A mentira do pacto da Anistia
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- José Benedito Pires Trindade e Otto Filgueiras
- 04/04/2014
Há uma relação direta entre o twitter postado pela presidente Dilma, na sequência reafirmado por declarações públicas, no dia 31 de março, opondo-se à revisão da Lei de Anistia, e o anúncio, no dia 1º de abril, feito pelo ministro da Defesa, Celso Amorim, de que as Forças Armadas investigarão a prática de torturas e assassinatos em instalações militares, durante a ditadura.
Dias antes do twitter da presidente e da comunicação do ministro, aconteceu um fortíssimo ruído dando conta que a presidente, a propósito dos 50 anos do golpe de 64, manifestaria posição a favor da revisão da Lei de Anistia.
Imagine-se, então, o seguinte diálogo entre a presidente e o ministro: “Amorim, diga lá para os seus militares que vou fazer uma declaração favorável à revisão da Lei da Anistia, se eles continuarem negando que se investiguem as torturas e as mortes ocorridas nas instalações militares. Pergunta o que eles preferem: que eu meta o pé na jaca ou que eles revelem alguma coisa sobre o que aconteceu nos DOIs, na PE, na Vila Militar, na Ilha das Flores. Pergunte, Amorim”.
Teria sido assim que os cinco ministros militares (pois, na verdade, as Forças Armadas continuam tendo cinco ministérios como antes, pois essa invenção de FHC de Ministério da Defesa é uma ficção), decidiram entregar algumas bijuterias para preservar os dedos e o ouro?
No que resultarão as investigações? Os nomes dos que torturaram, assassinaram, esquartejaram e fizeram desaparecer os restos mortais serão revelados? As investigações percorrerão toda a cadeia de comando para chegar e identificar os mandantes? As investigações vão desmascarar as versões até agora cinicamente mantidas, revendo laudos, boletins, o noticiário da Globo, as manchetes e reportagens dos jornais disfarçando, fraudando (como hoje continuam fazendo) execuções com “confrontos armados com a polícia”?
As investigações vão revelar aonde foram enterrados Honestino Guimarães, Paulo Wright, Rubens Paiva e todos os 140 “desaparecidos”? Como foram presos, quem os torturou e assassinou?
E revelados os nomes dos torturadores, esquartejadores e responsáveis pelo desaparecimento dos corpos, eles serão punidos? Ou tão simplesmente terão suas identidades acrescidas às listas de carniceiros já existentes, permanecendo, como todos da lista, impunes?
Na lista de instalações militares que seriam investigadas está o DOI-CODI de São Paulo. Pois bem, o carniceiro da rua Tutóia, o coronel Brilhante Ustra, cujo sadismo competia com as monstruosidades de um Fleury, de um Fininho, de um João Carlos Tralli, de um Paulo Manhães, terá toda a sua atividade no comando daquela unidade das Forças Armadas escarafunchada, e dada à luz?
E, feito isso, o que acontecerá com Ustra, Tralli e Manhães e outros, se ainda vivos?
Se as investigações revelarem alguma coisa, nada acontecerá com eles, já que a Lei de Anistia não vai permitir que sejam alcançados.
Vejam o que declarou a presidente depois da “ameaça” de apoiar a revisão da Lei de Anistia: “Assim como reverencio os que lutaram pela democracia, também reconheço e valorizo os pactos políticos que nos levaram à redemocratização”.
O tal pacto, sabemos, é uma Lei de Anistia ditada pelos militares, escrita e imposta por eles, com a ativa participação dos colaboracionistas de sempre. E é mentira, escandalosa, vergonhosa, desonesta e ofensiva, que a lei de anistia dos militares de 1979 tenha sido resultado de acordo político.
Não tivemos aqui nada parecido com Moncloa. Tancredo, Sarney, Ulysses ou Portela não foram os nossos Suárez.
Essa história de “pacto político” é uma invenção dos que se acovardaram, capitularam, renunciaram mudar esse país, e hoje compactuam com os Manhães, Ustras, Trallis, Marinhos, Frias, Mesquitas, Mervais, Kamels, com os tucanos, os demos, os PPS, os socialistas e comunistas logotipados.
Ah, sim! A “Casa da Morte”, em Petrópolis, um dos mais notórios “aparelhos” clandestinos de tortura e assassinato das Forças Armadas, não está na lista das instalações militares a serem investigadas, ou seja lá o que isso signifique.
Quer dizer: os mais terríveis segredos do regime serão mantidos, garantidos pela Lei de Anistia, pelo tal “pacto político” e pelas investigações agora anunciadas.
Companheiros Honestino, Paulo Wright , Rubens Paiva e todos os 140 desaparecidos, todos os 379 assassinados pela ditadura, não é ainda a hora do requiescat in pace.
(Ainda dá tempo: na quinta-feira, 3, a presidente usou mais uma vez sua conta no twitter, agora para dizer que o resultado do julgamento do massacre do Carandiru fora uma vitória contra a impunidade. E quando celebraremos, Excelência, a vitória contra a impunidade dos crimes do regime militar?)
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José Benedito Pires Trindade e Otto Filgueiras são jornalistas; sendo que Otto está lançando o livro Revolucionários sem rosto: uma história da Ação Popular.