Correio da Cidadania

Privatização do setor elétrico gaúcho piorou serviço e não criou condições de enfrentamento a eventos severos

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Apagão em Porto Alegre no mês de abril / Reprodução youtube

Vendida por irrisórios R$ 100 mil, a venda da Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE-D) inaugurou um pacote de privatizações do governo do Rio Grande do Sul que repetia as promessas de melhorias nos serviços públicos e sua eficiência. A realidade, no entanto, mostra um fiasco técnico-administrativo, posto definitivamente a nu após a catástrofe causada pelas chuvas que destruíram o estado. Agora, a câmara dos vereadores finaliza CPI da CEEE Equatorial, que mesmo em meio ao caso foi a única empresa que fez lances de compra da Sabesp, privatização levada a fórceps pelo governo de SP. Ao Correio da Cidadania, Antônio Jaílson Silveira conta a versão dos trabalhadores gaúchos do setor elétrico de mais este “case”.

“É necessário um debate transparente e participativo para garantir que os interesses da população sejam protegidos nesse processo, o que não aconteceu na época pelas manobras do governo. Houve um sucateamento interno e um endividamento por parte da antiga CEEE-D, que deixou de repassar o valor do ICMS cobrado na tarifa do cliente para o estado, realizado de forma proposital pela gestão da empresa indicada pelo governador Eduardo Leite para justificar a necessidade de privatização”, explicou Silveira, que considera o valor da venda da empresa “um deboche”.

Quanto à CPI, o eletricitário e dirigente do sindicato da categoria dá de ombros e considera uma mera armação de uma direita aliada da empresa e da agenda privatista, talvez mais interessada em sustentar narrativas antipetistas, como sugere a viagem de comitiva à Brasília para “pedir esclarecimentos a Aneel”. Enquanto isso, o cidadão gaúcho vive na pela sua ineficiência, simbolizada na morte de um garoto que brincava na rua em Viamão, eletrocutado ao tocar em um fio solto de poste de luz, ainda em março. Após as chuvas, o colapso, com incontáveis cortes de energia e explosões de caixas que ficam sobre os postes das ruas.

“Hoje, temos aumento de cortes no fornecimento de energia pela falta de investimento e pela falta de qualificação dos trabalhadores terceirizados. Após a privatização da CEEE Distribuição, muitos trabalhadores foram demitidos, o que gerou uma série de impactos negativos para esses profissionais e suas famílias. Soma-se a precarização no atendimento, haja vista que eram trabalhadores altamente qualificados e que conheciam a complexidade de trabalhar no setor elétrico. Além disso, a precarização dos trabalhadores terceirizados também tem sido uma preocupação, pois muitos desses trabalhadores enfrentam condições precárias, baixos salários e falta de benefícios”.

Leia a entrevista completa com Antônio Jaílson Silveira.


Correio da Cidadania: Como foi o desempenho da empresa diante dos graves eventos climáticos dos últimos 9 meses, em especial a grande tempestade de maio que destruiu o estado?

Antônio Jaílson Silveira: A demora no atendimento aos clientes da CEEE Equatorial, que ficaram vários dias sem energia elétrica em diversos eventos climáticos, é inaceitável e mostrou uma falha grave na prestação de serviços da empresa. A falta de agilidade na resolução dos problemas causados pelos eventos climáticos demonstrou falta de planejamento, capacidade de resposta e comprometimento com os consumidores.

Passados mais de dois anos da privatização, a CEEE Equatorial não fez investimentos suficientes nas redes de energia. Isso está aliado a uma privatização extrema, em torno de 92% das atividades técnicas são executadas por trabalhadores terceirizados com qualificações muitas vezes duvidosas, algo que está sob investigação dos órgãos fiscalizadores.

Sobre seu desempenho nas enchentes, sabemos que foi um evento climático de grandes proporções, nunca visto antes e que atingiu todos os segmentos da sociedade.

Correio da Cidadania: Mas isso não deveria estar num rol de fatos previsíveis do mundo contemporâneo?

Antônio Jaílson Silveira: A situação destacou a importância de investimentos em infraestrutura resiliente e planos de contingência eficazes para lidar com eventos climáticos extremos, no presente e no futuro. A experiência serve como um alerta para a necessidade de melhorias na preparação e resposta a desastres naturais no setor de energia do estado.

Correio da Cidadania: Como está a estrutura do serviço de energia do estado neste momento? A chuva destruiu suas estruturas, como torres e linhas de transmissão?

Antônio Jaílson Silveira: A enchente de maio de 2024 no Rio Grande do Sul causou sérios problemas nos serviços de geração, distribuição e transmissão de energia, são desafios significativos devido aos danos causados pelas fortes chuvas e inundações, perda total de usinas hidrelétricas, subestações totalmente alagadas, rede de distribuição nas cidades totalmente destruídas.

As empresas de energia, incluindo a CEEE Equatorial, tiveram que mobilizar recursos e equipes para restabelecer o fornecimento de energia elétrica nas áreas afetadas. A reconstrução da infraestrutura danificada é um processo demorado e complexo, resultando em interrupções prolongadas para alguns consumidores.

Correio da Cidadania: Agora, estamos na fase conclusiva de uma CPI da Equatorial, instalada no início do ano. Como você avalia o trabalho dessa investigação dos vereadores de Porto Alegre?

Antônio Jaílson Silveira: O atual prefeito de Porto Alegre, quando era deputado estadual, votou pela privatização da CEEE e no temporal de janeiro foi o primeiro a reclamar que a Equatorial não estava comprometida com a qualidade do atendimento, o que desfaz a retórica da privatização e  que a empresa pública era ruim. Mais uma vez foi comprovado que empresa privada é pior que a pública na gestão de serviços públicos essenciais.

A base do prefeito acatou sua crítica, correu atrás do assunto porque Sebastião Melo é candidato à reeleição e pediu a CPI. Mas o golpe era evitar que a CPI fosse pedida e instalada pela oposição.

No andar da carruagem, veio a enchente, cuja gestão de danos, a meu ver, colocou uma pá de cal na intenção da reeleição. De toda forma, o foco ficou na enchente e a CPI deixou de ser a pauta. Só para dar um exemplo, o meu depoimento na CPI durou 2 horas e meia antes da enchente. Já o presidente da Equatorial deu depoimento há poucas semanas e não ocupou mais de uma hora. A CPI ficou esvaziada.

Correio da Cidadania: Voltando ao passado, como foi o processo de privatização da CEEE? O que pensa das alegações do governo a favor da alienação deste patrimônio público?

Antônio Jaílson Silveira: O processo de privatização da CEEE Distribuidora foi bastante controverso e envolveu uma série de debates e polêmicas. O governo alegou que a privatização era necessária para melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços prestados pela empresa, além de reduzir os custos operacionais e aumentar os investimentos no setor elétrico.

Outra justificativa apresentada foi a de que a venda da empresa iria gerar recursos para o Estado, que poderiam ser utilizados para investimentos em outras áreas prioritárias, como saúde, educação e segurança.

Na minha opinião, a venda da CEEE Distribuidora representou a perda de um patrimônio público importante, que poderia ser administrado de forma mais eficiente pelo Estado. Além disso, tenho preocupações sobre o impacto da privatização na tarifa de energia para os consumidores, além da perda de qualidade na prestação de serviços aos clientes atendidos.

No final, o processo de privatização da CEEE Distribuidora foi concluído em 2019, com a venda da empresa para o grupo Equatorial Energia. A decisão foi bastante controversa e ainda gera debates sobre seus impactos no setor elétrico do Rio Grande do Sul.

Correio da Cidadania: Como se pode falar em fazer caixa quando a empresa foi vendida por 100 mil reais, valor que poderia ser coberto por um cidadão de renda relativamente baixa?

Antônio Jaílson Silveira: O preço de venda da CEEE Distribuição é um tema complexo e envolve diversas questões políticas e econômicas. Foi um deboche para a sociedade. Qualquer decisão sobre a privatização da empresa deveria ser tomada levando em consideração na população, na qualidade dos serviços prestados e no desenvolvimento do setor energético.

É necessário um debate transparente e participativo para garantir que os interesses da população sejam protegidos nesse processo, o que não aconteceu na época pelas manobras do governo. Houve um sucateamento interno e um endividamento por parte da antiga CEEE-D, que deixou de repassar o valor do ICMS cobrado na tarifa do cliente para o estado, realizado de forma proposital pela gestão da empresa indicada pelo governador Eduardo Leite para justificar a necessidade de privatização.

Correio da Cidadania: Quais foram as consequências desta privatização na prestação do serviço?

Antônio Jaílson Silveira: As consequências ficaram rapidamente visíveis: tivemos redução da qualidade do serviço, uma vez que empresa privada prioriza o lucro em detrimento da qualidade do serviço prestado, cortes de investimentos em infraestrutura e manutenção, e terceirização em massa das atividades.

Falta de transparência é outro fator importante. Com a privatização, há uma diminuição na transparência das operações da empresa, o que pode dificultar o acesso dos consumidores a informações relevantes sobre o serviço prestado.

Outro aspecto é o menor foco nas necessidades dos consumidores. A empresa privada prioriza os interesses dos acionistas em detrimento das necessidades dos consumidores, o que resulta em uma menor atenção às demandas e reclamações dos clientes.

Hoje, temos aumento de cortes no fornecimento de energia pela falta de investimento e pela falta de qualificação dos trabalhadores terceirizados.

Correio da Cidadania: Houve demissões e precarização do trabalho?

Antônio Jaílson Silveira: Após a privatização da CEEE Distribuição, muitos trabalhadores foram demitidos, o que gerou uma série de impactos negativos para esses profissionais e suas famílias. Soma-se a precarização no atendimento, haja vista que eram trabalhadores altamente qualificados e que conheciam a complexidade de trabalhar no setor elétrico. Além disso, a precarização dos trabalhadores terceirizados pela Equatorial, empresa que adquiriu a CEEE, também tem sido uma preocupação, pois muitos desses trabalhadores enfrentam condições precárias, baixos salários e falta de benefícios.

Essa situação evidencia a importância de políticas públicas que protejam os direitos dos trabalhadores e garantam condições dignas de trabalho, mesmo em empresas privatizadas. É fundamental que as empresas que assumem o controle de serviços públicos como a distribuição de energia elétrica se comprometam com a valorização e respeito aos profissionais que atuam nesse setor.

Gabriel Brito é jornalista, repórter do site Outra Saúde e editor do Correio da Cidadania.

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