“My Man”
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- Paulo Passarinho
- 15/04/2009
Obama, o presidente dos Estados Unidos, ao chamar Lula de "meu chapa", em meio a outras referências pessoalmente simpáticas ao nosso presidente, talvez tenha revelado, em termos políticos, um significado do que representa, hoje, o ex-operário e ex-sindicalista, no mundo da política hegemonizada pelas grandes potências.
São notórias as dificuldades em que se encontram os países líderes da Europa, o Japão e a superpotência norte-americana. A crise econômica que assola o mundo capitalista superdesenvolvido já apresenta desdobramentos inevitáveis, em termos sociais e políticos. Esforços têm sido feitos por esses países, em ações coordenadas pelos seus respectivos bancos centrais, desde o segundo semestre de 2007, para estancar uma crise que está muito longe de ser meramente uma deformação da conduta de bancos e financeiras, ou de executivos acostumados a orientar a maquiagem dos balanços das instituições que dirigem.
As populações desses ditos países do primeiro mundo possuem uma consciência de seus direitos como cidadãos, que obriga a própria direita desses países a respostas que não podem e não devem implicar retrocessos que ameacem conquistas que se consolidaram nas últimas décadas, mesmo levando-se em conta as experiências de natureza neoliberal.
A crise possui várias dimensões, afetando o sistema de crédito, a capacidade de consumo de populações que vêem o seu poder aquisitivo diminuir, e que acaba por atingir a esfera produtiva e o comércio global de produtos e serviços.
A reunião de cúpula de Londres, contando com uma participação ampliada dos países que compõem o G-20 financeiro – não confundi-lo com o G-20 das reuniões da OMC -, procurou, em linhas gerais, reforçar as medidas anticrise em três direções: no reforço do capital disponível pelo FMI, para socorro de países em dificuldades de balanço de pagamentos, cuja tradução é o risco de deixar credores na mão (especialmente, bancos dos países mais ricos); na injeção de recursos para reanimar o comércio internacional; e em medidas voltadas aparentemente para uma maior transparência das transações financeiras internacionais.
Com relação ao pacote financeiro de reforço ao FMI, muito se falou da astronômica cifra de US$ 1,1 trilhão, mas nesse número se misturam muito mais intenções e outras finalidades do que propriamente recursos líquidos, e com fontes definidas, disponíveis para países em dificuldades. Objetivamente, o que a reunião de Londres aprovou foi um chamamento aos países-membros do FMI para, no curto prazo, subscreverem capital na instituição da ordem de US$ 250 bilhões.
A resposta dos países para esse aporte é muito tímida. O Japão já havia – desde novembro passado – se comprometido em fazer um aporte de US$ 100 bilhões. A União Européia, em março, havia prometido algo semelhante. O Canadá, a China e o Brasil também se declararam dispostos a pingar algum. É daí que saiu aquele papo do Lula que "emprestar dinheiro ao FMI é chique". Outros US$ 250 bilhões seriam integralizados pelos países-membros, um pouco mais adiante, mas sem nenhum tipo de definição mais precisa. Haverá também a emissão de US$ 250 bilhões em DES – Direitos Especiais de Saque, a moeda escritural da instituição.
Houve ainda uma recomendação de um aporte de US$ 250 bilhões, para o incremento do comércio internacional. Entretanto, esses recursos deveriam ser disponibilizados pelos países-membros do FMI, através das suas próprias agências de crédito às exportações e dos bancos regionais de desenvolvimento. Por fim, para se "fechar a conta" do US$ 1,1 trilhão haveria uma soma de US$ 100 bilhões para o Banco Mundial, destinados aos países mais pobres, mas a fonte objetiva da totalidade desses recursos é, em boa parte, obscura.
Dessa forma, somando-se alhos com bugalhos, intenções com definições, chegaríamos ao montante trilionário.
No que diz respeito à busca de uma maior transparência das movimentações financeiras internacionais, bem como dos próprios balanços das instituições financeiras, cabe destacar que, no mesmo dia em que a cúpula do G-20 se reunia em Londres, o Comitê Contábil Americano anunciava mudanças nas regras contábeis dos bancos, facilitando, na ótica de muitos especialistas, a maquiagem de seus resultados. E o brado de Londres contra os refúgios fiscais, ou paraísos financeiros, deverá ainda ser muito bem traduzido em medidas concretas para que tenha condição de superar o plano de uma mera intenção, sem nenhuma conseqüência prática. Esse tipo de proposta foi, por exemplo, solenemente ironizada por autoridades e formadores de opinião da Suíça, país que se gaba de dispor de uma vantagem comparativa inigualável nessa matéria, sem contar que esse tipo de medida não mereceu nenhum apoio dos chineses, interessadíssimos em preservar Hong Kong e Macau.
Para um balanço mais sério da reunião de Londres, cabe destacar a vitória diplomática e performática, respectivamente, dos Estados Unidos e de Barack Obama. O presidente americano levou a sua simpatia não somente aos seus pares do G-20, mas consolidou junto à opinião pública da Europa a imagem de um líder que deixa para trás a antipatia e arrogância de Bush. E sem recuar um milímetro sequer dos propósitos do Estado nacional que ele preside. Em Praga, por exemplo, chegou a deixar claro que não recuará do projeto do chamado escudo antimísseis, que tanta irritação provoca aos russos.
No tocante aos interesses de Estado da principal potência do planeta, cabe o destaque para o papel de relevo que o FMI volta a exercer, em um momento em que para muitos a instituição já se encontrava para lá de sepultada. O FMI, de acordo com opiniões insuspeitas, como é o caso de Delfim Neto, não passaria de uma extensão da Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos.
Em Londres, por exemplo, a discussão sobre o papel do dólar como a principal moeda internacional de trocas não mereceu nenhuma atenção, nem tampouco algum tipo de ação comum sobre o que fazer com os chamados títulos podres, ou ativos tóxicos, do sistema financeiro.
Com novos acenos de uma reestruturação do órgão, para o ano de 2011, o papel do FMI como pronto-socorro de países em dificuldades para honrar os seus compromissos com instituições dos países mais ricos é fortalecido, e com recursos de países em desenvolvimento, como o Brasil.
Talvez, neste ponto, seja pertinente atentar que esse Obama que adula Lula como "my man" deva merecer, de quem se julga cidadão brasileiro, a observação que de fato o presidente norte-americano é "muy amigo...".
Paulo Passarinho, economista, é presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.
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