Correio da Cidadania

Quem julga os juízes?

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O filme “12 homens e uma sentença” está na minha lista dos dez melhores que já vi. Se você não o viu e deseja vê-lo, ele está disponível na internet, completo, em: http://www.youtube.com/watch?v=vHZhN4IccXs. Continuo, a seguir, falando sobre ele, sem contar o desfecho final, para não estragar o prazer de se ver o filme.

 

Logo no seu início, se vê a sala de um tribunal com o juiz, jurados, o acusado, promotores, advogados de defesa, enfim, tudo que é comumente visto neste ambiente, inclusive a audiência. Naquela corte, tinham acabado todas as argumentações necessárias para os jurados formarem uma opinião no julgamento de um acusado de assassinato. Sendo mais preciso, um acusado de ter assassinado o próprio pai.

 

A primeira fala do filme é do juiz, que diz para os jurados (sem a exata reprodução) o seguinte: “Durante esses dias, os senhores ouviram a acusação, a defesa, as testemunhas e o réu. Agora, os senhores devem se reunir e chegar a um veredito por unanimidade. Se os senhores declararem, de forma unânime, o réu culpado, pelas leis deste Estado, ele será condenado à morte. Entretanto, se ainda existir uma razoável dúvida em todos os senhores, quanto à autoria do crime, devem absolvê-lo. Se os senhores não conseguirem chegar a um veredito unânime, então, este julgamento será anulado e outro, com novos jurados, irá ocorrer no futuro, o que será um prejuízo para o Estado”.

 

Os 12 jurados vão para a sala de reunião e, querendo verificar como o conjunto se posicionava, eles fazem uma primeira votação. O resultado foi que 11 deles achavam o réu culpado e um tinha uma razoável dúvida sobre a sua culpa. Este personagem “do contra” é representado pelo ator Henry Fonda. Ele é quase agredido pelos demais personagens, que viam o caso como simples, já bastante explicado, inclusive pela imprensa, sobre o qual não recaíam dúvidas.

 

O personagem de Henry Fonda conta, aos poucos, suas dúvidas e vai conquistando alguns jurados para a tese da existência de razoável dúvida quanto à culpa. A riqueza maior do filme é mostrar o emaranhado do pensamento humano através destas pessoas. Um jurado autoritário berra e não se conforma com alguém estar discordando da maioria. As pressões psicológicas e morais que o personagem principal sofre são enormes. Chegavam a perguntar a ele “o que você está ganhando ao defender este criminoso?” e “você não devia ter sido o advogado de defesa em vez de jurado?”.

 

Dentre os diversos posicionamentos, ele chegou a ouvir algo como: “vamos demorar aqui só porque você resolveu dificultar o veredito” e “você fica sensibilizado só porque o réu sofreu agressões durante a infância e é pobre, mas o caso é que ele é um assassino”.

 

Buscando reproduzir o sentido dos diálogos, sem ser textual, este personagem principal diz, em algum instante: “O réu pode até ser culpado, mas as provas que foram apresentadas não mostram isto! Ele pode também não ser culpado”. Em outro instante, dizem a este personagem: “Então, prove que o réu não é culpado”, o que mereceu como resposta imediata: “Não! Quem tem a obrigação de provar são vocês que o acusam! Eu já mostrei quais são as minhas dúvidas quanto à culpa dele”.

 

Através de todos os personagens, o autor e o diretor dão recados sociais e humanos ricos. Além do personagem de Henry Fonda, dois outros são muito marcantes, a meu ver. O personagem representado pelo ator Lee J. Cobb tinha um filho quase da mesma idade que o réu. Ele havia brigado com o filho e vivia um momento de grande dor por este filho divergir dele e tê-lo abandonado. Em um momento de emoção, diz a verdadeira razão por que queria condenar o réu. Disse algo do tipo: “Estes jovens são todos iguais, irresponsáveis e injustos para com os pais”.

 

O outro personagem marcante é representado por um ator desconhecido, chamado Ed Begley. O discurso dele é, em linhas gerais, o seguinte: “Este pessoal de áreas pobres age sempre assim. Estão acostumados a agredir, a mentir, a roubar e a matar. Não é possível confiar neles”. Ele sentia o velho ódio de classes.

 

Sobre a influência da mídia no julgamento, identifico uma crítica muito dissimulada. Quando discutiam a razão de determinada testemunha ter possivelmente mentido, um jurado argumentou algo como: “Ela queria ter seus minutos de glória e precisava dizer o que supunha que satisfaria o público”. Em outro momento, é dito que a mídia estava dando cobertura ao evento.

 

Quem tem a incumbência de julgar tem uma imensa responsabilidade, principalmente para com os acusados, mas também com a sociedade e consigo próprio. Não pode ceder à tentação de satisfazer seus anseios humanos. O réu não pode ser penalizado por um crime imaginário, cuja condenação só satisfaz às deturpações da mente de quem julga. O julgador deve buscar se colocar na posição hipotética de um deus, uma entidade justa, acima de qualquer pressão, quer seja política, étnica, religiosa, sectária ou outras. Em tempos em que a vontade coletiva é incentivada, guiada e, por que não dizer?, determinada pela mídia, chegando à possibilidade de comprometer a lisura de julgamentos, há uma necessidade grandiosa de o juiz ser justo.

 

Paulo Metri é conselheiro da Federação Brasileira da Associação de Engenheiros e do Clube de Engenharia.

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