Correio da Cidadania

Petróleo: otimização da entrega

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Um engenheiro fazer comentários a um contrato, sem ser sobre a parte técnica, pode parecer estranho. Mas, como qualquer pessoa pode querer entender a racionalidade de atos de grande repercussão social, peço permissão para externar minhas dúvidas sobre o contrato de concessão a ser assinado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e as empresas ganhadoras dos leilões da 11ª Rodada, que é promovida por esta Agência, a mando do Executivo.

 

Como primeiro comentário, no contrato de concessão a ser assinado pelas empresas ganhadoras dos leilões, que é parte integrante do edital da 11ª Rodada, a expressão “Melhores Práticas da Indústria do Petróleo” está em 19 locais do contrato. Tomando um destes locais como exemplo, o item 14.10, pode-se constatar que nele é dito: “O Concessionário deverá planejar, preparar, executar e controlar as Operações de maneira diligente, eficiente e apropriada, de acordo com a Legislação Aplicável e com as Melhores Práticas da Indústria do Petróleo, respeitando sempre as disposições deste Contrato e não praticando qualquer ato que configure ou possa configurar infração da ordem econômica”.

 

Depois de se ler este item, uma natural indagação, que pode brotar de forma espontânea em qualquer um, é se a Chevron não teria agido, no caso do campo de Frade, segundo a interpretação dela própria, dentro das “Melhores Práticas da Indústria do Petróleo”? Esta expressão acolhe diferentes entendimentos, cada um deles respaldado por uma interpretação subjetiva. Salvo melhor juízo, contratos são assinados para diminuir o grau de interpretação subjetiva dos serviços, das suas execuções, dos benefícios, das infrações e de outros aspectos.

 

Um contrato bem redigido é aquele que, dentre outros aspectos, prevê ao máximo as situações futuras e estabelece linhas de ação para cada situação, não permitindo que elas sejam interpretadas, no futuro, de formas diferentes.

 

No item 1.3.28 do contrato, existe uma longa definição para as “Melhores Práticas da Indústria do Petróleo”, que creio não diminuir em nada o alto grau de subjetividade embutido neste contrato. Uma pessoa maldosa poderia até pensar que, nos contratos, há um desejo dissimulado de pouco comprometer os concessionários em detrimento da coisa pública, que poderá sofrer danos no futuro, sem a possibilidade de responsabilização dos eventuais culpados. Isto porque não há respaldo no contrato para enfrentar eventuais situações extremas, visando defender o interesse da sociedade.

 

Transcrevo a seguir a parte inicial da citada definição. “Melhores Práticas da Indústria do Petróleo são práticas e procedimentos geralmente empregados na Indústria de Petróleo em todo o mundo, por Operadores prudentes e diligentes, sob condições e circunstâncias semelhantes àquelas experimentadas relativamente a aspecto ou aspectos relevantes das Operações, visando principalmente à garantia de: (a) aplicação das melhores técnicas e procedimentos mundialmente vigentes nas atividades de Exploração e Produção; (b) conservação de recursos petrolíferos e gasíferos, o que implica a utilização de métodos e processos adequados à maximização da recuperação ...”.

 

Foram utilizadas, neste trecho da definição, as palavras “geralmente”, “prudentes”, “diligentes”, “semelhantes”, “relevantes”, “melhores”, “vigentes” e “adequados”. Cada uma delas contém subjetividade no seu bojo, então, se era desejado com a definição diminuir o grau de subjetividade da expressão, isto certamente não ocorreu. Assim, em cada um dos 19 locais, onde esta expressão é utilizada, o concessionário e o concessor podem ter interpretações diferentes.

 

Assinar contratos deste tipo pode significar a criação de um passivo de contestações judiciais.

 

Como segundo comentário ao contrato de concessão, no item 20.11.1 a, que é parte da seção “Multa pelo Descumprimento do Conteúdo Local”, é dito: “O valor da multa será calculado sobre o valor monetário descumprido, aplicando-se-lhe o seguinte percentual: a) Caso o descumprimento do Conteúdo Local seja igual ou superior a 65% (sessenta e cinco por cento): -------, em que NR é o Conteúdo Local Não Realizado; e ...”. O item está claramente truncado e, desta forma, não poderia haver leilão algum. Se o compromisso de conteúdo local for descumprido, as empresas não terão que pagar multa alguma, pois não se pode pagar algo que não se sabe o quanto é.

 

Como terceiro comentário, que mais se refere ao processo de decisão que resultou no edital e contrato desta rodada, peço ao leitor que preste atenção a estes fatos. O inciso VIII do artigo 4º da lei 10.847, de 2004, diz que: “Compete à Empresa de Pesquisa Energética (EPE) promover estudos para dar suporte ao gerenciamento da relação reserva e produção de hidrocarbonetos no Brasil, visando a autossuficiência sustentável”.

 

A sociedade não tem acesso a estudos da EPE que determinariam o valor de referência para planejamento do índice “Reserva sobre Produção de petróleo” (R/P), que deve ser usado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e Agência Nacional do Petróleo (ANP) para definição da necessidade de rodadas, incluindo a quantidade de blocos a serem leiloados e o tamanho deles. Nem se sabe se isto é feito pela EPE. Notar que, mesmo sabendo que o acréscimo de produção devido a esta rodada irá ser todo exportado, pois a Petrobras já possui o petróleo necessário para, no mínimo, 40 anos de abastecimento, há a necessidade de se saber qual será o nível da exportação brasileira.

 

Além do mais, o CNPE tem como atribuição, segundo o inciso V do artigo 2º da lei 9.478: “Estabelecer diretrizes para a importação e exportação, de maneira a atender às necessidades de consumo interno de petróleo e seus derivados, gás natural e condensado, e assegurar o adequado funcionamento do Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis e o cumprimento do Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis ...”.

 

Não existe decisão do CNPE determinando a diretriz para exportação, nem estudos deste Conselho mostrando a atratividade da mesma. Sobre os citados “Sistema Nacional de Estoques de Combustíveis” e “Plano Anual de Estoques Estratégicos de Combustíveis”, se existem, não são divulgados pelo CNPE. A sociedade brasileira é totalmente desconsiderada, pois não é consultada para nada, inclusive não se pergunta a ela se quer que seu petróleo seja exportado.

 

O incrível é que conseguem calar todas as eventuais vozes discordantes. O livre pensar universitário, que conseguiu se opor ao Acordo Nuclear com a Alemanha durante o regime ditatorial, deixou de existir em plena abertura democrática. Ou só temos a abertura democrática que o capital permite?

Nota do autor: Meus últimos artigos, como não poderiam deixar de ser, foram contra esta aberração social, que é a 11ª Rodada de leilões de blocos para exploração e produção de petróleo. Se você concordou com eles, vá ao endereço: http://www.avaaz.org/po/petition/Barrar_a_11a_rodada_de_leiloes_da_ANP/?tNWMDab e vote contra a realização desta Rodada. As gerações futuras, ao saberem do seu presente gesto, agradecerão seu voto.

 

 

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Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia

Blog do autor: http://www.paulometri.blogspot.com.br/

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