham salários astronômicos preservados.

 

Além disto, com a crise das hipotecas e a ganância desenfreada do sistema financeiro, os maus exemplos foram dados, pois alguns meliantes foram salvos pelo governo americano e os ricos quase nada sofreram. Ou seja, uma vitória absoluta da visão econômica liberal. Manifestações que estão sendo chamadas de “Occupy” brotaram em várias cidades americanas, muito graças à mídia alternativa e às redes sociais. Alguns chamam estas manifestações de outono estadunidense.

 

A mídia comercial brasileira, porta-voz dos detentores de capitais e privilégios na nossa sociedade, quer induzir a população a seguir o exemplo dado pelo restante do mundo, só que, neste instante, ela busca confundir o brasileiro. Instiga-o a aderir a manifestações contra a corrupção, o que seria até engraçado, não fosse triste.

 

Explico-me. No Brasil, toda vez que um governo está tomando medidas em benefício do povo, os conservadores passam a enxergar a corrupção, verdadeira ou não, mas que nunca era vista quando eles estavam no poder. Notar que os atuais arquitetos políticos que trabalham para a burguesia brasileira não se diferenciam em nada daqueles que criaram a alternativa Jânio Quadros, em 1960, que iria “varrer” a corrupção existente na época, segundo eles. Não se diferenciam também dos que criaram o “caçador de marajás” Collor de Mello, em 1989, que iria também acabar com a corrupção. Não vamos querer repetir estes dois exemplos de alternativas que não deram certo.

 

O governo atual não deixou uma acusação de roubo sem tomar providências, exonerando altos escalões, conclamando a Polícia Federal, a CGU e outros órgãos para averiguações e, principalmente, não encobertando ninguém. Atualmente, aparenta ter mais escândalos no governo porque sua divulgação é a arma que opositores conseguiram obter para viabilizarem seu projeto político de chegada ao poder. Obviamente, eles não podem trazer a reivindicação de uma verdadeira democracia, com um novo modelo de comunicação de massas, ou de menos neoliberalismo na economia, pois os prejudicaria.

 

Estrategicamente, proponho que a primavera brasileira deva lutar por mais nacionalismo nas ações governamentais e nas atitudes do povo, dito de forma bem condensada, pois só assim nossa sociedade será extremamente beneficiada.

 

 

Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira de Associações de Engenheiros.

 

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