2009 não nos reservará boas notícias
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- Paulo Passarinho
- 05/01/2009
2009, ao que tudo indica, confirmará a triste sina da história econômica do Brasil dos últimos 25 anos.
Mais uma vez, iremos assistir a uma retração do breve ciclo de crescimento que experimentamos, desta feita nos últimos cinco anos.
Este é um dado que talvez ajude ainda mais àqueles que demonstram surpresa com os altos índices de popularidade de Lula. Além da comparação com seu antecessor lhe ser amplamente favorável, o atual governo conseguiu um desempenho que nenhum outro governo, desde os anos 70, havia logrado: os cinco anos de crescimento econômico que obtivemos, entre 2004 e 2008.
O principal fator responsável por esse dado reside nas excepcionais condições geradas pelo comércio internacional, impulsionado por uma demanda extraordinária de alimentos e commodities minerais, itens de grande importância em nossa pauta de exportações.
Aumento dos volumes exportados e preços elevados dessas mercadorias fizeram com que viéssemos a conseguir saldos comerciais expressivos, aliviando momentaneamente nossas sempre problemáticas contas externas, e criando condições para uma expansão do próprio mercado interno.
Contudo, dado o grau de abertura financeira, comercial e produtiva que temos hoje, desde o ano passado começamos a observar uma redução dos saldos comerciais do país, acompanhados de uma elevação muito forte das despesas de serviços, particularmente no pagamento de lucros e dividendos.
Com isso, já em 2007 – portanto, antes dos sintomas mais graves da crise internacional –, sofremos uma violenta redução no resultado das transações correntes do país.
Como exemplo, lembro que o saldo corrente em 2006 havia sido de US$ 13,6 bilhões, caindo em 2007 para apenas US$ 1,7 bilhão. E neste ano de 2008 já iremos voltar a apresentar um déficit corrente com o exterior em torno de US$ 30 bilhões, que deverão ser cobertos com recursos externos em investimentos diretos – que logo levarão a um aumento maior no valor da despesa com remessas de lucros e dividendos – ou em aplicações financeiras cada vez mais voláteis, e de caráter especulativo.
Esses dados, que já estavam estimados antes – repito – dos sintomas mais agudos da crise econômica internacional, colocam vários problemas em nosso horizonte macroeconômico, especialmente agora, quando os efeitos da crise se tornam mais evidentes.
Infelizmente, perdemos um precioso tempo e oportunidade política ímpar nesses últimos anos. Independentemente de Lula, como político, poder se vangloriar de sua alta popularidade, o fato é que, mesmo com esse crescimento econômico obtido a partir de 2004, as taxas de incremento do PIB, em comparação a outros países em desenvolvimento, foram muito medíocres.
Em 2007, por exemplo, quando o PIB se expandiu a uma taxa de 5,4%, e bem acima do aumento de 3,7% obtido em 2006, esse resultado nos colocou, em termos de crescimento, muito abaixo do conseguido por países como a China, Peru, Argentina, Índia, Venezuela e Rússia, todos com uma elevação dos seus respectivos PIBs superior a 8% naquele ano, e também em anos anteriores, com a exceção do Peru.
E isto tudo sem mencionar o que significou, em termos de qualidade, tal crescimento. Rigorosamente, demos continuidade ao modelo de desenvolvimento ditado pelo sistema financeiro e pelas transnacionais. Continuamos a ampliar o endividamento interno, a degradar os serviços públicos e a desnacionalizar o nosso parque produtivo. E cada vez mais nos colocando de forma subalterna no processo de globalização, nos contentando em aproveitar as receitas de exportações de matérias-primas minerais e produtos agrícolas, extraordinárias e que não se mantêm ao longo do tempo.
Com a crise global em curso tudo se precipita, e os efeitos da desaceleração econômica mundial já se fazem sentir. A produção industrial já se reduziu em 1,7% em outubro, em comparação com o mês de setembro, e a estimativa para o resultado de novembro, ainda não divulgado, de uma nova queda de 2% irá produzir um recuo de 0,5% no próprio resultado estimado para o PIB do quarto trimestre.
Portanto, está claro que a conjuntura econômica mudou e 2009, infelizmente, não nos reservará boas notícias. Redução no nível da atividade econômica e desemprego em alta parecem ser inevitáveis, mas não cairei na tentação de projeções de futuro que dependem de variáveis muito complexas.
Entretanto, quando tudo indica que inclusive poderemos vir a sofrer, já no primeiro semestre do ano, pesadas perdas em nossas propaladas reservas internacionais, seria importante refletirmos sobre como encontrar apoios e força política para se evitar o pior.
Particularmente, para a defesa do emprego de milhares de trabalhadores ameaçados com a reversão do quadro econômico.
Propostas não nos faltam. Recentemente, houve inclusive a entrega ao presidente Lula de um conjunto de propostas de articulações internacionais e medidas de políticas internas, defendidas por entidades e movimentos sociais expressivos, como a Via Campesina, o MST, a CUT, a CPT e o MAB, dentre outros.
Caso essas medidas viessem a ser assumidas pelo governo, com certeza poderíamos dar início, de fato, a uma mudança na atual política econômica. Porém, apesar da proximidade política com o governo de vários dos movimentos e entidades que subscreveram as propostas, nada indica que elas tenham sensibilizado o presidente da República. Ao contrário, a resposta prática do governo nos foi dada pela absurda e criminosa decisão de manutenção da taxa básica de juros em 13,75%.
Esta postura e insensibilidade de Lula – responsável, entre outras graves condutas, pela nomeação e proteção ao presidente do Banco Central, cidadão acusado formalmente de evasão de divisas e crime de falsidade ideológica - são o principal obstáculo a ser enfrentado.
Lula é o fiador, garantia maior do respeito aos compromissos assumidos na vergonhosa Carta aos Brasileiros, espúrio acordo do então candidato do PT, em 2002, com os setores dominantes da economia e da política brasileiras, vale dizer, bancos, agronegócio e demais transnacionais.
Junto com Lula, não somente o PT, mas partidos de esquerda tradicionalmente a ele aliados, como o PC do B, transfiguraram-se por completo.
Com essa metamorfose, o bloco de poder forjado desde o final do mandato de José Sarney, e superfortalecido nos oito anos de FHC, surpreendentemente se revigorou a partir da eleição de Lula.
É esse fato que permite, em plena discussão de medidas anticrise, Roger Agnelli, presidente da Vale do Rio Doce – ilegalmente à frente de uma empresa cuja transferência ao controle privado não somente pode, como deve ser anulada pela justiça, pelas inúmeras ilegalidades que deveriam ser inclusive denunciadas pelo governo Lula através da AGU –, não somente operar demissões em massa na empresa. Conforme divulgado pela imprensa, o executivo do Bradesco se acha no direito de sugerir ao presidente da República a flexibilização temporária da legislação trabalhista, com o objetivo de se reduzirem custos, com o ataque ao emprego de milhares de trabalhadores. Proposta logo repercutida pelos ativos analistas e comentaristas econômicos de plantão, e a serviço do atual bloco de poder dominante.
Por tudo isso, 2009 somente poderá representar uma virada para o país, e para os trabalhadores, se houver a capacidade de uma retomada vigorosa e autêntica dos movimentos sociais e entidades do movimento popular, em prol das bandeiras que jamais poderiam ter sido abandonadas, na prática, pelo governo Lula e pelos partidos de esquerda que o apóiam.
Paulo Passarinho é economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.
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