Ministério do mercado reitera vazio político de uma esquerda perdida e oportunista
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- Paulo Passarinho
- 28/11/2014
Já virou rotina. Depois de mais uma campanha eleitoral onde a candidatura do lulismo ataca a direita e denuncia banqueiros – como o mal maior a ameaçar direitos e conquistas dos trabalhadores – o ato imediato protagonizado por suas lideranças é a celebração de acordos com o mercado financeiro, para garantir o que se chama de “governabilidade”.
Em 2002, o acordo foi audacioso: a campanha vitoriosa, que levou a esperança a vencer o medo, foi buscar em Washington o armistício, anunciando na capital do Império o nome de um alto executivo do BankBoston, um de seus ex-presidentes e deputado eleito pelo PSDB, Henrique Meirelles, para o comando do Banco Central (BACEN). A esperança, portanto, ficou no passado da campanha e o temor, ou insegurança, predominou.
Em 2006, o nome do banqueiro tucano foi o primeiro a ser confirmado para continuar na equipe de Lula, já como ministro, pois Lula a ele conferiu esse privilégio, no seu primeiro mandato, elevando o status do presidente do Banco Central a essa posição, por um motivo bizarro: permitir que o cidadão obtivesse o chamado foro privilegiado do Supremo, pois Meirelles havia sido acusado pelo Ministério Público por crimes fiscais, falsidade ideológica e evasão de divisas.
Em 2010, Dilma Rousseff decidiu, finalmente, substituí-lo na montagem da sua equipe de governo. Mas, em seu lugar, ficou um dos seus diretores no BACEN e seu pupilo, Alexandre Tombini. Não sem razão – e apesar da conjuntura internacional ainda se ressentir da crise financeira de 2007/2008 – a primeira medida adotada pelo novo presidente foi dar início a um novo ciclo de elevação da taxa Selic, medida absolutamente na contramão do que se poderia imaginar como razoável para um governo que se autorrotulava como neodesenvolvimentista.
Agora, em 2014, e buscando recuperar o que se chama de credibilidade junto aos mercados, a ideia inicial foi convidar o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, para o comando do Ministério da Fazenda. O convite não foi aceito. O Bradesco prepara Trabuco para ser o próximo presidente do seu Conselho de Administração, sucedendo a Lázaro Brandão e priorizando o seu valioso quadro para a sua própria instituição. Porém, o banco não deixou Dilma na mão: indicou para o posto um de seus funcionários de confiança, Joaquim Levy. Secretário Nacional do Tesouro, na gestão do primeiro mandato de Lula, e ex-integrante da equipe econômica de Pedro Malan, na gestão de FHC, o economista parece se encaixar no figurino desejado por Dilma para o posto de novo comandante da área econômica.
Considerado um economista ortodoxo, caberia a Levy dar início a um processo de ajuste fiscal, em combinação com a manutenção e ampliação do atual ciclo de elevação da taxa de juros, conforme vem sendo sinalizado pelo Banco Central. É a velha fórmula do contracionismo fiscal e arrocho monetário, como medidas para o relançamento posterior da economia, a partir desta freada de arrumação. A ideia é preservar as regras do jogo da abertura financeira e fortalecer os grupos financeiros que se beneficiam da transferência de renda embutida no processo de rearrumação das contas públicas, em prol especialmente dos credores da dívida pública.
A incógnita dessa estratégia é como enfrentar a necessidade do ajuste cambial, através da desvalorização do Real. Sob o regime de câmbio flutuante, a elevação da taxa de juros estimularia a entrada de divisas, em um momento onde novamente deveremos fechar o ano com um déficit em conta corrente em torno de US$ 80 bilhões. Contudo, é crescente a pressão de setores exportadores e industriais por uma correção da taxa cambial.
Nesse sentido, o anúncio, não confirmado, dos nomes de Kátia Abreu, para o Ministério da Agricultura, e de Armando Monteiro Neto, para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, reforça a ideia da formação de um ministério que traga para o seu interior os diferentes interesses da elite econômica dominante, que se beneficia do atual modelo econômico. Armando, senador pelo PTB de Pernambuco, já ocupou a presidência da Confederação Nacional da Indústria, e Kátia, também senadora, por Tocantins, é a presidente da Confederação Nacional da Agricultura e uma espécie de liderança maior do agronegócio. Divergências e a necessidade de ajustes que possam surgir, portanto, na implementação da estratégia em curso, deverão, a depender da vontade de Dilma, ser resolvidas no interior do próprio governo.
Surpresa?
Quem não vem gostando nem um pouco dessa arquitetura política e da estratégia econômica em formulação são os signatários de um manifesto recém lançado, subscrito por intelectuais e lideranças sociais do campo lulista. O manifesto Em Defesa do Programa Vitorioso nas Urnas tem todo o direito, a partir do papel que esses setores desempenharam na vitória de Dilma, de reivindicar e pressionar por mudanças políticas e econômicas.
Entretanto, não pelos argumentos falaciosos apresentados. Na sua abertura, por exemplo, é destacado que “a campanha presidencial confrontou dois projetos para o país no segundo turno. À direita, alinhou-se o conjunto de forças favorável à inserção subordinada do país na rede global das grandes corporações, à expansão dos latifúndios sobre a pequena propriedade, florestas e áreas indígenas e à resolução de nosso problema fiscal não com crescimento econômico e impostos sobre os ricos, mas com o mergulho na recessão para facilitar o corte de salários, gastos sociais e direitos adquiridos”.
Somente aos que se deixam levar pela marquetagem oficial ou pela irracionalidade passional que tomou conta do país, especialmente no segundo turno, pode simplificar o embate político que vivemos dessa maneira.
Quem nos últimos doze anos aprofundou a inserção subordinada do país ou a expansão dos latifúndios do agronegócio, sepultando qualquer traço de estratégia nacional séria para atenuar nossa dependência econômica e nosso subdesenvolvimento, foram os governos de plantão. Quem renunciou a qualquer pretensão mais séria de reverter o processo de desnacionalização do nosso aparato produtivo, implementar uma política industrial de substituição de importações ou reformas estruturais como a agrária, a agrícola, a tributária ou a fiscal, incluindo o rompimento da subordinação da administração da dívida pública a uma irresponsável política monetária, foram os governos presididos por Lula e Dilma.
Mesmo se levarmos em conta os ditos apoios aos dois candidatos que disputaram o segundo turno, vamos observar que a elite econômica dominante se dividiu e, sob o ponto de vista financeiro, com vantagem para a candidata à reeleição.
Portanto, reforçar a falsa ideia de dois projetos em disputa é lamentável e deseducativo. Mantém a mitificação e a impostura de caracterizar o pacto social implementado pelo lulismo, em torno do modelo dos bancos e multinacionais, como neodesenvolvimentista, capaz de distribuir renda ou sustentar uma política externa independente.
A verdade que esses setores – que se dizem de esquerda, mas prestam um vassalo apoio aos governos de plantão – não querem enfrentar é a necessidade de rompimento com o lulismo. Enquanto esse movimento não se der, manifestações de crítica ou descontentamento pontual tenderão a cair no vazio. O vazio do oportunismo e da indigência ideológica e política de uma esquerda que se perdeu.
Paulo Passarinho é economista e apresentador do programa de rádio Faixa Livre.
Comentários
Bem, cientes agora pela oportuna exposição que nos fez artigo, de que não há retorno na opção petista de governar em parceria com o campo conservador, quais sugestões e alternativas podemos apresentar para que o povo brasileiro possar começar a influenciar a administraçãoo de seus negócios e interesses, mas de forma democrática, de modo que a vontade do cidadão/eleitor seja consultada e ouvida durante todo o processo de gerência da coisa pública?
Explicar ao povo, em campanha evangelizadora, aquilo que o artigo delineia, mas da maneira mais convincente e acessível? Isso ninguém está fazendo. E por que não?
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